Camilla Sanches
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Mostrar a cidade através das lentes de quem todos os dias trabalha por ela. É isso que propõe a exposição A Brasília Que Eu Vejo, em cartaz a partir do dia 20 de abril (quarta-feira próxima), no Espaço Cultural Jornal de Brasília.
Com curadoria do fotógrafo Eraldo Peres, a mostra vai reunir imagens de 17 profissionais que atuam no mercado fotográfico local. O mais interessante, considera o curador, “é que estas fotos foram feitas no dia-a-dia de cada fotógrafo e não encomendadas para a mostra”.
Repórter fotográfico há 36 anos, Luiz Alves, 51, é natural da cidade de Resende (RJ). A história com a fotografia vem de longe, muito antes de Luiz considerar a possibilidade de trabalhar na área. “Meu pai morreu quando eu tinha seis meses de idade. Eu o conheci por foto”, narra. Espiritualista, ele acredita que este foi um primeiro sinal do que a fotografia representaria na sua vida.
“Um amigo fotógrafo me convidou para fazer umas fotos com ele na região de Penedo, que fica perto de Resende. Estava com 17 anos. Ali decidi que era aquilo que eu queria fazer para o resto dos meus dias”. Antes de chegar à Câmara dos Deputados, onde trabalha atualmente, Luiz trabalhou como caldeireiro montador numa metalúrgica carioca. O objetivo? Juntar dinheiro para comprar a primeira câmera fotográfica, que foi uma alemã, Practika MTL, em 1978.
Daí em diante não parou mais. Foi pra Curitiba, transferido pela empreiteira. Lá, fez cursos de fotografia no Foto Clube Boa Vista. Em 1982, ganhou o 1º lugar no Concurso Fotográfico dos Economiários do Paraná. Voltou para Volta Redonda (RJ), saiu da metalúrgica e começou a trabalhar no Sindicato dos Metalúrgicos de lá – agora como fotógrafo.
Sua vinda para a capital federal aconteceu em 1989, para cobrir a campanha de Maurício Corrêa, então candidado a governador do Distrito Federal pelo Partido Democrático Trabalhista, o PDT. “Nunca mais voltei”.
“A cidade me encantou. Ensaiei várias voltas, mas nunca deram certo. Sou do Candomblé e minha fé me leva a crer que meu lugar é aqui”, conta ele, emocionado.
Suas fotos revelam o gosto pelos temas sociais. Para ele, a fotografia funciona como um instrumento de luta contra a intolerância religiosa, racial, social e sexual. No entanto, para A Brasília Que Eu Vejo, escolheu um material fruto de um trabalho inovador, que realiza desde 2004: as fotografias em 3D.
“Queria ver a reação das pessoas se vendo em 3D”, diz. “Na verdade, esse interesse é fruto de uma experiência na infância. Um colega da escola foi à Disney e trouxe de lá uma espécie de binóculo, através do qual podíamos ver os personagens e os parques em 3D. Isso ficou na minha cabeça, até encontrar, pelas coincidências da vida (nas quais ele não acredita que existam), o irmão desse meu colega no Candango Fotoclube”, lembra.
Na exposição, ele participa com três fotos: uma da Torre de TV, feita em 2008, de um helicóptero; outra do Palácio do Planalto visto entre árvores, no outro lado da via, de 2009; e a mais recente, do ano passado, do anjo da Catedral, que abre a mostra.
“Tenho uma paixão muito grande por Brasília. Fotografar e eternizar essa cidade é a forma de eu retribuir o que ela me deu, a família, as oportunidades”.
Com o fotógrafo Kazuo Okubo acontece o mesmo. A amor e a gratidão que nutre pela capital idealizada por Juscelino Kubitschek o absorve e o leva às lágrimas. “Vou chorar”, avisou, no início da entrevista, quando lhe perguntei o que Brasília significava para ele. Embargou a voz, silêncio do outro lado da linha, choro e a declaração: “Brasília é tudo para mim”, foi a única coisa que conseguiu dizer antes de se recuperar da emoção.
“Amo o céu, as pessoas, a arquitetura, a cidade como um todo, a qualidade de vida que tenho aqui. Apesar do inchaço que já se configura em alguns pontos, amo viver aqui”, declarou em seguida.
Não, ele não veio de fora com a leva de nortistas e nordestinos que deixaram suas terras em busca de melhores condições de vida em direção à capital dos sonhos. Ele nasceu aqui mesmo, há 51 anos, no Núcleo Bandeirante.
Exceção entre os 17 profissionais que tem seus trabalhos expostos, Okubo é especialista em fotos publicitárias e na mostra apresenta uma vista panorâmica da Esplanada dos Ministérios.
Ao contrário de Okubo, Orlando Brito é mineiro, de Janaúba, norte de Minas Gerais, mas veio para Brasília antes mesmo de sua fundação. “Cheguei aqui em 27 de abril de 1957”, frisa. O pai era amigo próximo de JK.
A carreira começou no Última Hora, em 1966, onde trabalhava no laboratório fotográfico. “Faltou um fotógrafo e fui fazer a foto do presidente Castello Branco, minha primeira foto”, recorda. “De lá para cá, nunca mais tirei a profissão do pescoço”.
Com passagens pela revista Veja e os jornais O Globo e Jornal do Brasil, o fotógrafo atualmente é dono da agência de notícias O BritoNews. “Brasília é o cenário de onde tiro todo o material que produzo e a política é um caminho pelo qual transito com prazer”, descreve. Na opinião dele, a cidade tem um visual que bem representa a realidade do mundo.
Fotogenia
Já Gustavo Miranda considera a capital da República uma cidade fotogênica. Aos 56 anos, 20 deles por aqui, trabalhou no JB, ainda no Rio de Janeiro, sua cidade natal, e veio para a sucursal de O Globo. “Já são 35 anos de carreira”, lembra. “Cresci muito profissionalmente aqui. Conheci o Brasil inteiro e viajei o mundo, tudo graças a Brasília”, reconhece.
Na mostra, ele tem duas fotos. É sobre uma delas que ele conta: “Cubro Palácio do Planalto e, naquele dia, caía uma tempestade lá fora. Todos os fotógrafos correram para ver e tentar fazer uma foto dos raios. Só eu consegui”, comemora.
O resultado que poderá ser apreciado a partir da próxima quarta-feira é uma visão da bandeira nacional entre raios. “Foi como uma loteria. Éramos sete e só um conseguiu. Não quer dizer que ninguém saiba a técnica, mas é muito difícil saber onde o raio vai cair, quanto mais registrar isso. Foi mais uma questão de sorte”.
Ivaldo Cavalcanti também não é brasiliense, mas pode entrar no conceito de candango. Veio de Trateús, no Ceará, há 50 anos. Hoje tem 57. Ao lado da mãe, costureira, e dos 8 irmãos – ele é o do meio–, costuma dizer que veio, como a maioria dos nordestinos retirantes, no pau-de-arara, caminhões que transportavam as pessoas naquela época. Mora em Taguatinga, desde então.
“Para mim, Brasília é uma tremenda cidade sem identidade, no aspecto positivo, claro. Sua identidade está sempre em formação”, pondera. “É a capital de todos os estados”, completa.
A temática dominante em seu trabalho são os problemas sociais, tanto que uma das fotos que enviou para a seleção do curador Eraldo Peres foi a de um usuário de crack com a pedra na mão, tirada mês passado. Foi uma das escolhidas.
A trajetória de Sérgio Almeida é semelhante a dos colegas. Conterrâneo de Ivaldo, mas cearense da capital, Fortaleza, aos 46 anos, traz na memória muitas histórias para contar. Aos 20, foi morar em Porto Alegre (RS) e lá morava perto do Centro Cultural Usina do Gasômetro. Foi ali que o insight da fotografia surgiu em sua vida.
“Tinha muitas exposições fotográficas lá e eu gostava muito de ver. Então, passei a fotografar em casa, coisas do cotidiano”, lembra.
Ganhou experiência, ele diz, fazendo fotos do tradicional clássico gaúcho Grenal, entre os times Grêmio e Internacional. “Na época, conheci muita gente boa. Bons fotógrafos, que me ensinaram muito. Digo que minha primeira escola foi o jornal Zero Hora, porque foi com os fotógrafos de lá que comecei a aprender”.
Em Brasília, mora há 20 anos e foi aqui que conseguiu seu primeiro trabalho como repórter fotográfico, no Jornal de Brasília. Casa que ele faz questão de destacar como outra grande escola para todos os fotógrafos. Mas a segunda escola é a Photo Agência, onde trabalha atualmente ao lado de Eraldo Peres. “Grande mestre”, nas suas palavras.
“Brasília representa tudo pra mim. Aqui consigo viver, sustentar minha família, porque não é fácil viver de fotografia”, observa. “Além disso, é uma das cidades que te possibilitam ver o horizonte, a imensidão do horizonte, esse céu aberto e azul, que só existe aqui”, acrescenta.
Apaixonado, como os outros 16 colegas que dividem espaço em A Brasília Que Eu Vejo, Almeida declara, do alto de suas quase duas décadas de estrada, “Não me canso de fotografar esta cidade. Brasília me inspira”. A inspiração de todos estes profissionais pode ser apreciada no espaço Cultural Jornal de Brasília, a partir desta quarta-feira, 20 de abril, até o dia 19 de maio, com entrada franca, de segunda à sexta, das 9 às 19h.