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Música

O REI DA RUA

Evandro Ribeiro emplacou Roberto Carlos e os grandes astros da Jovem Guarda

Gustavo Mariani

10/12/2023 10h31

Seu Evandro

“Se cada beco, esquina, praça, avenida do Rio de Janeiro tivesse um rei, com certeza, na Rua Visconde do Rio Branco –  centro da cidade, onde ficava a gravadora CBS -, a coroa seria do “Seu Evandro” (foto 1). Ele era a alma daquele pedaço, determinava tudo. Todos os nossos discos passaram pelo seu crivo. Era como se fosse um pai, para mim”, conta Renato Barros, o líder da banda Renato e Seus Blue Caps um dos principais compositores da fase que ficou conhecida por Jovem Guarda.

Lembranças dos tempos em que a CBS fervia como a lançadora dos maiores sucessos da década-1960 frequentavam muito os papos de Renato Barros com amigos e jornalistas. Mas, nem sempre, só falava, enaltecia. Também, criticava o “Seu Evandro”.

Como todo mineiro interiorano da metade do Século 20, que deixava a sua casa para tentar a sorte no Rio de Janeiro, o jovem Evandro Ribeiro arrumou a sua mala, com “poucos trens”, e botou o pé na estrada. No fundo da bagagem levava grandes conhecimentos de contabilidade e a expectativa de arrumar um bom emprego na Cidade Maravilhosa – arrumou um que maravilhou não só a vida dele, como também, a da música popular brasileira.

De início, o sonhador Evandro foi, apenas, um simples contador da gravadora Colúmbia (futura CBS). Bom de serviço e mantendo muitos contatos com a direção da empresa no Brasil, após cinco viradas de calendário, quando o diretor artístico – Roberto Côrte Real – saiu, apostaram nele. E não se arrependeram. Como o seu negócio eram números, Evandro  começou gerenciar a casa cortando custos que incluiam dispensa de pessoal. Inclusive, de “astro”, caso do cantor Sérgio Murilo, o maior sucesso do selo. Pena que o carinha brigara, exatamente, com um novo chefe que precisava se afirmar no cargo  -inacreditavelmente, Evandro apostou, para o lugar do ídolo, em um cara que era um fracasso de vendas, um tal de Roberto Carlos. (Foto 2)

Por ali, rolava 1962 e, em pouco tempo sob o crivo do “Seu Evandro, a CBS se tornaria a gravadora de maior vendagem de discos no Brasil, por  14 décadas consecutivas, com catálogo que ia do romântica ao iê-iè-iê, passando por tudo o que o povo ouvia, bolero,  jazz, brega, música regional, enfim, tudo de tudo. Há várias versões sobre como Roberto Carlos  (foto) aderiu ao rock. Na do amigo Renato Barros, que ralara com o cantor capixaba por vários circos cariocas, a onda passou pelo “Seu Evandro”, como afirma:

 

– No tempos dos 78 rotações, ele (Roberto) havia conseguido agradar com duas músicas – Malena e Susie. Por ali (1963), o Erasmo (Carlos que havia sido cantor de Renato e Seus Blue Caps (foto3) ) fez uma versão para Splisik, Splash, um rockabilly que não havia agradado tanto no Brasil (no original, com Bob Darin) e fomos chamados para fazer o acompanhamento (por guitarras) na gravação. O “Seu Evandro” concordou e gravamos.

Splish, Splash fez muito sucesso – vendeu 9.555 discos, raro na época – sobretudo, por conta dos solos inovadores de Renato Barros para o rock brazuca. O “Seu Evandro”, que gostava muito mais de óperas, adorou e, sem querer desmerecer o trabalho do maestro Astor Silva, escorregou: “Esta música vai tirar o garoto do anonimato – depois de quatro compactos e um (LP) long-play – a orquestra (com coro) do Astor participava de quase todo o LP-1963 do Roberto, exceto nas faixas 3 (Splish, Splash) e nas 1, 5, 8 e 9, com o Roberto acompanhado pelas guitarras do conjunto The Angels, com produção de Evandro Ribeiro.

A parceria do “Seu Evandro” – de 1963 1983 – com Roberto Carlos não se limitou à produções dos discos do cantor. Assumindo o codinome de Eduardo Ribeiro, ele uniu-se a Mauro Motta e teve sete composições gravadas pelo capixaba –  Nosso Amor (1977); Voltei ao passado (1979); Eu me vi tão só (1980); Quando o sol nascer (1981); Coisas que não se esquece (1982);  Preciso de você e Viejas fotos (1983). Além disso, a parceria dele com o Motta rendeu gravações, ainda, de Agnaldo Timóteo, Rosemary, Vanusa, Luís Cláudio, Kátia, Lolita Rodrigues, Célia, Banda Zé Pretinho da Bahia, Scott e Smith, Eliana Printes, Lafayette e seu conjunto, Nando Reis, André Mazzini, Marcell e Monique e Rosa Marya Colin.

Renato Barros contava muito, também, do espírito sacana do “Seu Evandro”. Entre os casos, dois engraçadíssimos: 1 – a música regional nordestina vendia bem (pela década-1960) e o Seu Evandro tinha o sanfoneiro (paraibano) Abdias (José Abdias de Farias) como o seu diretor artístico para o gênero. O cara era uma cópia do seu Evandro, chefe absoluto do seu setor. Mas era gente boa, as vezes chamava a gente  – (Renato e Seus Blue Caps), Roberto Carlos, Jerry Adriani, Wanderléa, diretores da CBS – pra festas na enorme casa que ele a a sua mulher – Marinês, a Raínha do Xaxado – mantinham, na Ilha do Governador coisas que o cargo dele pedia, evidentemente. Certa vez, o Abdias subia as escadas (de mármore) do prédio da gravadora para ir a um dos estúdios (de dois canais) que a sua turma usava. Estava apostando em um artistas nordestino, mas o cara não aconteceu, não vendeu nada. Prejuízo contabilizado, o Seu Evandro chegou pra ele, com a cara mais sacana do mudo, e o indagou:

– Abdias, como está aquela sua bela mansão? – oito quartos; duas salas;  um bar com cervejas e cachaças nordestinas e um outro com bebidas importadas; salão para jogos de sinuca e carteado e sala de leituras.

– À sua disposição, Presidente – respondeu, pelo nome como o Seu Evandro era, também, chamado.

– Então, vou precisar dela, amanhã, pra guardar pra mim os cinco mil discos que você gravou (com o solista de pífano João do Pife) e encalharam. E, no dia seguinte, um caminhão parou na porta da casa dele e descarregou todo o encalhe – revertido, mais tarde, e vendido bem.

Comigo, tive mais sorte. Contou:  2 – eu já era produtor das CBS quando um cara esquisito me apareceu pedindo uma chance. Ouvi, gostei da música dele (A Beleza da Rosa, de Pedrinho e J.Cipriano), falei com o Seu Evandro e tive “ok” pra gravar. Mas o que rolou? O cara cantava pronunciando palavras erradamente e comendo os “s” dos finais de frases. Levei um esporro do Seu Evandro e saí da sala dele achado que seria demitido. Tempinho depois, o Seu Evandro mando me chamar à sua sala e eu fui  já me considerando demitido. Ele disse: ‘Vou lhe dar a medalha de melhor produtor de 1971. Cá pra nós: a música do José é Ribeiro é uma “titica”, mas o povo gostou e estorou em todo o Brasil. Se o povo gosta de “titica’, sorte a sua. Fiquei mudo,  sem conseguir falar nada. Então, e ficou curtindo com a minha cara. Que sacanão!”

Uma outra história do Seu Evandro com os nordestinos da turma do Abdias tornou-se tão folclóricas quanto estas duas citadas acima. Contada, também, pelo mesmo Renato. Assim:

– A gente (na época do iê-iê-iê), passava, praticamente, o dia todo dentro da CBS. Ouvia de tudo e sabia de tudo o que rolava na casa, na porta, na calçada e nos restaurantes das imediações –  Espaguetelândia, Garota do Rio e (bar) Armazém Senado. A história parece ter acontecido por volta de 1967, quando nós (Renato e Seus Blue Caps) disputávamos as paradas de sucesso lá em cima (com Não me digas adeus). Vamos para o parágrafo abaixo, seguir com o Renato narrando:

– Pois bem! O Seu Evandro achava que a Marinês (foto 4) poderia fazera carreira internacional, cantando outros gêneros, pois mostrara isso substituído Nara Leão no Teatro Opinião, além de ter cantado boleros em seus inícios de carreira, na Paraíba. Ela e o Abadias (produtor musical da mulher), toparam e, enquanto o Seu Evandro precisou fazer uma viagem, eles gravaram um disco com músicas de protesto, que estavam na moda. Ao voltar, ouví-las e ler o noticiário dos jornais, o seu Evandro quase caiu da cadeira. Mandou chamar a cantora e …:

– Marinês! Qual cigarro você fuma?

–  Porquê, Seu Evandro?

– Pra te levar lá na cadeia.

– Que conversa esquisita, Seu Evandro!

– Pois é!  Os “home” estão aí na sala do lado querendo saber porque você virou subversiva. Subversivo aqui, já baste eus.

Mas nem só de histórias que viraram folclóricas no mundo artístico viveu Evandro Ribeiro. Renato Barros o criticava, também, pelo o que considerava duas bolas fora dele: não ter dado importância a Tim Maia e censurado um álbum composto e produzido por Leno  que formara a dupla Leno e Lílian. Explica, a primeira:

– Eu, o Roberto Carlos e o Mauro Motta estávamos com o Seu Evandro, na sala dele, e voltamos a lhe pedir uma força para o Tim Maia. Da primeira vez, ele nem quis papo. Daquela, ficou com a cara amarrada, dando a entender que estávamos lhe enchendo o saco com aquilo. Quando nada, mandou o produtor Jairo Pires providenciar a gravação de um compacto simples (para o Tim Maia), mas não mandou fazer divulgação – Tim Maia gravou, em 1968, “O meu país” e “Feelings”, esta em inglês e ambas de suas autoria.

A outra bronca do Renato com o seu Evandro rolou por isso:

– O Leno, saído da dupla Leno e Lílian, havia lançado dois LPs de sucesso (1968 e 1969). Então, começou a gravar (1970) Vida e Obra de Johnny McCartney, bem distante dos tempos do iê-iê-iê romântico, visitando temas cmo repressão política, drogas, reforma agrária, imposto de renda, tudo o que a Censura dava em cima. O pior, porém, foi a censura do Seu Evandro, dentro da CBS. Além de vetar (13 músicas) um trabalho sofisticado, ameaçou apagar as fitas – foram salvas e, mais tarde, saíram em CD.

Embora não falasse para a imprensa, Renato tinha uma outra bronca do Seu Evandro: o fim da dupla Leno e Lilian. A moça era sua  namorada, ele lhe dera parceria em “Devolva-me”  – lado B de  Pobre Menina, versão de Hang on sloopy, sucesso norte-americano composto por Bert Russel/Wess Farrel, gravado por The McCoys, com versão de Leno – e Renato e Seus Blue Caps gravara, com os dois, o compacto de estreia que fizera muito sucesso (1966). Antes de Leno e Lilian lançar o segundo LP (Eu não acredito), Evandro Ribeiro acabou com a dupla, alegando que a Lilian “era uma furona”, não comparecia aos programas de TV em que a CBS arrumava espaço para divulgar as suas músicas.

Renato Barros conviveu com o Seu Evandro até quando Renato e Seus Blue Caps gravaram para o selo CBS (1964 a 1981), quando o último LP da banda na casa não traz o nome do superintendente na ficha técnica, aparecendo Renato Barros como diretor de produção e de estúdio. Quando o “chefão” aposentou-se, em 1984, os Blue Caps já haviam gravado pelos selos Columbia (1982) e RCA (1983).

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