Em A casa da minha mãe, recém-lançado no Brasil pela Editora Planeta, Shari Franke rompe o silêncio sobre uma história que comoveu e horrorizou a comunidade digital em 2023. Filha mais velha de Ruby Franke, criadora do canal familiar “8 Passengers”, Shari expõe os bastidores de uma vida marcada por abusos, controle extremo e violência emocional, por trás da fachada de perfeição vendida a milhões de seguidores no YouTube.
A obra, que já figura entre os livros de memórias mais comentados do ano nos Estados Unidos, mistura relato pessoal e denúncia social. Com escrita direta e sensível, Shari reconstrói o cotidiano da família Franke: um universo onde a disciplina se confundia com punição, a obediência com submissão e a privacidade com espetáculo.
Família e exposição
O canal 8 Passengers, criado em 2015, tornou-se um fenômeno entre canais de “vlog familiar”, acumulando mais de 2,5 milhões de inscritos. Durante anos, a vida dos seis filhos do casal Ruby e Kevin Franke foi exposta em vídeos diários, aparentemente inofensivos, mas que escondiam práticas abusivas e castigos cruéis. Em 2023, a realidade veio à tona: Ruby foi presa em Utah por abuso infantil, após um de seus filhos, de 12 anos, fugir de casa em estado de desnutrição e com sinais de violência.
“Enquanto os números subiam, um pensamento incômodo surgiu na minha mente: com certeza, em algum momento, as pessoas vão se cansar disso, não é?”, escreve Shari, que tinha apenas 10 anos quando a rotina da família começou a ser registrada pelas câmeras. “Eu mal sabia na época que ‘normal’ era um luxo que já tínhamos deixado bem para trás.”
O livro detalha o ambiente de medo e privação imposto por Ruby com o apoio da coach Jodi Hildebrandt — ambas condenadas pela Justiça. Entre os abusos relatados, estão privações de comida e água, castigos físicos, isolamento, além da completa falta de intimidade e segurança emocional. A autora também discute os efeitos devastadores da superexposição infantil e os danos psicológicos de crescer sob vigilância constante para uma audiência online.
“Não lembro do exato momento em que as câmeras começaram a gravar. Só sei que um dia éramos uma família normal; no dia seguinte, havia uma câmera ruim constantemente virada na nossa direção, documentando cada movimento nosso para o consumo de estranhos na internet.”
Com coragem e maturidade, Shari Franke transforma uma vivência marcada pela dor em um grito de alerta. Ao expor as consequências da espetacularização da infância, A casa da minha mãe convida leitores a refletirem sobre os limites éticos do conteúdo digital, a cultura da influência e, acima de tudo, o direito à infância.