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Exposições

Flávio Cerqueira leva 15 anos de escultura ao CCBB Brasília

Mostra revisita trajetória do artista com esculturas que misturam memória, crítica social e poesia visual

Amanda Karolyne

20/06/2025 5h00

Atualizada 19/06/2025 23h32

visita guiada e coquetel de lançamento da exposição flávio cerqueira

Foto: Hélio Montferre

A mostra Flávio Cerqueira – Um Escultor de Significados está em cartaz no Centro Cultural Banco do Brasil Brasília (CCBB), com entrada gratuita até 24 de agosto. A exposição celebra os 15 anos de trajetória do escultor paulistano, reunindo cerca de 40 obras em bronze sob curadoria de Lilia Schwarcz. Após passar por São Paulo e Belo Horizonte, onde atraiu milhares de visitantes, a mostra chega à capital com trabalhos que exploram narrativas pessoais, históricas e ficcionais. Cerqueira convida o público a atribuir seus próprios sentidos às esculturas, abrindo espaço para interpretações íntimas e coletivas.

Ao Jornal de Brasília, Flávio destacou como o significado de suas obras vai se transformando a cada nova exposição, à medida que o público vai interagindo com as peças. “É legal que esses significados vão se agregando, se constituindo”, afirmou. Ele tem o costume de visitar as mostras de forma discreta, observando como o público reage, sem se identificar como o criador daquele objeto. “É engraçado que as pessoas vão dando significados aos trabalhos que são muito interessantes, às vezes muito mais interessantes do que eu faria”, comenta. 

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O escultor Flávio Cerqueira em visita guiada a mostra de suas obras no CCBB Brasília. – Foto: Jornal de Brasília/Amanda Karolyne

Segundo ele, alguns visitantes até escrevem poemas e reflexões inspirados nas esculturas criadas por ele. “Nessa montagem do CCBB Brasília, por exemplo, o segurança Edison fez dois poemas durante a montagem de dois trabalhos. Ele voltou pra casa, pensou em uma música e um poema, escreveu e me mandou”, relatou com carinho. Para o artista, esse tipo de retorno é profundamente gratificante e mostra como a arte pode se transformar e tocar outras pessoas de várias formas. “A arte é viva. Ela vai se constituindo, é uma consequência. Ela continua, e esses significados vão aumentando cada vez mais por onde o trabalho passa”, refletiu.

Dessa troca de interpretações surgiu o nome da exposição que faz uma retrospectiva dos trabalhos de Flávio: “Flávio Cerqueira – um escultor de significados”. Ele considera que a obra só pode estar completa a partir da interação com quem a observa. “Os significados são os que eu crio por cada trabalho, mas também o significado de cada pessoa que vai interagir com ele. Penso o espectador como um coautor, como um escultor de significados”, frisou.

visita guiada e coquetel de lançamento da exposição flávio cerqueira
Foto: Hélio Montferre

Imersão nas obras

A jornada artística de Flávio começou aos 15 anos, com peças feitas de durepoxi inspiradas em personagens de fantasia. Mas em 2001, tudo mudou quando ele visitou a Pinacoteca do Estado de São Paulo e se deparou com uma exposição do escultor francês Auguste Rodin. “Foi quando vi uma escultura que não era monumental, não tinha cavalo, não tinha espada. Pensei: calma aí, tem outras possibilidades de fazer escultura”, contou. Ele se deu conta que o bronze não precisava servir apenas à representação de figuras históricas e começou a pensar que poderia criar arte a partir das próprias vivências. “Porque as sutilezas da vida cotidiana que mais me interessam”, afirmou.

Flávio chegou a pintar suas esculturas de branco para parecerem de porcelana, enfatizando a fragilidade dos temas que abordava. “Eu estava tratando de assuntos de fragilidade, de vazio, de ausência, que são as questões frágeis da humanidade”, comentou. Embora use a figura humana como base, seu foco não é o indivíduo em si. “Pouco me importa se é uma pessoa branca, preta, homem, mulher, hétero ou não. Quando você fala de humanidade, você tira a casca da pessoa”, disse. É essa camada universal que ele busca atingir com sua arte.

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Foto: Jornal de Brasília/Amanda Karolyne

Antes de abrir o espaço oficialmente, Flávio recebeu a imprensa para um passeio guiado por ele, uma imersão em suas obras. Um dos trabalhos em destaque na mostra é a escultura “Cansei de Aceitar Assim”, que aborda a violência doméstica de forma crítica e simbólica. “É um tema super delicado, mas é uma realidade de muitas famílias no nosso Brasil”, apontou. A peça está do lado de fora da Galeria 2 do CCBB Brasília, como quem faz um convite a quem passa para entrar e conhecer mais do trabalho de Flávio. Se trata de uma jovem com corpo sexualizado, levantando questionamentos sobre limites e consentimento. “Isso tudo para dizer: qual é o limite? Eu o imponho ou é você que está dando?”, questionou. A obra também propõe uma pausa reflexiva, simbolizada por uma placa de “stop” e o gesto de braços formando um símbolo de infinito.

Como a mostra se trata desse olhar retrospectivo de suas obras, Flávio explicou que foi com a exposição “Um Mundo de Cada Vez”, que ele trouxe a figura feminina para sua produção, inspirado em relatos de mulheres de sua família. “Até o momento eu trabalhava basicamente com figuras masculinas”, salientou. Essa mudança acompanhou uma ampliação do seu processo criativo, que ele categorizou em três eixos: narrativas pessoais, históricas e ficcionais. Segundo ele, houve também uma transição no foco das obras: “No começo da minha produção, eu estava muito atento a como eu vejo o mundo. A partir do momento que as minhas questões foram resolvidas, eu comecei a ouvir mais as histórias dos outros e compartilhar histórias que não são só as minhas”, pontuou.

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Foto: Jornal de Brasília/Amanda Karolyne

Em 2014, um ano após sua primeira exposição individual, Flávio passou a integrar oficialmente a Pinacoteca de São Paulo — esse mesmo espaço que na infância, o paulistano acreditava não ser para pessoas como ele, uma crença que veio de seu pai. Hoje, o artista não só tem obras na coleção permanente como também integra o conselho artístico do museu. “Quinze anos depois de passar na frente e não entrar, eu estava ali dentro, como artista”, relembrou. 

Uma das esculturas mais recentes da exposição, chamada Desenho Cego, foi feita especialmente para essa mostra, como uma forma de retraçar todo o caminho desses 15 anos de trajetória com forte carga simbólica e autobiográfica: a obra se trata de uma pessoa segurando uma ferramenta usada para esculpir, chamada esteca. Flávio retratou a si mesmo desenhando na própria pele a linha da vida a partir de sua mão. “Fui modelando minha própria história a partir do barro. A escultura me proporcionou uma ascensão intelectual, cultural e econômica. Mas o mais valioso foram os encontros e amizades que ela me trouxe”, declarou. O nome da obra faz referência ao exercício escolar de fechar os olhos para desenhar a partir da memória — gesto que ele incorpora como metáfora artística e existencial. “Fecho os olhos e volto pra mim. Só assim eu não me perco comparando meu caminho ao dos outros”, completou. 

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Foto: Jornal de Brasília/Amanda Karolyne

A leveza do voo

Para Flávio, o termo “leveza” é muito importante em sua produção, porque o objetivo de Cerqueira, mesmo ao trabalhar com o bronze e com temas um pouco mais pesados, é transmitir leveza em suas obras, tanto a física quanto a do estado mais leve da mente. Para isso, utiliza a chamada tinta eletrostática, que dá à escultura um aspecto frágil e brilhante. Tópicos como identidade, raça, classe, gênero e pertencimento, são abordados em suas peças a partir de cenas do cotidiano. “Os assuntos são pesados, alguns são frios, mas eu trago uma leveza também por conta de olhar para essas questões com um olhar mais de esperança”, ressaltou.

Em seu trabalho, o artista propõe um diálogo com questões clássicas da escultura moderna, como a gravidade, o ponto de apoio e a relação entre figura e base. “Geralmente, a gente vê uma escultura sobre uma base branca. Nesse trabalho, eu jogo com isso: o ponto de apoio são os balões”, explicou ao se referir a uma obra feita inteiramente em bronze, onde a escultura parece suspensa no ar. Essa peça é um exemplo do equilíbrio que faz com a leveza e o peso. Ela pode ser vista também do lado de fora das instalações do CCBB, mas anteriormente, integrou a primeira exposição individual do escultor: Ensimesmados (2013), marcada pela pressão do início de carreira. “As pessoas sempre vão criando expectativas que não eram as minhas. Então, criei uma série de trabalhos que eram tentativas de voo com ferramentas que nunca vão conseguir voar”, pontuou.

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Foto: Jornal de Brasília/Amanda Karolyne

O olhar através das obras 

Nesta exposição, os trabalhos não seguem uma linha do tempo linear, mas se organizam por temáticas que conversam entre si e com o espaço arquitetônico. Elas estão dispostas em quatro núcleos temáticos — Labirinto da Memória, Um Caminho Sem Volta, Histórias: as minhas, as nossas e O Processo é Lento. Entre as peças selecionadas para essa retrospectiva afetiva, está a escultura “As Minhas Coisas”, que mostra uma garota olhando por uma luneta. “Às vezes as coisas estão muito distantes e você precisa de artefatos, ferramentas para aproximar isso de você”, explica o artista, que se inspirou em jovens e mulheres de sua família para criar a obra. Elementos comuns como escadas, livros, cadeiras e placas aparecem em várias peças como pontes simbólicas entre o cotidiano e o imaginário. 

Quase ao final da instalação, destaca-se a escultura de uma menina sentada em uma cadeira, segurando um livro com 27 perfurações. Intitulada No Meu Céu Ainda Brilham Estrelas, a peça mistura o medo do passado e do presente com o vislumbre de um futuro melhor — os furos no livro se transformam em estrelas, a depender do olhar de quem observa. Nela, o artista sintetiza o impacto da educação pública em sua trajetória, representando a jovem que segura o livro como um escudo, mesmo ferido, para denunciar tanto os ataques ao ensino quanto à própria história nacional, marcada por violências. “Esse é o mesmo número de estrelas da bandeira do meu país”, aponta. A escultura simboliza a violência estrutural e a negação de direitos, mas também resiste com esperança: “A educação foi meu escudo. Minha mãe dizia que eu precisava estudar para ser alguém na vida. Ela estava certa”, concluiu.

Serviço
Centro Cultural Banco do Brasil Brasília
Endereço: SCES Trecho 02 Lote 22 – Edif. Presidente Tancredo Neves – Setor de Clubes
Especial Sul – Brasília – DF
Flávio Cerqueira – um escultor de significados
Período: 18 de junho a 24 de agosto, das 09h às 21h (entrada nas galerias até 20h40)
Local: Galeria 2
Classificação indicativa: Livre
Ingressos em www.bb.com.br/cultura e na bilheteria do CCBB Brasília 
Entrada gratuita

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