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Música

Mais que rimas, um movimento de resistência

Em Brasília, o RAP se afirma como um poderoso veículo de expressão da identidade negra, onde jovens da periferia utilizam rimas para promover a esperança.

Agência UniCeub

19/11/2025 10h43

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Os jovens buscam visibilidade na cena foto:Artur Peralta/@click.peralta

Por Leonardo Rodrigues e Lucas de Moraes

Gritos de “o que vocês querem ver? Sangue!” e “vai matar ou vai morrer” à primeira vista parecem assustadores sob o aglomerado de pessoas em locais públicos de Brasília. Para o transeunte leigo, a cena pode parecer suspeita, como se estivesse rolando algo criminoso por ali. Entretanto, esses são cânticos normais entre batalhas de rimas, que são atividades provenientes do Rap (Rhythm and Poetry), um movimento estadunidense que se espalhou mundialmente.

Criado em 1970 a partir da aliança entre jovens afro-americanos em bairros periféricos dos Estados Unidos, o RAP se tornou uma cultura mundial que se disseminou ao redor do globo terrestre. Desde então, várias figuras importantes surgiram do movimento, como Jay-Z, Tupac, Eminem, Nicki Minaj e outros. E no Brasil, não foi diferente.

O gênero chegou ao país quase uma década depois, no começo da década de 80, e, como nos Estados Unidos, se proliferou rapidamente. Quarenta e cinco anos depois, o movimento ainda perdura no país e sempre está inovando. Apesar de ser conhecida como a capital do rock, Brasília também começou a se destacar no RAP. Nomes como Gustavo da Hungria (Hungria), Lucas Luan (Sid), Tribo da Periferia, Câmbio Negro, Jefferson da Silva (DJ Jamaika) e Atitude Feminina são pessoas importantes para o movimento e surgiram aqui do Distrito Federal.

Um dos palcos que deram visibilidade para esses artistas são as batalhas de rimas, que, assim como o gênero, possuem temas variados. Alguns competidores utilizam o espaço para falar de política, outros de ideologia, e assim por diante, sem um formato ou regra necessária.

Em Brasília, existem diversas batalhas, mas quatro tomam um lugar de destaque: Batalha do Museu, realizada no Museu Nacional da capital; Batalha da Escada, que é realizada em um espaço da Universidade de Brasília (UnB); Batalha da Estação, localizada na estação de metrô do Guará; Batalha do Relógio, tradicionalmente praticada na Praça do Relógio, em Taguatinga.

Esses espaços são os locais de expressão de muita gente, sobretudo das pessoas periféricas, que usam o espaço para externalizar os sentimentos e botá-los em rimas, sem a intenção de machucar alguém. Quem explica isso é um dos organizadores da Batalha da Estação, Artur Peralta, de 19 anos e morador da região.

“Apesar de ser majoritariamente um público negro, nunca é limitado a isso. Por ser um espaço onde esse pessoal está ali para conquistar o seu e, às vezes, até ascender socialmente, demonstra a realidade que muitas pessoas não conseguem enxergar por estarem na sua bolha”, disse.

Peralta acrescenta que  pode ser um choque de realidade para muita gente. “Mas no sentido positivo, porque você vai lá para ver as pessoas que são marginalizadas na sociedade e, no final, você entende que só são trabalhadores normais com os seus objetivos, com seus sonhos e lutando honestamente para ter aquilo”, afirmou o organizador.

Segundo ele, o movimento cultural do RAP é barulhento porque é de expressão de um público que não faz barulho e não tem voz na sociedade. Além disso, por causa de gritos e emoções à flor da pele, causadas pela imersão do momento, sempre enfrentam dificuldade quanto ao barulho. Ele contou que, muitas vezes, os seguranças da estação do Guará ou pessoas que estão transitando pelo local reclamam dos ruídos. “Quanto aos seguranças, eles estão fazendo só o próprio trabalho, mas acaba sendo mais um mecanismo para silenciar um movimento que já não tem voz”, garantiu Peralta.

No mês da Consciência Negra, o RAP ganha ainda mais significado. Para muitos artistas, o gênero é uma forma de valorizar a identidade negra e reforçar o orgulho de pertencer a uma cultura que nasceu da resistência. As rimas e batidas carregam mensagens de denúncia, mas também de esperança e transformação. Muitas vezes representa um escape da realidade que é muito sofrida.

O organizador ainda acrescentou que os competidores podem ascender socialmente fazendo um concurso, mas muitas vezes precisam perder a cultura deles para se enquadrar em valores que a sociedade estabelece como padrão de educação e trabalho. Entretanto, no RAP, eles se veem representados em cantores que conseguiram uma vida melhor e não deixaram de lado a sua cultura e a voz do povo. “Muitos que estão ali na luta, que ainda não conseguiram elevar o patamar de vida, se veem muito representados e sentem muita esperança por causa desses que já alcançaram o objetivo que a maioria tá tentando alcançar”, contou.

O RAP em Brasília cumpre seu papel histórico. Especialmente no Mês da Consciência Negra, ele se afirma como um poderoso mecanismo de valorização da identidade e do orgulho negro, onde muitos jovens podem se inspirar em artistas que surgiram dessa cena e ascenderam socialmente. Eles provaram que é possível alcançar novos patamares de vida, mantendo viva a cultura, a voz e a representatividade daquilo que nasceu com a luta de muitos.

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