Uma amizade improvável, separada por 30 anos de diferença de idade, mas unida pela paixão à literatura, é o cerne do espetáculo Cartas a um Jovem Escritor, que estreou nesta quarta-feira, 8, no Centro Cultural São Paulo.
A montagem, dirigida por Paulo Williams, joga luz sobre a rica correspondência trocada entre o já consagrado Mário de Andrade (1893-1945), e um então aspirante a escritor de apenas 18 anos, Fernando Sabino (1923-2004). As cartas foram reunidas no livro Cartas a um Jovem Escritor e suas Respostas, publicado pela Editora Record.
A jornada começa em 1941, quando Fernando Sabino, de forma despretensiosa, envia seu livro de contos de estreia, Os Grilos não Cantam Mais, para o famoso endereço de Mário de Andrade, na Rua Lopes Chaves, na Barra Funda, Zona Oeste de São Paulo.
A resposta de Mário, escrita em uma noite de insônia, foi o estopim para uma intensa troca de cartas que duraria até a morte do modernista, em 1945. “Se você está rodeando os 20 anos, de 20 a 25 como imagino, lhe garanto que o seu caso é bem interessante, você promete muito”, escreveu Mário, sem saber que o jovem autor tinha apenas 18 anos.
A partir dessa centelha, desenvolveu-se uma relação que transcendeu as formalidades e mergulhou numa amizade íntima e formadora. “Graças ao Mário, meu pai se tornou escritor”, disse Bernardo Sabino, coordenador do projeto e filho de Fernando, em entrevista ao Estadão.
Com muita paciência, Mário passou a responder longa e minuciosamente às dúvidas do jovem Sabino sobre os mistérios da criação literária, o aprimoramento do estilo, o sucesso e a necessidade de ganhar a vida enquanto se escreve.
O espetáculo
No palco, a narrativa é conduzida por três personagens: Mário de Andrade (Rodrigo Mercadante), Fernando Sabino (Caio Horowicz) e o Carteiro (Fábio Neppo), figura central na dramaturgia pensada por Paulo Williams. É o Carteiro que não apenas transporta as palavras, mas também quem costura a cronologia da história, conferindo ritmo e leveza ao espetáculo. “Não queria uma leitura de cartas apenas, queria uma interpretação”, explica Bernardo Sabino, que idealizou a presença do Carteiro para quebrar a monotonia e dar movimento à peça.
Com uma trilha sonora original assinada pelo músico mineiro Wagner Tiso, o espetáculo apresenta mais de 40 cartas trocadas ao longo de três anos. Da plateia, o público testemunha a evolução de Sabino não apenas como escritor, mas como pessoa.
A inspiração para o espetáculo veio da crônica Improviso do Amigo Morto, de Sabino. O texto revisita momentos marcantes, como o último encontro entre os dois em um bar na Avenida São João, em São Paulo, durante o Congresso de Escritores em 1945. Mário se despediu com um “Adeus” que, na época, soou estranho a Sabino, mas que poucos dias depois se revelaria premonitório com a notícia de sua morte.
Cartas a um Jovem Escritor – Serviço
CCSP (Rua Vergueiro, 1000 – Liberdade, São Paulo – SP)
De 8 a 19 de outubro, com sessões de quarta a sábado, às 20h, e aos domingos, com duas sessões, às 17h e às 19h
Entrada gratuita. É necessária a retirada de ingressos na bilheteria com uma hora de antecedência.
Estadão Conteúdo