Pelas duas primeiras temporadas de administração do general-presidente Garrastazu Médici – outubro de 1969 a março de 1974, o governo dele afirmava que o Brasil crescia, anualmente, à média de 10%, taxa muito alta até para países ricaços. Ele a justificava falando da expansão de uma indústria de bens de consumo duráveis que “vendia horrores” em artigos de luxo – eletrodomésticos, TV a cores, automóveis, etc, etc -para gente de alto poder aquisitivo e a classe média com acesso a facilidades no crédito e participando de compras via consórcios.
Foi um tempo, também, em que a construção civil expandiu-se grandemente em cidades de grande e médios portes, construindo edifícios luxuosos e estádios de futebol, todos com um “ão” ao final do seu nome popular – Trapichão, Mangueirão, Vivaldão, Machadão, etc.
Por aquelas paradas, a “burra” (cofre) do Brasil vivia cheia. O capital estrangeiro entrava aos montes, ao mesmo tempo em que a nossa dívida externa subia para US$ 12.5 bilhões de dólares, em 1973. Sem problemas: o governo estava mais intreessado em obras faraônicas, como a Ponte Rio-Niterói, a Rodovia Transamazônica, a Hidrelétrica de Itaipu e a Ferrovia do Aço, principalmente.
A fase do chamado “milagre econômico” brasileiro foi, também, a “era de chumbo” da brutalidade da sua ditadura militar contra quem lhe fosse contra. Fazia-se coisas quem nem os nazistas sonharam durante a II Guerra Mundial (setembro de 1939 a setembro de 1945), como colocar a boca de um “subversivo”, (os contra o governo), em tubo de descarga de automóvel e arrastá-lo pelo pátio de um quartel. Mesmo assim, o ditador Médici jurava não haver tortura no país. De quebra, aumentava, de 12 para 200 milhas, a soberania marítima do país, ganhando música enaltecendora.
Por falar em música, o populismo de Médici, com o auxílio de setores da imprensa que mordia belas fatias de publicidade, tornou-o o presidente mais cantado pelas gargantas nacionais, superando até mesmo um outro ditador, Getúlio Vargas, que passara 19 temporadas no poder. Mas o Brasil só poderia cantar e ouvir o que fosse favorável ao governo, algo ufanista, como, por exemplo, a marchinha tipo fanfarra juvenil “Eu te amo meu Brasil”, gravada pelo antigo grupo de iê-iê-iê “Os Incríveis” e lançada em um dos programas de Hebe Camargo, da TV. Quem sugerisse à namorada consumir uma pílula anticoncepcional, como Odair José, não teria a sua música tocada por nenhuma rádio. Era preciso cantar mais e mais, cada vez mais, breguices sem críticas sociais e políticas.
Foi por ali, por inteiro acaso, que se deu bem o baiano Waldick Soriano. Corria os inícios de década de 1970 e as emissoras de rádios tocavam, bastante, entre outras, as ufanistas “Sou tricampeão” (Marcos e Paulo Sérgio Vale); “País Tropical (Jorge Ben, futuro Benjor); “Você também é responsável” (Don e Ravel; Transamazônica (Luís Vieira) e Sua Excelência, a Independência” (Zé Keti). Num daqueles dias, o empresário Winston de Oliveira esperava por Waldick Soriano no aeroporto de Natal-RN. Por conta de enorme atraso do voo, na escala em Recife, quando o cantor desembarcou na capital potiguar, o empresário saudou-o com um tremendo esporro: “P…,Waldick. Estou aqui há mais de duas horas lhe esperando. Eu não sou cachorro, não”! – protestou. Waldick, que conhecia aquela expressão popular desde a sua infância, em Caitité, no sertão da Bahia, aproveitou a bronca e compôs um bolero. Lançado em outubro de 1972, fez tremendo sucesso e mereceu as mais variadas explicações para letra e título, entre elas a de que seria uma dor de cotovelo e a confissão do seu sofrimento quando chegara em São Paulo, como retirante, quando comera o chamado “pão amassado pelo diabo” sendo engraxate de sapatos, servente de pedreiro e faxineiro.
Eurípedes Waldick Soriano viveu entre 13 de maio de 1933 a 4 de setembro der 2008. Filho de um sanfoneiro de Caitité, a 645 quilômetros de Salvador, ele gravou mais de 50 álbuns musicais, entre 1961 e 2000. Chegou-se a falar, também, que “Eu não sou cachorro, não”, fosse um desabafo contra o governo Médici. Nada disso! Waldick preferia se casar com uma garota da zona prostituta do Norte do país, do que mexer com a Ditadura. Não tinha politização para isso. Enfim, o seu grande sucesso foi mesmo por conta de um esporro de empresário – mais nada – há meio século.