Da Redação
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Aos oito anos de idade, ele já tirava sons dos objetos mais inusitados. Hoje, aos 76 – completos no último dia 22 de junho –, Hermeto Pascoal continua a honrar o título de mago da música, com o trabalho que envolve instrumentos dos mais comuns, como flauta, teclado, baixo, até os mais estranhos, como uma chaleira ou um berrante.
“É como se eu dissesse que só gosto de banana, se também gosto de maçã e uva. Que graça teria um quadro de uma só cor? Por que com música não pode ser do mesmo jeito?”, questiona. “Na minha música é da mesma forma. Por isso a chamo de universal. É uma mistura de tendências, por conta de o Brasil ser o País mais colonizado do mundo, com tantos ritmos. Por meio do meu trabalho, é como se estivéssemos nos confraternizando com todos os países através do Brasil”.
Na Sala Villa-Lobos do Teatro Nacional Claudio Santoro (ao lado da Rodoviária do Plano Piloto), em duas apresentações, hoje e amanhã, às 21h, ele volta à cidade para mostrar parte de sua arte multi-instrumental, com a formação do Hermeto Pascoal e Grupo, ao lado dos músicos Itiberê Zwarg (contrabaixo), Márcio Bahia (bateria), Fábio Pascoal (percussão), Vinícius Dorin (saxes e flautas), André Marques (piano), e Aline Morena (voz e viola caipira), com quem está casado há nove anos. A apresentação marca o retorno do projeto MPB Petrobras.
“Preparamos para o show uma peça na qual todos vão tocar só com garrafas de vidro”, adianta o músico. A obra é dedicada a Brasília. “Vi essa cidade ser construída e é uma forma de homenageá-la, mas ainda não pensei no nome. Bem lembrado, vou pensar nisso! Mas vai ser algo como: Viva Brasília e o Seu Povo. O título não importa, o que importa é a música”, garante.
Com um repertório que reúne mais de cinco mil músicas, segundo cálculo do próprio artista, Hermeto comenta que seu processo de composição é imprevisível. “A inspiração vem da intuição. O intuir e o sentir estão sempre juntos. O saber vem depois”, revela o segredo. “Estava viajando de avião e não deu outra. Escrevi uma música no cardápio da companhia aérea”, recorda.
Nada passa desapercebido pelo bruxo. Tudo é motivo para compor e os locais seguem a mesma imprevisibilidade. “Eu olho para uma coisa, ouço um som e pronto. Componho até no guardanapo de restaurante onde vou almoçar. Gosto muito de escrever em parede. Quando vejo uma parede branca, me dá uma vontade impressionante de criar e de escrever”, diz.
Criado em Lagoa de Canoa, no estado de Alagoas, Hermeto comenta que não havia energia elétrica na casa em que morava com os pais e os irmãos, na infância. “Isso foi bom para o meu processo de composição. Tanto faz estar no mato ou no meio de um engarrafamento. Qualquer barulho aguça a minha imaginação”, revela.
O instrumentista conta que tem de carreira o mesmo tempo que tem de vida: “Já nasci fazendo música. O meu chorinho foi um som maravilhoso. Desde o dia em que eu pisei neste planeta, esta é a minha vocação”, continua ele. “Ao contrário do que as pessoas costumam dizer, eu não fazia instrumentos, eu pegava qualquer coisa e tirava som delas. É muito mais de sentir”, ensina.
Assim como as canções surgem sem qualquer determinação, o repertório do show não segue uma linha pré-moldada. Existe um roteiro, mas se uma ideia nova surgir na mente de Hermeto, ele logo trata de apresentar ao público. Cada apresentação é uma surpresa. Ele antecipa apenas algumas faixas que não podem faltar: Ailim, Jegue e Garrote. “As outras, a Deus pertence”, conclui.