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Teatro e Dança

Nastácia, do século XIX, expõe a atualidade brutal da violência contra a mulher

Peça na Caixa Cultural reúne grandes nomes do teatro brasileiro e provoca reflexão sobre gênero e dignidade

Alexya Lemos

12/09/2025 5h00

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Foto: Guto Muniz/ Divulgação

Amanhã e domingo, o Teatro da CAIXA Cultural recebe as últimas apresentações da temporada de Nastácia, espetáculo que já conquistou alguns dos principais prêmios do teatro brasileiro e acumula 34 indicações em prêmios teatrais em categorias como Melhor Espetáculo; Melhor Autor; Melhor Direção; Melhor Atriz; Melhor Cenário e Melhor Figurino.

A montagem dá vida a um dos episódios mais marcantes da literatura universal: a compra de Nastácia Filíppovna, heroína de O Idiota, clássico de Fiódor Dostoiévski publicado em 1869.

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Foto: Alexandre Rezende/ Divulgação

Com direção de Miwa Yanagizawa e dramaturgia de Pedro Brício, a peça une teatro e videoarte para retratar uma personagem que, apesar de concebida no século XIX, continua a ecoar nas discussões atuais sobre violência de gênero.

“A violência com a qual ela foi tratada por toda a sua vida, que tirou dela a própria vida, é uma tragédia que persiste em nos assolar ainda hoje, depois de séculos”, afirma a atriz Flávia Pyramo, idealizadora do projeto e intérprete da protagonista.

Uma heroína trágica e atemporal

Órfã desde a infância, Nastácia foi transformada em concubina aos 12 anos por um oligarca que a submeteu a abusos e humilhações. Forte, bela e vingativa, ela enfrenta a sociedade patriarcal que insiste em absolver a violência pelo poder e pelo dinheiro. Sua trajetória termina em tragédia: morta em uma cama, com uma facada no coração.

Para Flávia Pyramo, interpretar a personagem é um desafio que exige entrega total. “Nastácia é de fato um desafio, além de um encanto. […] Com seu temperamento vulcânico e sua humanidade profunda, Nastácia me fascina e me inquieta; exige de mim tudo o que tenho e tudo o que sou capaz de imaginar.”

O dramaturgo Pedro Brício destaca as forças que se chocam na trama: “O passado irrompe de repente e toma conta da cena. A força do que acontece está ali. Entendemos claramente a estória; a potência do drama dos personagens é o que arrebata, por ser tão vertiginoso e por se transformar de uma hora para outra diante dos nossos olhos.”

Reconhecimento nacional e internacional

Desde sua estreia em 2019, em Belo Horizonte, Nastácia percorreu palcos importantes. A peça conquistou o Prêmio Shell (RJ) de Melhor Direção, o Prêmio APTR de Melhor Direção e o Prêmio APTR de Melhor Cenário. Em 2025, durante o Festival Off Avignon, na França, foi escolhida como uma das favoritas do público, sendo descrita pelo jornal La Terrasse como “uma epopeia brilhante”.

A força do espetáculo também se revela na reação das plateias brasileiras. “É impressionante como Nastácia conquista a empatia, o amor das pessoas. As pessoas saem emocionadas, impactadas. Reconhecem muito a trajetória dela, infelizmente, porque percebemos que ainda hoje temos os mesmos padrões emocionais e comportamentais, tanto as vítimas quanto os algozes, os assassinos”, relata Flávia.

Um trabalho coletivo de excelência

O elenco atual reúne Chico Pelúcio (Totski), Flávia Pyramo (Nastácia) e Lenine Martins (Gánia). O time criativo conta ainda com Ronaldo Fraga (direção de arte), Cao Guimarães (videoarte), Tuca Pinheiro (direção de movimento), Gabriel Lisboa (trilha sonora) e Rodrigo Marçal (luz), além da consultoria teórica de Paulo Bezerra, tradutor de Dostoiévski para o português, e Flávio Ricardo Vassoler.

Para Flávia, o êxito é resultado dessa sintonia artística. “O sucesso do espetáculo é mérito dessa equipe dos sonhos que conseguimos reunir. Trabalhar com artistas gigantes como são os criadores de Nastácia é um aprendizado imensurável. […] Estar no meio e rodeada pelas obras de artistas dos quais sou fã, além de ser um presentão, é de muitas formas um facilitador do meu trabalho.”

Entre sombra e luz

A intensidade do espetáculo também se manifesta no corpo da atriz em cena. Flávia descreve o impacto do ato final. “Quando revivo a facada que Nastácia recebe debaixo do seio esquerdo, […] eu caio e levanto cerca de 4 vezes, desenhando a trajetória entre a sombra e a luz, entre a morte e a salvação, que constitui a história dela – não tem como sair ilesa. É dilacerante não apenas para mim, mas para o público.”

Embora baseada em um romance do século XIX, Nastácia dialoga diretamente com o presente. Dados da pesquisa Elas Vivem (2024), realizada pela Rede de Observatórios de Segurança, revelam que, em média, 11 mulheres foram vítimas de violência a cada 24 horas no Brasil, um total de 4.181 casos, número 12,4% maior que o de 2023.

“Difícil ver uma história contada no século XIX ser tão atual. […] Muito triste. Mas precisamos seguir lutando pelas transformações que almejamos”, resume Flávia Pyramo.

Nastácia
Onde:
CAIXA Cultural Brasília, SBS – Quadra 4 – Lotes 3/4
Quando: 13 e 14 de setembro
Horários: sábado (13), às 17h e às 20h, e domingo, às 19h.
Acessibilidade: sessão de sábado, às 17h, com intérprete de Libras
Ingressos: R$ 15 (meia para clientes CAIXA e casos previstos em lei) e R$ 30 (inteira) – na bilheteria do teatro e pelo site.

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