Em Perrengue Fashion, que estreia nesta quinta-feira (9), Ingrid Guimarães encarna uma influenciadora digital em crise existencial que desembarca na Amazônia em busca de propósito — ou, ao menos, de curtidas. A premissa soa promissora: uma comédia que confronta o ego inflado das redes sociais com a imensidão da floresta. Mas o que poderia ser uma viagem transformadora se perde entre filtros, hashtags e um humor que oscila entre a crítica e a autopromoção. Flávia Lacerda, diretora habituada ao terreno da televisão e da comédia popular, constrói um universo visual solar, porém artificial — como se a selva precisasse de ring light.
O olhar de Guimarães para fora do eixo Rio-São Paulo é digno de nota. Depois de filmar em Goiás, a atriz mira o Norte com curiosidade sincera e o desejo de conectar o entretenimento de massa a novas paisagens. No entanto, essa expedição estética permanece turística. A Amazônia é cenário, não personagem. O filme observa a floresta de dentro de um avião: deslumbrado com o verde, mas distante do chão. Ainda assim, há algo de fascinante na tentativa de ampliar o mapa do cinema comercial brasileiro — mesmo que o GPS moral e narrativo insista em recalcular a rota.
O roteiro, assinado por oito mãos (incluindo as da protagonista), tenta equilibrar sátira e leveza, mas o equilíbrio é instável. Quando Perrengue Fashion se aproxima da discussão sobre influência, vaidade e vazio digital, recua rápido demais para o território seguro do entretenimento imediato. O filme levanta boas perguntas — onde termina a persona e começa a pessoa? —, mas as responde com memes e slogans. O riso vem, mas a reflexão evapora na mesma velocidade de um story.

Entre os grandes acertos está Rafa Chalub, o “Esse Menino”, que transforma seu humor de internet em performance de tela cheia. Sua presença é magnética e, ao lado de Guimarães, compõe uma dupla de timing afiado. Há química, ritmo e um carisma que sustentam os momentos em que o roteiro hesita. Chalub mostra que pode — e deve — expandir sua atuação para além da persona digital, abrindo espaço para uma nova geração de comediantes que dominam tanto o feed quanto o set.
Ainda assim, há um ruído incômodo na perspectiva adotada. Assim como em tantas produções brasileiras ambientadas fora do eixo central, Perrengue Fashion fala sobre o Norte, mas raramente com o Norte. O ponto de vista estrangeiro domina: os personagens locais surgem como figurantes exóticos de uma história alheia. A comicidade, quando se aproxima da cultura amazônica, quase sempre é mediada pelo olhar do visitante. Falta voz, falta escuta, falta chão — o mesmo chão que a protagonista pisa, mas não sente.


Conclusão
No fim, Perrengue Fashion é um espelho rachado: reflete o desejo legítimo de fazer rir e pensar, mas revela também as falhas de um cinema que ainda hesita em descentralizar suas narrativas. É divertido, luminoso e até generoso em suas intenções, mas permanece preso à estética do post, não à experiência do olhar. Ingrid Guimarães continua sendo uma força no entretenimento nacional — e talvez, como a própria trama sugere, o próximo passo seja sair do modo selfie e mergulhar de vez, sem wi-fi, nas histórias que o Brasil ainda precisa contar.
Confira o trailer:
Ficha Técnica
Direção: Flávia Lacerda;
Roteiro: Ingrid Guimarães, Marcelo Saback, Célio Porto, Edu Araújo;
Elenco: Ingrid Guimarães, Filipe Bragança, Rafa Chalub;
Gênero: Comédia;
Duração: 94 minutos;
Distribuição: Paris Filmes;
Classificação indicativa: 14 anos;
Assistiu à cabine de imprensa a convite da Espaço Z