O Sobrevivente volta às telas nesta quinta-feira (20),como um espelho incômodo do nosso tempo. Edgar Wright traz para 2025 a distopia escrita por Stephen King sob o pseudônimo Richard Bachman e a transforma em um espetáculo vibrante, frenético e mal-humorado sobre um país que prefere rir enquanto desmorona. O diretor não suaviza nada. Ao contrário: amplia o desespero, o sarcasmo e o fio de raiva que já atravessava o livro original, agora estranho e assustadoramente atual.
A adaptação abraça o espírito cru de Bachman com uma devoção rara. O filme parece movido por um motor duplo: adrenalina e desespero. Wright usa seu humor característico, seus cortes precisos e o ritmo alucinado que o consagrou, mas, desta vez, tudo vem contaminado por uma sensação persistente de queda moral. A distopia que um dia soou exagerada agora se aproxima demais da superfície.

No centro dessa engrenagem está Glen Powell, em uma das performances mais interessantes da sua carreira. Ele vive Ben Richards com uma mistura de fúria, vulnerabilidade e charme, fazendo do personagem um homem comum cercado por um sistema que transforma sofrimento em entretenimento. O filme corre junto com ele, literalmente, num país onde correr é um verbo que significa sobreviver e morrer ao vivo pode render ibope.
A televisão, aqui, é mais do que cenário. É máquina de moer gente, produto cultural e religião nacional. Wright constrói esse universo com ironia ácida e uma estética que mistura game show, reality extremo e jornalismo sensacionalista. O personagem vivido por Josh Brolin conduz a engrenagem com frieza, enquanto Colman Domingo encarna um apresentador tão encantador quanto venenoso, desses que transformam qualquer barbaridade em espetáculo de horário nobre.

O texto de King sempre teve algo de profético, e o filme entende isso sem piscar. O Sobrevivente expõe um mundo em que a miséria vira conteúdo, o desespero vira aposta e a violência vira entretenimento. As comparações com a realidade surgem quase automaticamente, não porque Wright as força, mas porque já estão entranhadas no cenário político e midiático em que vivemos. A distopia parece olhar para nós de volta, rindo da nossa surpresa.
Mesmo quando mergulha nas cenas de ação, o filme mantém viva essa pulsação tensa. São perseguições intensas, coreografadas com precisão, mas sempre atravessadas por aquela “raiva contida” que definia Bachman. Há humor, claro, mas um humor que dói. Uma gargalhada que engasga. Uma piada que desce atravessada. É entretenimento, mas é também um aviso.

No último ato, a narrativa desacelera e deixa ver o coração sombrio da história. Wright segue fielmente o tom do livro, inclusive seu final agridoce, que mistura catarse e desilusão. A violência se torna mais crua, mais literal, e a história lembra o espectador de que, nesse jogo, quem manda é a emissora, a audiência, o algoritmo. A esperança, aqui, é quase um ato de rebeldia.
Conclusão
E então chega o epílogo. Uma pequena torção, um gesto de fé, uma fagulha que não anula o desespero, mas ilumina o suficiente para manter o público em movimento. Se Bachman riria desse fiapo de otimismo, King provavelmente sorriria com cumplicidade. No fim, O Sobrevivente entende que correr é a única coisa que resta e continuar correndo, mesmo quando tudo parece perdido, ainda é um ato político.
Confira o trailer:
Ficha Técnica
Direção: Edgar Wright;
Roteiro: Michael Bacall, Edgar Wright;
Elenco: Glen Powell, William H. Macy, Colman Domingo, Josh Brolin, Lee Pace, Michael Cera, Emilia Jones, Daniel Ezra, Jayme Lawson, Sean Hayes, Katy O’Brian;
Gênero: Ação;
Duração: 133 minutos;
Distribuição: Paramount Pictures;
Classificação indicativa: 12 anos;Assistiu à cabine de imprensa a convite da Espaço Z