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Música

Dandara a Braba lança “Vira Lata”, primeiro EP da carreira

Lançado nesta quinta (30), projeto tem cinco faixas e acolhe questões identitárias com colaborações e misturas de outros ritmos

Ingrid Costa

31/03/2023 4h59

Atualizada 15/03/2024 14h54

Dandara Braba

Dandara Braba. Foto: Divulgação

Com nome inspirado em Dandara dos Palmares, importante guerreira na luta negra no Brasil, Dandara a Braba é um dos talentos do rap do Centro-Oeste. Seu começo foi recitando poesias e, ao entender suas vivências, necessidades e desejos, Dandara entrou para o meio musical com o single “Mia Khalifa” e, nesta quinta-feira (30), a artista deu mais um passo na carreira ao lançar o EP “Vira Lata”, o primeiro da carreira. O trabalho tem BM Ally, Yan no Beat e Jowke na produção e parcerias com Isabeck e Princy.

Em entrevista ao Jornal de Brasília, Dandara falou sobre o EP, suas inspirações, os desafios e planos para o futuro e muito mais. Ouça o EP e, logo abaixo, confira a entrevista na íntegra:

Quando você soube que queria seguir uma carreira musical?

Meu primeiro contato com o hip-hop foi dos meus 17 pra 18 anos. Eu era muito presente no movimento das batalhas e uma MC muito ativa, depois fui fazendo essa transição para a música. Muita gente da cena me viu crescendo e me desenvolvendo como mulher e como artista.

Você teve início recitando poesias. Como isso te influenciou na vida pessoal e na arte?

Eu sempre tive uma relação muito íntima com a escrita. Li esses dias sobre a criação do alter ego e é exatamente o que eu fiz em relação à Dandara. Você cria um alter ego, nomeia, dá traços e personalidades e, toda vez que bater a insegurança, deixa ele vir e tomar de conta. Pra mim, o que me fez mudar como pessoa foi essa transição, porque antes eu sempre estava sentada no meu cantinho, escrevendo meus textos e cantando. Era uma questão comigo mesma, sobre as vivências do meu dia a dia. Ao ouvir minhas músicas, dá pra me ver, porque é exatamente o jeito que eu me expresso e falo. Desde pequenininha, eu sempre tive essa proximidade com a escrita. Tanto que o último presente que a minha vó me deu antes de falecer foi uma caneta.

Quem são os artistas e outras pessoas que te inspiram?

O meu TOP 2 da vida é minha vó e minha mãe. Dona Irene, minha avó, veio do Rio Grande do Norte para Brasília e sempre foi uma nordestina arretada. Fico pensando o quanto isso contribuiu pra eu estar aqui hoje como Dandara. Fui pegando traços dela e botando na minha personalidade, que antes também passou pela minha mãezinha, dona Ana.

Em relação à música, claro que eu adoro ouvir música de bater bunda, amo Cardi B, Megan Thee Stallion, Ebony e Slipmami, que são referências pra mim. Só que em momentos de cura, eu apagava as luzes e botava Lauryn HiIl e Erykah Badu. No começo da minha carreira, já aconteceram situações de eu estar sozinha e ir aprendendo, manejando, tendo essas figuras como se elas fossem minhas irmãs mais velhas, mesmo. Também foi importante ver que essas mulheres são humanas, assim como a Dandara. Porque, às vezes, vemos a diva já intocável em cima do palco e nem imaginamos que ela criou essa persona depois de passar por muitos baques.

Como foi o processo de criação para o “Vira Lata”? Quais foram as inspirações para a sonoridade e para as letras?

O nome do EP tem a ver com questões identitárias. A pior coisa que você pode fazer com uma pessoa preta é deixá-la sem nenhum senso de identidade. Assim como o ‘Vira Lata’, eu não tenho pedigree e nem muita noção das minhas raízes, mas sei da minha importância como símbolo nacional. Ele é um cachorro brasileiro que transita em qualquer lugar, desde a quebrada até um bairro de luxo, e também é um símbolo afetivo que você não compra, mas adota e abraça pra sua vida. Então eu nomeei e me apoderei de uma parada que, muitas vezes, é usada num sentido pejorativo. Já no som, tem muito a questão do trap. Em tese, eu consigo fluir em várias vertentes, vou do trap ao forró e isso volta na questão de misturas. E, claro, também tem a minha inspiração número um: minha cachorrinha Taz.

O projeto traz a sua vivência como mulher negra nas ruas e no hip-hop. Que desafios você encontrou e encontra ao longo do caminho?

Eu sempre achei o rap um lugar muito masculino, então é uma faca de dois gumes. Ao mesmo tempo em que eu considero o ambiente da batalha extremamente fortificante na minha trajetória, também acho que existe o senso de, como o Mano Brown falou, precisar ser duas vezes melhor. Mesmo trabalhando incessantemente, muitos homens não conseguem me ver como colega de trabalho. Por exemplo, na música sempre se falou de dinheiro, fama e sexo, mas nunca sob o ponto de vista da mulher. Homens ouvem homens há tanto tempo que a minha presença é algo novo.

Outro fator é a questão do assédio, porque eu cantar sobre meu corpo e o que eu gosto não define o meu caráter. Sou amiga, filha e, se eu for pra um estúdio, é pra gravar música.

Como a arte pode ajudar a enfrentar esse cenário?

Primeiramente, como uma atividade terapêutica, porque cada pessoa tem uma maneira de dissipar as partes ruins da sua energia. A caneta, pra mim, é um ato de revolução, sanidade, autocura e uma forma de ecoar vozes que não são priorizadas. Também é sobre uma questão semiótica, porque nós vivemos no mesmo mundo, mas com perspectivas diferentes. Por exemplo, eu nunca vou entender como é a vivência de um homem preto, isso é fato. Do mesmo jeito que um homem nunca vai entender as minhas experiências. O tipo de coisa que só vivendo num corpinho negro no Brasil, na América Latina, a gente entende.

O EP tem parcerias com outros artistas, como a Isabeck e o Princy. Como surgiram essas colaborações?

Fico muito feliz de conversar sobre isso, porque agora eu sou uma mulher decidida a levar música como a minha carreira, mas já bateu muita indecisão. E foram amigos como o Princy e a Isabeck que me falaram sobre um futuro que eu mesma não conseguia visualizar. São pessoas que eu admiro como artistas e que também quero levar pra vida.

Quais são os próximos projetos e objetivos para 2023 e pro futuro da sua carreira?

Ter volubilidade pros meus trabalhos e misturar de tudo, como uma boa vira-lata. Vou entrar em outras vertentes, como o afrobeat e o funk. Também quero estar junto com outros artistas locais e ter muita colaboração massa. Outra coisa é mostrar que o trap não é esse flow quadrado e que tem um conceito e estética impecáveis. Continuar sendo fiel ao meu jeito, minha lírica e a mim mesma. Já recebi propostas e eu poderia só editar a minha música pra não ser tão explícita, tão “suja”. Eu vim do underground, tá ligado? Mesmo que eu flua e que eu nade entre outros estilos, sei de onde eu vim.

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