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Lançado há 96 anos, clássico escrito por Malinowski recebe sua primeira edição brasileira em quatro décadas

Arquivo Geral

04/02/2019 7h00

Atualizada 03/02/2019 21h43

Eduardo Brito
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Foi uma revolução que estruturou o que hoje se chama de Antropologia, ciência básica para se compreender a humanidade. Polonês que estudou na Alemanha e depois na Inglaterra, Bronislaw Malinowski estruturou as bases modernas da antropologia como a conhecemos ao introduzir a pesquisa de campo prolongada como parte da investigação etnográfica com os então chamados “povos primitivos”, sociedades pouco conhecidas no ocidente – em seu caso, os habitantes do arquipélago de Trobriand, na Melanésia.

Recém-lançado em edição de luxo pela editora Ubu, Argonautas do Pacífico Ocidental é um relato da vida e da aventura dos nativos desses arquipélagos, dos quais Malinowski tirou conclusões de validade universal e situou a Etnografia – o estudo de campo em sociedades diversas – como raiz dessa ciência.

A importância de Malinowski para a antropologia é tão grande que antes de surgirem traduções integrais de sua obra para o português, os alunos de Ciências Sociais da Universidade de São Paulo – eu entre eles – estudavam seus textos em edições especialmente preparadas para apostilas pelas professoras Ruth Cardoso, ela mesma, e Eunice Ribeiro Durham, que viria a ser mais tarde secretária de Educação Superior do MEC.

Bronislaw Malinowski, que viveu de 1884 a 1942, foi o primeiro pesquisador a apostar nessa ação. Por essa inovação e pela relevância e desdobramentos dos resultados que produziu, esta é sem dúvida a pesquisa de campo mais reverenciada da história da antropologia.
Em relação à economia, por exemplo, Malinowski mostra os equívocos das teorias sobre o “homem econômico primitivo”, que o descreviam ora como indolente e independente, ora como racional e utilitário.

Outra crença em voga era a de que os primitivos só eram capazes de formas rudimentares de comércio; que apenas a necessidade os impulsionava a fazer transações; e que entre eles predominavam modalidades de trabalho simples, não organizadas e não sistemáticas.
Malinowski mostrou com seus dados que a vida entre os trobriandeses era regida por um sofisticado sistema de trocas, nem sempre utilitário, baseado no sentido de “dar e receber”, princípio que mais tarde Marcel Mauss definiria como fundamento do social.

O âmago da investigação etnográfica desta obra é o conceito de kula. Trata-se de uma categoria central que organiza um enorme sistema ritual, praticado nas Ilhas Trobriand, e que regula todas as trocas, materiais e mentais. Os trobriandeses entendem o kula como um valor estabelecido para todas as formas de troca e, portanto, instituição capaz de referir todas as demais atividades. É um termo que engloba tanto a economia quanto festas, celebrações e rituais que poderíamos designar, a partir de distinções europeias, como de natureza religiosa, cultural, política.


Magia tem, sim, funções reais

Pequeno Grande Homem, filme dirigido em 1970 por Arthur Penn, com Dustin Hoffmann no papel principal, termina com frase de um veterano cacique: “mágica é assim, às vezes funciona, às vezes não”. Do ponto de vista da obtenção de resultados extraordinários, é verdade. Na prática, mostra Malinowski, não. Mágica sempre funciona.
Em vez de desenvolver uma teoria sua, ele buscou a “teoria dos nativos de Kiriwina sobre a magia”, chamada megwa entre os trobriandeses. O poder da magia reside na estreita relação com a mitologia, produzindo uma continuidade com a época dos ancestrais – mas não fica por aí.

Malinowski mostra que a magia não é uma ação extrínseca, sem relação com o trabalho que está sendo feito, nem uma perda de tempo do ponto de vista econômico. Pelo contrário, tem papel relevante. “A magia impõe ordem e sequência às atividades. Assim como o cerimonial a ela associado, constitui um meio de garantir a cooperação da comunidade. E inspira nos trabalhadores maior confiança na eficácia de seu esforço, disposição imprescindível a qualquer empreendimento de caráter complicado e difícil”, constata Malinowski.

Portanto, ensina, “a magia, longe de representar um aditamento inútil, ou mesmo um embaraço, exerce influência psicológica que os leva a confiar no êxito de seu esforço e lhes confere uma espécie de líder natural, capaz de organizar esse esforço”.


Serviço

Argonautas do Pacífico Ocidental

  • Autor: Bronislaw Malinowski
  • Tradução: Anton P. Carr, Lígia Cardieri
  • Editora: Ubu
  • Páginas: 672
  • Preço médio: R$ 110

 

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