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Literatura

Sebo Cultura Universal: resistência literária em meio à tecnologia

Espaço fundado em 2009, no centro de Taguatinga, mantém viva a relação com o livro físico em meio ao avanço da tecnologia

Camila Coimbra

16/07/2025 10h30

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Foto: Camila Coimbra/Jornal de Brasília

No centro de Taguatinga, na C-7, em frente ao Magazine Luiza, uma Kombi amarela lotada de títulos chama a atenção e revela um espaço que resiste ao tempo e à tecnologia. Fundado em 2009, o Sebo Cultura Universal é o ponto certo para quem busca economia, conhecimento e cultura. O espaço é comandado pelo baiano Adriano Brandão de Souza, 39 anos, que chegou a Brasília com o sonho de prestar concurso público, mas acabou se rendendo ao universo dos livros.

“O amor pelos livros falou mais alto”, resume Adriano, ao contar como deixou de lado o projeto de seguir carreira na polícia para mergulhar no mercado literário. A trajetória começou ao lado do cunhado, com quem abriu o negócio. Dois anos depois, passou a comandar o sebo sozinho. “Começamos vendendo no tripé, depois no chão da calçada, até que compramos uma Kombi. Hoje, temos uma van adaptada e um espaço mais estruturado.”

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Foto: Camila Coimbra/Jornal de Brasília

Criado em uma família do interior da Bahia, Adriano sempre foi um leitor “diferente”. O gosto por revistas, livros e rock’n’roll, ainda na infância, acabou moldando o que viria a ser seu sustento e paixão. “Eu era aquele cara mais na minha. Enquanto todo mundo saía, eu ficava lendo. A relação com os livros começou cedo e nunca mais me deixou”, relembra.

Apesar da vocação cultural, o caminho até a consolidação do sebo não foi fácil. No início, Adriano enfrentou forte resistência da administração local e de órgãos de fiscalização. “Fui muito perseguido. Mandavam fechar tudo, ameaçavam levar os livros. Mas eu dizia: isso aqui não é só mercadoria, é cultura. É patrimônio”, recorda. A insistência e o diálogo abriram caminho para uma convivência mais harmoniosa com o poder público, que passou a reconhecer o valor do trabalho. “Com o tempo, perceberam que nossa intenção era boa. A gente só queria levar conhecimento para as pessoas, e assim consegui a autorização para estar no espaço que estou hoje.”

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Foto: Camila Coimbra/Jornal de Brasília

O desafio do digital

Em um mundo cada vez mais digital, Adriano enfrenta um embate silencioso, mas constante: a tecnologia. Com o avanço dos celulares, e-readers e redes sociais, a concorrência com o mundo virtual se intensificou. “As redes sociais afastam os jovens da leitura. O interesse caiu muito ao longo dos anos. Antes, os clientes tinham mais curiosidade, vinham olhar, folhear. Hoje, muitos preferem baixar PDFs ou usar o Kindle.”

O fenômeno não é isolado. Apesar do crescimento das plataformas digitais, a preferência da população brasileira ainda recai majoritariamente sobre o livro impresso. Dados da pesquisa Retratos da Leitura no Brasil 2024, realizada pelo Instituto Pró-Livro, mostram que 67% dos leitores do país preferem o formato físico, enquanto apenas 17% optam pelos livros digitais, como e-books. Outros 16% não têm preferência definida e transitam entre os dois meios. Entre os que escolhem o livro tradicional, fatores como o toque, o cheiro das páginas e a sensação de concentração fora das telas seguem como justificativas frequentes.

No entanto, o cenário revela mudanças. A leitura em dispositivos móveis — sobretudo celulares — tem crescido, especialmente entre os jovens. Na faixa de 18 a 24 anos, por exemplo, até 64% dos leitores consomem livros em formato digital, ainda que o papel continue sendo valorizado. Os audiolivros, embora menos populares, também ganham espaço: 23% dos brasileiros já escutaram ao menos um.

Ainda assim, o país enfrenta um desafio mais profundo: mais da metade da população brasileira não lê livros regularmente. Pela primeira vez desde o início da série histórica da pesquisa, a proporção de não leitores superou a de leitores ativos. Apenas 47% dos brasileiros afirmaram ter lido ao menos um livro nos três meses anteriores à coleta dos dados. A média nacional gira em torno de quatro livros por pessoa ao ano.

DF acima da média nacional

No Distrito Federal, contudo, o cenário é mais otimista. A capital do país apresenta uma proporção maior de leitores: 52% da população do DF afirmou ter lido livros nos últimos três meses, superando a média nacional. Além disso, a média anual de leitura é mais alta — 5,38 livros por pessoa ao ano.

E assim, o sebo encontrou meios de adaptação. Adriano passou a vender livros pela internet, criou perfis nas redes sociais e aproveitou o engajamento virtual para se manter relevante. “Temos perfis no TikTok, Instagram, além de vender na Shopee, Amazon e Estante Virtual. A rede social também é ferramenta para saber o que o público quer. Se os livros estão bombando no TikTok, a gente corre atrás deles.”

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Foto: Camila Coimbra/Jornal de Brasília

Hoje, o acervo ultrapassa os 10 mil livros, entre os que estão fisicamente disponíveis e os anunciados nas plataformas online. Os mais procurados são títulos de desenvolvimento pessoal e educação financeira, como Pai Rico, Pai PobreAs Armas da Persuasão e O Segredo da Mente Milionária. Romances populares e livros indicados por influenciadores digitais também figuram entre os campeões de vendas. “A gente está sempre ligado no que as pessoas estão lendo, no que viraliza.”

Outro segmento em alta são os livros voltados para concursos públicos, reflexo das oportunidades que têm surgido no setor. Filosofia, psicologia e ficção também têm boa saída. “Hoje temos livros a partir de R$ 1. Quem chega aqui com pouco ou sem dinheiro, ainda assim sai com um livro na mão”, garante Adriano.

Adriano aproveita para fazer um apelo aos leitores mais jovens: “Leiam mais. Se distraiam menos nas redes sociais. A leitura ainda é a melhor forma de adquirir conhecimento, de se transformar.”

E quando o assunto é gosto pessoal, ele não esconde a paixão por grandes pensadores. “Saramago, Nietzsche, Schopenhauer, Eduardo Giannetti, Dostoiévski… são muitos. Mas um livro que me marcou foi Ostra Feliz Não Faz Pérola, do Rubem Alves. Ele fala muito sobre a importância da dor no processo de criação. Acho que o livro tem esse poder: transformar.”

Entre as bancas e plataformas, Adriano segue firme no propósito que deu origem ao Sebo Cultura Universal: compartilhar conhecimento e manter viva a relação afetiva com o livro físico. Em tempos de distração digital, seu sebo se tornou um ponto de encontro para quem ainda valoriza o toque, o cheiro e a experiência de folhear páginas reais.

Fiéis leitores 

Além de abrigo para livros, o Sebo Cultura Universal é ponto de encontro de leitores fiéis, como o zelador Charles Rocha dos Santos, de 47 anos. Morador de Planaltina, ele aproveitou uma consulta médica em Taguatinga para fazer uma parada obrigatória no sebo. “A minha tentação é livro. Eu evito até passar perto, porque sempre acabo comprando”, brinca.

Charles se considera um leitor desde a infância e vê na leitura um instrumento de vida. “Quem lê vive melhor. O conhecimento é infinito, ajuda a gente a pensar melhor. A leitura é meu passatempo favorito.” Religioso, tem a Bíblia como principal obra de referência, mas também busca equilíbrio com outros temas. “A gente precisa estar alimentado espiritualmente e culturalmente. Gosto muito de livros sobre história e sociedade.”

Para ele, o avanço da tecnologia tornou as pessoas mais acomodadas, e o livro tem sido deixado de lado. “Hoje em dia tem aplicativo até para acender a luz. As pessoas não querem mais pensar, não querem ler. Mas o cérebro precisa ser estimulado. A leitura mantém ele em atividade.” Como mensagem, deixa um apelo direto: “Não deixe de ler. Use a internet, mas continue com os livros. Eles ainda são indispensáveis.”

Já Denise Martins, de 23 anos, estudante de Letras, representa a nova geração de leitoras apaixonadas. Aprendeu a ler aos quatro anos com gibis da Turma da Mônica e nunca mais parou. “Comecei com os gibis, passei para os mangás e depois conheci meu grande amor: Stephen King. É o meu autor favorito até hoje.”

Frequentadora assídua de sebos, Denise diz que praticamente todos os livros da sua biblioteca pessoal foram comprados em bancas como a de Adriano. “Um livro que custa R$ 65 na livraria, aqui a gente encontra por R$ 30. E o mais importante é que continua sendo conhecimento, mesmo usado. Eu, como colecionadora, não me desfaço de nenhum deles.”

Com prateleiras recheadas de títulos de terror, fantasia e aventura — entre eles Harry PotterJogos Vorazes e obras de Cláudia Rover —, Denise está escrevendo seu próprio livro. A obra de ficção traz cinco jovens e mistura mitologia japonesa, chinesa e o simbolismo do yin-yang. “Tem tudo a ver com o que eu gosto de ler. A leitura me inspira, treina meu cérebro e é acessível.”

São pessoas como Adriano, Carlos e Denise que fazem do hábito da leitura um verdadeiro estilo de vida — onde a busca constante por aprendizado fortalece o conhecimento, estimula o pensamento crítico e alimenta a mente. Em tempos de distração digital, eles lembram que ler ainda é um dos caminhos mais poderosos para transformar a si mesmo e o mundo ao redor.

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