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Viva

Guel Arraes moderniza Odorico Paraguaçu

Arquivo Geral

27/04/2010 17h57

Fora de competição, O Bem Amado abre a 14ª edição do festival pernambucano de cinema Cine PE. Adaptação do texto homônimo de Dias Gomes, mais lembrado no imaginário popular como a novela dos anos 70 estrelada por Paulo Gracindo e Lima Duarte, o filme de Guel Arraes moderniza Odorico Paraguaçu e companhia, com Marco Nanini no papel que originalmente era de Gracindo, o inescrupuloso e verborrágico prefeito da cidadezinha de Sucupira.

No lugar de Lima Duarte, entra José Wilker como o jagunço Zeca Diabo. As afoitas irmãs Cajazeiras – interpretadas por Andrea Beltrão, Drica Moraes e Zezé Polessa – rejuvenescem nesta versão e, em vez de beatas, são peruas em busca de casamento e sexo (não necessariamente nessa ordem).

É inevitável que o longa suscite comparações em relação às versões clássicas para a tevê. José Wilker confessa que não viu nem a novela e nem o seriado da Rede Globo dos anos 80. “Na época fazia muito teatro. As referências da televisão passaram batidas para mim. Conhecia o texto, mas nunca vi uma montagem da peça”, argumenta. “Me baseio no que está escrito no roteiro e no que o diretor quer que eu faça. E aí também entra a relação com os outros atores, a cenografia, o  ambiente de filmagem e até mesmo o calor que a gente sentia durante as gravações”. Marco Nanini completa: “Não pensamos em partir de referências de nenhuma montagem. A ideia era fazer uma coisa contemporânea”.

Uma das grandes mudanças em relação ao texto original foi no personagem Odorico Paraguaçu. Arraes esclarece que, do jeito que foi escrito por Dias Gomes, Odorico remetia aos grandes coronéis que comandavam o interior na década de 1930. “O Odorico já era arcaico em 1961, quando o texto foi escrito”, analisa. “Esse coronel já virou clichê. Queríamos representar um político que poderia estar vivo hoje”, justifica.

Uma das preocupações do cineasta foi o aspecto político do texto. No longa, ele liga a história de Odorico ao Golpe de 64 e acrescenta uma breve reflexão sobre a situação política do Brasil atual. “Minha grande dificuladade foi fazer com que o filme tivesse uma mensagem política bacana, apesar de não gostar dessa expressão. Queria fazer uma sátira política atual. No jornal a gente só vê o drama, queria mostrar o lado da gozação e também incentivar a reflexão ideológica por parte do público jovem”, esclarece.

Certeza de sucesso com o grande público, há quem critique a linguagem acessível de Arraes, que está por trás de sucessos no cinema – O Auto da Compadecida, Lisbela e o Prisioneiro – e da tevê – TV Pirata e Armação Ilimitada. “Falar em trabalhar na tevê não é xingamento. Muitas vezes fiz coisas mais ousadas na tevê do que no cinema”, desabafa. 

Curtas

Vencedor dos prêmios de melhor diretor, roteiro, e melhor curta-metragem pelo juri popular no Festival de Brasília do Cinema Brasileiro no ano passado, Recife Frio caiu no gosto do público no Cine PE. E não podia ser diferente. “Em Recife, o público parece entender cada respiração do filme”, analisa Kléber Mendonça. Apesar da aprovação dos recifenses, o diretor guarda a recepção do público do Festival de Brasília na memória: “Assisti ao filme em situações dentro e fora do Brasil. Mas a sessão do Festival de Brasília no ano passado foi a mais impactante, ainda mais por ter sido a estreia do filme”, relembra.

Ainda assim, o curta foi ainda mais unânime do que o badalado O Bem Amado. De forma espirituosa o filme, que sagrou-se o grande vencedor no Festival de Brasília do Cinema Brasileiro, mostra  a cidade após sofrer uma brusca mudança de clima, que fez com que a temperatura  passasse a girar em torno dos 10 graus. Na nova realidade, pinguins habitam as praias, pessoas morrem (literalmente) de frio nas ruas, a classe média abandona os apartamentos à beira mar por conta do vento insuportável e os patrões passam a disputar o quarto da empregada, o menor e mais quentinho cômodo da casa. O único feliz com a situação é um papai-noel profissional que quase derretia com o calor de mais de 30 graus que costuma fazer na época do verão.

Através da perspectiva de um documentarista argentino, o filme mostra o drama da cidade praiana para se adaptar às novas condições climáticas, ao mesmo tempo em que faz críticas ferrenhas ao desordenado crescimento urbano da capital e até mesmo sobre relações entre classes.  “A cidade vem sendo sitematicamente demolida, as pessoas não andam muito nas ruas, estimula-se mais e mais o uso de carros. Quando se abre o jornal, a grande notícia é a contrução de um shopping, ou uma torre constuída em um lugar onde não deveria”, critica.

O olhar estrangeiro sobre o drama climático deu outra dimensão às críticas nas entrelinhas. O diretor explica a decisão: “Morei na Inglaterra quando era adolescente e lá havia um programa que reunia reportagens de TV de várias partes do mundo falando do Reino Unido. A sensação era como se alguém estivesse falando de você e você não deveria estar ouvindo essa conversa. Eu quis reproduzir isso no filme”. A escolha de um argentino para o papel não foi aleatória.

“Com Monty Pithon na cabeça, primeiro imaginei um narrador inglês. Depois um sueco. No fim, achei que um argentino seria mais interessante porque somos culturalmente irmãos, mas, ao mesmo tempo, não gostamos muito deles e nem eles gostam muito da gente (ou pelo menos é o que achamos). somos vizinhos e ao mesmo tempo estrangeiros, e eles falam uma língua que entendemos mais ou menos. Isso gerou um certo tom de rispidez no filme”, analisa.

Outro destaque foi Bailão, do mineiro radicado em São Paulo Marcelo Caetano. O documentário, que também teve estreia no Festival de Brasília, levando o prêmio de melhor montagem, conta a história dos personagens do Bailão, um ponto de encontro gay em São Paulo. O público predominantes é de homens maduros.

Com sensibilidade, o curta revela a história de vida dos personagens e nos faz entender melhor os dramas dessa geração. “Quisemos abordar a questão da idade. Essa geração pegou todo o tipo de transformação e participou da formação do conceito do que hoje se entende por gay”, justifica o diretor. A partir do Bailão, o ponto de encontro, o filme desvenda também a relação entre os personagens e o espaço urbano onde habitam. “Nos focamos na relação que eles têm com São Paulo, principalmente o centro da cidade, onde muitos concentram sua vida social. Como mineiro que vive em São Paulo, o filme tem esse deslumbre com as paisagens da cidade, que fazem parte da vida das pessoas”, completa.

Por abordar questões delicadas, o diretor teve dificuldade em encontrar pessoas que se dispusessem a contar sua história. “Houve muita resistêcia por parte dos personagens. Para se ter uma ideia, fizemos contato com umas 500, 600 pessoas. Dessas, umas 15 concordaram em dar entrevista e cinco entraram no filme.”

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