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Música

Djavan lança disco com faixa feita para Michael Jackson e diz que racismo o fez tímido

“Só uma música nova me traz a vida de volta, me salva. Não é que eu queira, eu preciso fazer”

Redação Jornal de Brasília

11/11/2025 8h38

A nova faixa chega às plataformas digitais nesta quinta-feira, dia 30, às 21h, com videoclipe dirigido por Giovanni Bianco

Foto: Reprodução

SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS)

Em 1986, o produtor Quincy Jones, um dos mais importantes do mundo, pediu uma composição a Djavan. Ele queria uma música para Michael Jackson gravar no disco “Bad”, o sucessor de “Thriller”.

“Não acreditei muito e não mandei em tempo hábil. Só mandei por insistência dos meus filhos, oito meses depois, quando ele já estava mixando o disco”, recorda o cantor.

Djavan perdeu o prazo, mas não a música. Ela sai agora com o título de “Pra Sempre”, em “Improviso” seu novo disco, lançado nesta terça-feira (11), que vai render uma turnê por estádios e arenas no ano que vem, com letra inspirada no rei do pop.

“Tinha feito naquele djavanês, e em cima pus a letra de agora”, diz. “O Quincy promoveu um encontro no estúdio em que ele [Michael] estava gravando. Ele era uma pessoa diferente, mas um amor. Sofreu muito desde que nasceu. Filho daquele pai louco [Joe Jackson] que impunha métodos bizarros [como oito horas de ensaio por dia e surras].”

Mas pescar ideias no passado é uma exceção para Djavan, que diz gostar de “pão quente, de fazer e comer”. As dez faixas inéditas de “Improviso” foram feitas dois meses antes de serem gravadas.

Desde o primeiro disco, de 1976, ele lança um trabalho novo a cada dois ou três anos. Quando termina uma turnê, diz, está exausto física e psicologicamente. “Só uma música nova me traz a vida de volta, me salva. Não é que eu queira, eu preciso fazer.”

“Improviso” dá sequência a “D”, de 2022. Na faixa “Falta Ralar”, ele parte da observação dos filhos e netos adolescentes para assumir o eu-lírico de uma menina de 15 anos que vive um romance com um rapaz marrento, que só anda com fones de ouvido e não sabe beijar.

Em músicas como “Um Affair”, o cantor segue sua infindável investigação do amor, que em “Um Brinde” ele entrelaça ao fazer artístico —cantando que “ir atrás do amor é um jazz”. A busca por combinações de palavras, melodias e harmonias é descrita de forma metalinguística na faixa que dá nome ao novo álbum.

Mesmo a única música não inédita de “Improviso” se relaciona com o presente. Ele quis gravar “O Vento”, composição que fez com Ronaldo Bastos em 1987 para Gal Costa, após a morte da amiga, há três anos. A baiana, afirma Djavan, foi sua maior intérprete.

“Foi quem mais gravou e entendeu as minhas músicas. A Gal era muito musical”, afirma. “Éramos amigos. Ela era um pouco mais velha e me dava conselhos.”

“Sonhar”, outra nova de “Improviso”, é um rock em que o sonho surge como saída para um mundo em guerra. “O sonho tem a responsabilidade de conduzir ao futuro”, ele diz. “É em sonho que você determina ações e eventos.”

Foi assim com “Samurai”, um de seus maiores sucessos. Djavan estava nos Estados Unidos gravando o disco “Luz”, de 1982, quando um produtor americano perguntou se ele queria colaborar com Stevie Wonder, astro do soul.

“Ele disse ‘você tem uma música para o Stevie participar?’. Eu disse que não, mas faria”, diz. “Fui ao hotel e sonhei com a música —não sei se sonhei antes ou depois do pedido. Mas foi o sonho que usei quando escrevi. No dia seguinte, já levei pronta. Tudo na vida é motivação. Eu ia deixar passar isso, o Stevie Wonder?”

Na época, Djavan achava que sua música poderia ser mais compreendida fora do Brasil. Ele só passou a vender mais no terceiro e quarto álbuns, em 1980 —”Alumbramento” chegou a 30 mil cópias e “Seduzir”, a 60 mil.

“Já achei um escândalo”, diz. “Mas o salto veio mesmo com ‘Luz’, que vendeu 500 mil. Isso era impensável para uma pessoa que fazia música que eu fazia. Passei de uma vida de dificuldade com aluguel, morando num apartamento pequeno num bairro periférico, como era Vila Isabel, para uma mansão na Barra da Tijuca.”

Foi uma metamorfose. A sobrinha não queria mais andar de ônibus porque era parente de Djavan. “Eu tinha o carro que eu quisesse, morava nessa casa, tinha tudo”, diz. “Isso não é saudável. É a família que segura o indivíduo que cai nessa situação. Se eu não tivesse família, tinha ‘despirocado’.”

Por causa da origem pobre, ele diz, nunca gostou de ostentar. “Sempre achei feio, tive vergonha. Nunca tive um carro conversível, que sempre quis. Como vou passar num bairro pobre, com pessoas vivendo em dificuldade, com a capota virada?”

A cena remete à infância do artista. Ele morou numa avenida importante de Maceió, a Santa Rita de Cássia, no bairro do Farol, vendo o contraste entre casas populares —como a dele— e os prédios e casarões da vizinhança.

O pequeno Djavan vivia na casa das vizinhas enquanto a mãe trabalhava. “Ela foi obrigada a sair daquele endereço porque não tinha como pagar”, diz. “Me deixou lá e elas [as ‘madrinhas’] não quiseram me devolver. Quem promoveu a devolução fui eu. Com uns 12 anos, passei um fim de semana no bairro que minha mãe se mudou [Pitanguinha] e não quis voltar.”

Sua timidez característica, diz, veio da criação sob “olhares rigorosos de proteção” da mãe e do racismo. “Era muito tímido também por causa da minha condição de ser negro”, diz. “Minha mãe dizia que nem todos os espaços são feitos para negros. Jamais diria isso para meus filhos. Eles têm de ir onde quiserem.”

Na adolescência, Djavan trocou o futebol, que praticava nas categorias de base do Centro Sportivo Alagoano, o CSA, pela música. Mas não sem atrito com a família, que queria vê-lo militar. “Todas as famílias queriam que seus filhos fizessem curso de sargento”, diz. “Além de ser um emprego federal com estabilidade, tinha uma certa pompa. O pobre achava aquilo lindo e necessário.”

Em recusa a esse destino, Djavan fugiu para a casa de um primo no Recife, onde morou por um ano e meio antes de voltar a Maceió. “Venha, mas não vai ter dinheiro, só comida e roupa lavada”, ele recorda de ter ouvido da mãe. “Voltei e fundei a LSD.”

O nome da banda era uma abreviação de luz, som e dimensão, e Djavan diz que não tomava ácido. “Maceió era careta e eu tinha 16 anos. Só descobri depois que dois [integrantes] fumavam e cheiravam. Nunca consegui chegar perto. Só vim experimentar o primeiro baseado com 36 anos. Já bem velho, né?”
Djavan se sentia incompreendido na família e também na banda. Se o conjunto que tocava Beatles em clubes e eventos era visto como algo moderno, ele era mais.

O artista desenvolveu seu estilo primeiro com Luiz Gonzaga e a bossa nova. “Mas eles eram um pouco preconceituosos. Não tinha negro na bossa nova. O único era o Johnny Alf, que sofria distanciamento. Eram louros de olhos azuis. Não estou falando mal, é um fato. Eram filhinhos de papai —talentosos, mas não tinha preto.”

Os Beatles foram uma libertação dos acordes complexos da bossa nova —ainda que ele nunca os tenha abandonado em sua obra. “Aquele segundo disco, a capa preta com as quatro caras, eu tomei um choque violento”, diz. “Eles vieram mostrar como usar acordes perfeitos sem ser piegas. E mesmo assim ainda havia dissonância. Era muito complexo.”

Quando vendeu tudo que tinha e se mudou para o Rio de Janeiro, aos 23 anos, Djavan conta que “Maceió começou a pesar 500 toneladas na minha cabeça”. Tanto quanto uma busca pela carreira, sua mudança foi uma fuga. “Me vi no Rio muito jovem, sem experiência, sem dinheiro e sem ter o que fazer. Sentava nos bancos da praça General José Osório para chorar.”

Naquela época, ele diz, Djavan sofria de “um mal terrível para um menino jovem”, o de ter sua música contestada por todos que poderiam lhe abrir portas. Mesmo com a carreira já em curso, o alagoano só teve uma injeção de autoestima ao ser acolhido pela elite da MPB —de Caetano Veloso, Gilberto Gil e Chico Buarque.

O cantor reencontrou os amigos recentemente, na manifestação contra a PEC da Blindagem e a anistia aos condenados por tentativa de golpe de Estado. Hoje, celebra a possibilidade de o encontro em Copacabana ter acontecido na ditadura, diz, seria impossível.

Se aos 16 anos ele nem sequer sabia o que era o regime, em 1979, passou a não ter dúvidas. Foi preso depois de entrar numa loja de instrumentos em São Paulo, acusado de tentar roubar o piano que ia comprar. A experiência inspirou uma música, chamada “Negro”, que acabou censurada.

“Não soube da censura na época, porque eles esconderam a letra”, diz. “Só soube recentemente, porque uma pessoa descobriu isso e me procurou. Tive uma surpresa. Vi a letra e me lembrei de tudo.”

Mais do que questões materiais, o cantor sempre se sentiu incompreendido. Seja pelo jeito particular de tocar violão, pelos andamentos e ritmos incomuns de suas músicas ou por suas letras —até hoje vistas como herméticas.

Djavan escreve desenhando cenas, como quem faz um filme, ou buscando um sentido pela aglomeração dos versos, sempre levando em conta o som das palavras. Chama isso de “simbiose entre sonoridade, significado e a necessidade rítmica do momento em que a palavra vai ser inserida”.

Entendido ou não, o alagoano passou a ser admirado por gente como Quincy Jones e Stevie Wonder e se firmou de maneira duradoura no imaginário popular. É uma trajetória tão rara quanto sua música. Algo que Djavan vê mais como um destino inescapável.

“Volta e meia estou passando uma música para os músicos, e eles batem o pé no [compasso] ‘um’. Fico olhando, digo que não é ali, e eles, ‘jura?’ É engraçado. Eu não queria ser diferente, mas sou. Se pudesse, não seria, porque me deu muito trabalho a vida inteira.”
IMPROVISO

  • Quando Lançamento nesta terça-feira (11)
  • Onde Nas plataformas digitais
  • Autoria Djavan
  • Produção Djavan
  • Gravadora Luanda Records/Sony

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