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Literatura

‘Após 5 anos, o líder fica mais acomodado à organização’, diz Manoel Horácio, ex-Telemar

Nesta entrevista, ele detalha episódios revelados em sua autobiografia O Equilibrista

Redação Jornal de Brasília

08/07/2024 9h20

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Foto: Divulgação

Por Jayanne Rodrigues

Do quintal de sua casa na zona sul da capital paulista, Manoel Horácio exibe a concretização de um sonho antigo: o próprio vinho, feito em um vinhedo localizado em Mendoza, na Argentina. Mesmo com uma produção relativamente expressiva – cerca de 10 mil garrafas por ano -, o negócio não é a razão que tornou Horácio um dos executivos mais renomados do País. Nascido em Portugal, migrou para o Brasil com os pais e os irmãos ainda na infância. Sem conexões, plano de carreira e influência familiar, ele alcançou cargos de liderança no mundo corporativo antes dos 30 anos.

Durante a trajetória profissional, o executivo ocupou o topo do alto escalão em grandes corporações. Sua passagem pelo Grupo Sharp, Ericsson, Banco Fator, Vale e Telemar (atual Oi), entre outras empresas, é marcada por premiações, momentos solitários, conflitos com acionistas e situações que envolviam a vaidade de outros líderes.

O dia a dia atual contrasta com o passado no mundo corporativo. A rotina inclui manhãs de leitura e exercícios para viver melhor com a doença de Parkinson. Horácio também tem a agenda disputada por recém-formados e veteranos do mercado para escutar seus conselhos.

Nesta entrevista, ele detalha episódios revelados em sua autobiografia O Equilibrista (Editora Almedina, 2023) e traz novos relatos da sua vida profissional.

O que resume a sua trajetória como líder?

Comecei minha carreira do zero, sem nenhuma influência familiar. Meu pai trabalhou a vida inteira, e não havia helicópteros ou conexões que me colocassem no topo das empresas. Conquistei tudo sozinho, subindo degrau por degrau, sem padrinhos. Para mim, isso é um verdadeiro exemplo de liderança. É sobre ser autêntico e consistente. Um verdadeiro líder deve ser ele mesmo o tempo todo, sem tentar ser alguém que não é. Para ser um líder eficaz, é fundamental colocar o coração em tudo que se faz.

Essas características definem a sua liderança?

Sim. Inclusive, me perguntaram se o perfil do líder de hoje é igual ao de antigamente. O líder é o líder, não mudou nada. É claro que, para ser líder hoje, o enfoque é outro. Você nota que a geração Z (nascidos entre a segunda metade da década de 1990 até 2010) sai da faculdade e quer ser presidente de empresa, não gosta de ser avaliada. Na realidade, os problemas são os mesmos: o líder tem de conhecer o mercado, o produto dele, qual o diferencial do produto e o que o vai fazer crescer. São as mesmas características, mas agora é mais difícil ser líder.

Por quê?

Exatamente por causa do espírito das novas gerações. Ninguém quer ralar para crescer. A pessoa faz um trabalho razoável e acha que é maravilhoso.

No seu livro, o sr. menciona que não nasceu líder, aprendeu levando ‘muita porrada’ e por meio de cursos. Como foram esses processos de altos e baixos?

No começo, você se acha o rei da cocada. Com o tempo, vai acumulando experiências e descobre que, por mais brilhante que seja, a empresa é mais brilhante que uma única pessoa. Por isso, o líder tem de vender os seus sonhos. É vender sonhos no sentido de desafios e de conseguir criar algo novo. Quem faz as transformações e toca as melodias é a organização como um todo.

Foi difícil ser um vendedor de sonhos?

No início fazia na porrada: dizia que tinha de ser e ponto. Por exemplo, na década de 60, atuava no setor de cabos. Em um certo dia, quebraram três empilhadeiras. Vi aquela bagunça e chamei: ‘Minha gente, vocês não têm força? Vamos lá, vamos empurrar isso’. Ajudei a empurrar. Mas não peço nada que eu não faria. Não quero benefícios para mim e esforço para os outros.

Em outro trecho do livro, o sr. não recomenda que um líder passe mais de cinco anos na mesma empresa. Pensando no episódio de demissão da Telemar em 2001, em que ocupava o cargo de presidente, naquela época considerava que estava na hora de novos desafios?

Não, achava que tinha mais coisa para fazer. Naquela situação, existia uma visão estratégica dos acionistas diferente da minha. Do meu lado, queria melhorar a qualidade do serviço e do produto Já os controladores queriam usar a síndrome de ‘Wall Street’: mais resultado, mais dividendo e mais resultado. Porém, acreditava que precisava investir mais na qualidade. Mas acho que a minha saída foi na hora certa. Quando você está lá em cima, ganhando um bom dinheiro e fazendo um bom trabalho, não pensa que está na hora de mudar. Sempre acha que tem alguma coisinha para fazer, mas alguém interrompe. Quando falo em cinco anos, estou olhando meu protótipo. Quando você está em uma empresa liderando, trazendo novidades e criando coisas novas, depois de cinco anos, fica mais acomodado às pessoas e à organização.

O sr. revelou que enfrentou episódios de ciúmes durante a trajetória profissional. Como lidar com a vaidade e a inveja no alto escalão?

Pergunta difícil. Primeiro, quando o líder é invejado na companhia, é preciso perguntar de que lado ele está. É do lado da companhia? Se não for, vá fazer algo que traga mais prazer, em que possa colocar o coração para ter sucesso.

Tem um capítulo do seu livro chamado ‘quanto maior a altura, maior a queda’. O cargo de liderança é muito solitário?

Completamente solitário. O líder ouve todo mundo e tem de pegar o melhor de cada um. Porque na hora de tomar decisão não vai perguntar para o cara se é para adicionar A ou B, se ele concorda com isso ou se deve ser uma outra decisão. No momento em que tomou uma decisão, todo mundo tem de estar no barco. Cada um deu pitaco, mas a decisão é do líder.

Qual conselho deixa para executivos e executivas que ocupam cargos no alto escalão?

O primeiro é: ouça a organização. Não é possível que você tenha inúmeras diretorias, que estão há tanto tempo dentro da empresa, e não saibam mais que você. Também diria para pular um nível abaixo e escutar a gerência.

Estadão Conteúdo

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