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Música

Síndrome da irmã mais velha: o que é e por que virou tema de música de Taylor Swift

Em uma de suas faixas, “Eldest Daughter”, apontada como a mais melancólica do disco, Taylor fala sobre o fardo de ser a “durona” da família

Redação Jornal de Brasília

25/10/2025 10h17

RAÍSSA BASÍLIO E VITORIA PEREIRA
SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS)

A escritora Louisa May Alcott retrata dinâmicas familiares entre irmãs em “Mulherzinhas”. No clássico, Meg March, a primogênita, é o modelo de maturidade e responsabilidade emocional. Em uma família de quatro irmãs, ela assume um papel quase maternal, cuidando e orientando as mais novas.

Embora todas as mulheres sintam o peso da sociedade patriarcal em diferentes graus, dentro da família esse fardo costuma recair sobre a filha mais velha. A chamada Síndrome da Filha Mais Velha não é um diagnóstico formal, mas uma representação simbólica do peso da responsabilidade precoce que recai sobre muitas mulheres, explica a psicóloga Dalila Stalla, gestora de psicologia da Rede Casa.

Identificado como fenômeno social por um artigo publicado na International Journal of Creative Research Thoughts. Ele mostra como estruturas patriarcais e expectativas de gênero impõem às primogênitas uma carga desproporcional de cuidados e responsabilidades domésticas, muitas vezes as transformando em cuidadoras secundárias desde cedo.

Para a psicóloga, essa é uma questão que “vai muito além da ordem de nascimento”. “Existe o peso do machismo e da cultura que impõem à mulher o rótulo de cuidadora natural da família.” Esse papel precoce, ainda que simbólico, tem reflexos profundos na saúde mental.

“Quando o papel de irmã mais velha se transforma em uma ‘segunda mãe’, ela cresce sentindo que precisa agradar e cuidar para ser amada, o que afeta a autoestima e a noção de identidade”, afirma Dalila.

A autoestima dessas mulheres acaba baseada em agradar e cuidar, não em quem elas realmente são. “Na terapia, essas mulheres aprendem a separar cuidado de culpa e a entender que cuidar de si também é um ato de amor”.

O tema também ecoa na cultura pop. A cantora Taylor Swift lançou, em 3 de outubro, seu 12º álbum, “The Life of a Showgirl”. Uma das faixas, “Eldest Daughter” — apontada como a mais melancólica do disco — fala sobre o fardo de ser a “durona” da família, aquela que precisa manter tudo sob controle.

Após o lançamento, o interesse pelo termo “síndrome da irmã mais velha” atingiu picos de busca no Google Trends, tanto nos Estados Unidos quanto no Brasil.

A advogada Thais Menezes, 31, reconhece esse sentimento. “Minha mãe me deixou com a minha avó quando eu ainda mamava. Só fui morar com ela e meus dois irmãos quando tinha 10 anos”, conta. “Foi um grande choque. Eu levava meus irmãos à escola, ajudava nas tarefas, ia às reuniões de pais e acompanhava nas festinhas. Minha mãe estava sempre trabalhando para criar os três filhos.”

Ela lembra que, apesar de ser apenas uma adolescente, acabou assumindo tarefas além de sua maturidade. “Na escola, eu sempre estava presente pelos meus irmãos, mas ninguém nunca ia nas minhas reuniões, porque eu ‘nem dava trabalho’. Era como se eu não precisasse de cuidado.”

Hoje, Thais conta que a relação com os irmãos é maravilhosa, mas carrega uma frustração: “Esse pedaço da minha infância sem eles me faz falta até hoje. Estou sempre tentando recriar novas memórias e me sinto frustrada quando não conseguimos. Até hoje me vejo como se eu fosse a responsável por cuidar e proteger eles.”

A estudante de jornalismo Maria Júlia Alvarez, 21, também percebeu essa inversão de papéis — mas em outro contexto. “Na adolescência, eu quase não convivia com meus irmãos. Cada um vivia no próprio mundo. Isso mudou completamente na pandemia, quando meus pais se separaram”, conta.

Com a separação, ela passou a ocupar um outro lugar na dinâmica familiar. “Ajudava minha mãe, dava apoio para os meus irmãos, gêmeos de 18 anos. Acabei virando a mediadora entre meus pais, porque eles não se falam.”

Maria Júlia conta que seus pais nunca a colocaram nesse papel de segunda mãe, mas que se sentia muito responsável pelos irmãos. “A sociedade já olha para a gente esperando que a irmã mais velha cuide, oriente, leve para a escola. Mesmo que ninguém peça, isso vem de um lugar cultural.”

Para ela, há um fator protetivo importante: “Meus pais também são irmãos mais velhos. Então eles sempre entenderam como é a vida de irmão mais velho e nunca me deixaram cuidar tanto dos meus irmãos como outras famílias fariam. Mas, no fim, eu amo esse papel. Aprendi muito com eles — e acho que ser irmã mais velha me deixou mais forte.”

Em uma perspectiva sociológica, essa sobrecarga tem raízes mais amplas. A psicóloga Deshna Chatterjee, da Universidade de Edimburgo, em seu estudo ‘Understanding ‘Eldest Daughter Syndrome’, aponta que o fenômeno surge da tensão entre valores individualistas modernos e normas tradicionais de gênero, que ainda atribuem à mulher a função primordial de cuidar.

A socióloga Gabriela Bacelar Rodrigues reforça que a superexploração das irmãs mais velhas, sobretudo negras, está ligada à ausência de políticas públicas. “Na falta de creches, ensino integral ou suporte a idosos, é essa irmã mais velha que cuida dos irmãos, dos filhos das vizinhas, que ajuda nos deveres, uma babá comunitária improvisada.”

Segundo Gabriela, essa realidade, já conhecida nas discussões sobre a dupla e tripla jornada feminina, ganha contornos específicos quando envolve mulheres negras e periféricas, sobre as quais recai o estereótipo da “mulher negra forte”. Esse ideal exige delas resistência emocional e capacidade de sustentar o lar e mediar conflitos, muitas vezes sem apoio algum.

A aposentada Lúcia Maria, 78, conhece essa sensação. “Tenho três irmãos homens. Quando minha mãe faleceu, meu pai se casou de novo e teve mais um filho”, conta. “Enquanto eu cuidava da casa, meu irmão mais velho não fazia nada. Eu me sentia responsável por todos, e até depois de casada continuava me preocupando com eles. Sempre achei que precisava cuidar de todo mundo.”

Nos relacionamentos, esse padrão tende a se repetir, observa a psicóloga Dalila Stalla. “Ela carrega isso para os relacionamentos futuros e para o trabalho, o que gera pressão constante. Muitas mulheres perpetuam esse ciclo na vida adulta, priorizando os outros e evitando vínculos por medo de sobrecarga emocional.”

Para romper esse padrão, Dalila enfatiza a importância da terapia. “O processo terapêutico ajuda a separar cuidado de culpa, resgatar a criança interior e permitir experiências que foram negadas: como descansar e se divertir sem peso na consciência. Cuidar de si também é um ato de amor.”

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