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Exposições

Exposição de Céu Vasconcelos abre a 2ª edição do Festival Trilha da Inclusão

“O público pode esperar uma experiência sensorial e política, onde fotografia, performance, escultura, som e palavra se entrelaçam para contar outras histórias — as apagadas pelos registros oficiais”, diz Céu Vasconcelos

Aline Teixeira

11/07/2025 5h00

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Foto: Mateus Falcão

A programação do Festival Trilha da Inclusão 2025 teve início nesta quinta-feira (10), com a abertura da exposição Monumento Aleijado, da artista cearense Céu Vasconcelos, no Espaço Cultural Renato Russo. A mostra marca o primeiro movimento da segunda edição do projeto e segue em cartaz até agosto, acompanhada de uma programação multicultural nos dias 1, 2 e 3, com espetáculos de teatro e dança, mostra de cinema, feira criativa e experiências sensoriais protagonizadas por artistas com deficiência.

Pela primeira vez em Brasília, Monumento Aleijado apresenta uma investigação poética e política sobre o corpo com deficiência a partir da linguagem das artes visuais. Ao transformar próteses em esculturas e intervir com fotografia, som e performance, Céu questiona os símbolos históricos da monumentalidade e propõe uma outra forma de permanência. “Um corpo que insiste, que ocupa, que se recusa a ser corrigido ou apagado”, define.

Um corpo que reencanta

A criação das próteses-escultura é parte de um processo artístico e pessoal de ressignificação. “Sinto que, por muitos anos, eu não era dona do meu próprio corpo. A violência capacitista e cotidiana nos ensina a odiar quem somos. Quando conheci a palavra ‘capacitismo’ e entendi suas dinâmicas, tudo mudou. Percebi que o erro nunca esteve em mim, no meu corpo, mas no mundo”, afirma Céu.

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Foto: Mateus Falcão

“Essas próteses não querem corrigir nada. Pelo contrário, querem reencantar. Com elas, deformo o olhar normativo e invento outras formas de estar no mundo. É uma forma de cura, de magia e de reapropriação do que me foi negado”, completa.

Brasília como território de tensão

A escolha da capital federal como local de estreia é carregada de simbolismo. “Brasília é uma cidade repleta de monumentos e marcos arquitetônicos, onde a monumentalidade é um instrumento de poder. Quando olhamos para esses monumentos, vemos uma estética do controle e da higienização. Mas quais corpos são considerados dignos de celebração e memória? E quais são esquecidos ou apagados dessa história oficial?”, questiona.

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Foto: Mateus Falcão

Para Céu, ocupar esse território com seu corpo “bicha e aleijado” é um ato político. “É uma tentativa de aleijar a lógica monumental tradicional. De propor outras possibilidades de corpo, vida e memória, onde possamos nos reconhecer.”

Do corpo ao coletivo

A proposta de derrubar o corpo forjado pela violência capacitista também passa pela construção coletiva de uma cultura mais acessível e empática. “A transformação começa pela convivência real com pessoas com deficiência. Mas convivência não basta: é preciso assumir uma postura ativa. Ser anti-capacitista é agir, se posicionar, fazer escolhas que incluam e transformem”, afirma.

Segundo ela, essa mudança estrutural deve ir além das boas intenções: “É preciso se comprometer com mudanças concretas — nas instituições, nas políticas públicas, nas curadorias, nos espaços de arte e poder.”

DEFcentrar a cultura

Céu defende que a inclusão só deixará de ser exceção quando houver uma descentralização real no circuito artístico. “Precisamos ocupar os espaços, mas também criar os nossos. A inclusão verdadeira acontece quando deixamos de ser exceção em mostras e festivais e passamos a ser parte das estruturas que decidem, curam, dirigem e pensam os rumos da cultura.”

Ela chama atenção para o risco da pauta ser cooptada pelo mercado. “A inclusão não pode ser só uma moda ou uma tendência lucrativa. Precisamos fortalecer políticas públicas, editais específicos e redes autônomas de artistas com deficiência.”

Cultura DEF como parte fundante

Além da exposição, o Festival Trilha da Inclusão traz uma programação com cinema, dança, teatro, artes visuais e feira criativa. Para Céu, esse tipo de evento é fundamental. “Quando um festival se propõe a valorizar a produção de artistas com deficiência em múltiplas linguagens, ele está afirmando algo muito poderoso: que nós não somos uma coisa só. Somos múltiplos, complexos, diversos — e merecemos espaços que reflitam essa riqueza.”

Ela destaca a importância de eventos como o Trilha da Inclusão para a desconstrução de estigmas: “A chamada ‘cultura DEF’ precisa ser entendida como parte constitutiva da cultura brasileira, e não como um nicho ou uma pauta assistencialista. Colocar nossos corpos e criações no centro, como protagonistas potentes, tem um impacto direto em como somos vistos e lembrados.”

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