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Literatura: Obra resgata era de ouro da arquitetura paulistana

Arquivo Geral

21/08/2017 6h30

Atualizada 20/08/2017 21h19

Eduardo Brito
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Entre os anos 40 e 70 do século passado, uma nova São Paulo se desenhou, iniciando um movimento que segue até hoje: arquitetos modernos passaram a ser cada vez mais requisitados por uma população de renda ascendente e por uma criativa indústria imobiliária. É o que mostra o recém-lançado São Paulo nas Alturas, livro do jornalista Raul Juste Lores, que já foi correspondente no exterior, mas construiu a maior parte de sua carreira na capital paulista. É uma delícia percorrer suas páginas, revisitando uma São Paulo que está lá, bem viva, ainda que embaçada pela superpopulação, pela poluição, pela criminalidade e pelo trânsito avassalador.

Bastaram esses 30 anos para o perfil da maior cidade brasileira mudar. Mudar e subir. Foi nesses anos que se criaram os mais icônicos edifícios da cidade, graças à aliança de arquitetos talentosos, como Oscar Niemeyer, David Libeskind e Franz Heep, com empreendedores audazes, entre eles Artacho Jurado, Octavio Frias de Oliveira (ele mesmo, mais tarde dono do jornal Folha de S.Paulo) e José Tjurs. Dessa forma o livro mostra o enorme talento e o rigor técnico desses arquitetos, inclusive conferindo visibilidade a nomes que, apesar do muito que fizeram, hoje estão para lá de esquecidos.

São Paulo nas Alturas não é, porém, apenas um enumerado de belezas arquitetônicas. Mostra o fluxo econômico. Exibe os mecanismos criativos desenvolvidos pelos incorporadores. Expõe o peso da legislação federal e municipal, que em certos momentos foram as grandes responsáveis pela liberação da energia para buscar as alturas. Mas seu ponto forte é lembrar pontos esquecidos pela própria população, como a busca de edifícios multifuncionais, que reuniam lojas nos andares inferiores, escritórios e salas comerciais, acima, e por fim apartamentos residenciais de um, dois ou três quartos, atendendo a diferentes classes de renda.

“Olhos para a rua”
Era um conceito muito em voga na época, o de que só se garante a verdadeira segurança urbana quando as edificações tem “olhos para a rua”. Nada de grades, mas espaços abertos pela combinação de jardins, lojas, escritórios e residências. Sim, espaços abertos, com muita gente passando, dia e noite.

Raul Juste Lores, apaixonado por arquitetura, por urbanismo e principalmente por São Paulo, mostra uma dimensão toda particular nesse crescimento. Nos países europeus, a criação de marcos arquitetônicos foi impulsionada pela realeza e pela nobreza, como mostram Versalhes, o Palazzo Vecchio, a Torre de Londres e tudo o mais. Nos Estados Unidos foram as grandes corporações, do Rockefeller Center ao Chrysler Building. Em São Paulo, não: foi a classe média que financiou esses marcos, em geral pagando em prestações.

Edifícios Copan, Itália e Nações Unidas, Conjunto Nacional, o centro comercial Grandes Galerias (hoje conhecido como “Galeria do Rock”) e vários outros prédios de grande qualidade arquitetônica foram erguidos nessa época e moldaram para sempre a imagem da capital, espelhando seu poder, seu dinamismo e sua modernidade. Em São Paulo nas Alturas, Raul Juste Lores reconstitui esse importante período, apresentando a surpreendente trajetória de seus principais personagens, mulheres e homens que deram rumo novo à arquitetura, à construção e à vida urbana no Brasil. O livro traz ainda, como informação essencial, 98 fotos e um guia dos prédios em São Paulo.

Por fim, a obra é repleta de figuraças, como João Artacho Jurado, um autodidata filho de imigrantes espanhóis que criou uma construtora poderosa a partir do desenho e vendas de apartamentos de tamanho menor, mas em edifícios vistosos. Sua maior criação, o Bretagne, ficava no bairro aristocrático de Higienópolis e contava, no térreo, com uma piscina ondulada, sala de música com piano, bar 24 horas, sala infantil com decoração de Alice no País das Maravilhas e salão de festas rosa e azul. Teve festa de inauguração, aberta a quem quisesse visitar. Apareceu tanta gente que fechou a avenida.

De Artacho a revista norte-americana Wallpaper diria: “se a Mattel contratasse Niemeyer para fazer o edifício da Barbie, o resultado não seria diferente do Bretagne”. Era um elogio. Artacho era tão criativo que inventou um teleteatro para a TV Tupi. Sua empresa passou a patrocinar programa que, apresentado por Procópio e Bibi Ferreira, colocava no ar peças com jovens atores como Fernanda Montenegro, Tonia Carreiro e Leonardo Villar.

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