RIO DE JANEIRO, RJ (FOLHAPRESS)
Sozinho no palco, um menino negro chuta uma bola de luz. Logo depois, esse mesmo menino, já adulto, canta “Luz”. Assim, com a luminosidade como guia, tem início “Djavan – O Musical: Vidas pra Contar”, que conta a trajetória de vida daquele garoto, que se consagraria como criador de uma obra marcada por uma musicalidade e poéticas únicas.
“A luz se mostra a partir dali algo fundamental no espetáculo”, afirma João Fonseca, diretor do musical que, depois de temporada no Rio, estreia neste sábado, dia 9, no Teatro Sabesp Frei Caneca.
“Nosso número de abertura termina com o protagonista dizendo ‘Viver da própria luz’ [último verso de ‘Luz’]. E é disso que se trata sua trajetória: viver da própria criação, da sua beleza, de uma luz que nunca ninguém tinha visto”.
Com roteiro de Patricia Andrade e Rodrigo França, o musical traça um panorama da trajetória de Djavan: da infância em Maceió ao Grammy Latino pelo conjunto da obra; das portas fechadas nas rádios e gravadoras pela “estranheza” de suas composições à gravação de “Samurai” com participação de Stevie Wonder; do reconhecimento de suas raízes musicais em Angola aos lutos da vida pessoal. Canções de diferentes fases, entre clássicos inevitáveis e surpresas, ajudam a contar a história.
Pairando como sombra -ou como luz- há uma história de negritude. Ela está presente em seu viés espiritual, assim como na ancestralidade que se revela em música. A negritude aparece também em sua negação, o racismo. Há uma cena que retrata uma abordagem policial no qual Djavan foi humilhado -algo que se repete diariamente, com outros personagens que carregam em comum a cor da pele.
“Para além da história de Djavan, o musical é sobre você ultrapassar barreiras num país racista, e que era muito pior antes, nesse período retratado ali”, avalia Gustavo Nunes, idealizador do espetáculo.
“A certa altura, é dito a Djavan que aquilo, a música, o sucesso, não era para ele. Imagino quantas pessoas têm um impulso criativo e são obrigadas a deixá-lo. Mas em ‘Vidas pra contar’ temos alguém que conseguiu ultrapassar essa dificuldade e foi além”.
No palco, Djavan é vivido por Raphael Elias. A performance do ator de 30 anos -que além de cantar, toca violão em cena- impressiona pela forma como consegue remeter ao jeito de corpo e de voz do personagem sem cair na caricatura. Sua preparação incluiu a observação detalhada de horas de shows, clipes e entrevistas. “Meu timbre tem semelhanças, apesar de minha voz cantada ser um pouco mais grave. Mas sempre tive facilidade para imitar vozes, desde pequeno”.
A construção corporal exigiu atenção especial, sobretudo ao gestual de Djavan com as mãos -as palmas pra frente, na altura do quadril– e a cabeça quando canta. “A partir de fotos e prints de vídeos, fiz um álbum de poses e gestos do Djavan”, conta Raphael. “Montei, por exemplo, um repertório de abraços: como ele abraça Gal, Chico, Caetano…”.
Presente em cena quase o tempo todo ao longo das quase três horas de espetáculo, Raphael conta que um dos maiores desafios é lidar com as mudanças rápidas de clima de uma cena para outra.
“Há cenas emocionalmente densas, como a da morte da mãe de Djavan. Me emociono muito ali, mas não posso chorar porque não saio do palco, e a cena seguinte já tem outra atmosfera. Se eu choro, meu nariz escorre, fico fungando no microfone… Então tive que aprender a controlar. Às vezes choro e tento me virar, por exemplo, aproveitando a batida da bateria. Fungar no ritmo, digamos assim”, brinca.
O cenário -uma grande parede com várias portas que se abrem e fecham, permitindo que ora se configurem como um casarão que recebe uma festa, ora como estúdio de gravação, entre outras possibilidades- dá dinâmica à encenação.
“Temos também uma evocação do Nordeste, com banquinhos inspirados nas bandeirinhas de Volpi, figurinos trabalhados em chita e renda”, explica o diretor. “Queríamos um ambiente que trouxesse a ancestralidade, mas também algo vibrante e contemporâneo”.