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Ancestralidade e arte no Festival Latinidades

O maior festival de mulheres negras da América Latina celebra a ocupação simbólica de espaços historicamente negados às populações negras até 24 de agosto

Alexya Lemos

25/07/2025 5h00

Atualizada 24/07/2025 19h00

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Luedji Luna. Foto: Divulgação

O Festival Latinidades chega à maioridade afirmando-se como território político, sensível e radicalmente poético. Em sua 18ª edição, que vai até 24 de agosto, o festival escolhe as artes visuais como linguagem central para ampliar sua atuação estética e simbólica. A escolha não é aleatória: é um gesto de afirmação, ancestralidade e presença em espaços tradicionalmente inacessíveis a corpos negros, dissidentes e periféricos.

“Acreditamos no poder da imagem, do gesto e da instalação como ferramentas para contar histórias, provocar sensações e tensionar estruturas”, afirma Jaqueline Fernandes, fundadora do festival. É com esse princípio que o Latinidades 2025 ocupa, gratuitamente, lugares estratégicos do Distrito Federal, da Estação de Metrô da Ceilândia ao Museu Nacional da República.

“Chão Ancestral”: raízes que sustentam o futuro

Instalada no coração do transporte público popular, a mostra Chão Ancestral ocupa a estação de metrô da Ceilândia com obras que evocam o território, a memória e a espiritualidade do Quilombo Mesquita, que completa 279 anos em 2025. A exposição, realizada em parceria com a Conaq (Coordenação Nacional de Articulação das Comunidades Negras Rurais Quilombolas), é uma homenagem viva às mulheres negras que fundaram o quilombo no século XVIII e à comunidade que, neste mês, conquistou a titularização de suas terras após uma longa luta.

“Para nós, ancestralidade não é passado: é presença, é tecnologia, é estética”, diz Jaqueline. Chão Ancestral propõe uma ponte entre a história quilombola e a produção artística contemporânea de nomes como Walisson Braga, Luiz Alves e Webert da Cruz, todos artistas que transitam entre o urbano e o tradicional.

A estação do metrô se transforma em território simbólico e expositivo, desafiando as noções clássicas de museu. A escolha da Ceilândia, maior região administrativa do DF e polo cultural potente, também carrega um peso político: “Foi o destino forçado de famílias operárias que ergueram a cidade, mas foram impedidas de viver no Plano Piloto”.

“Alumbramento”: arte em espiral no Museu Nacional

No centro da monumental Esplanada dos Ministérios, o Latinidades propõe outra ocupação simbólica com Alumbramento, exposição imersiva que acontece na Galeria 3 do Museu Nacional da República até 24 de agosto. Curada por Nathalia Grilo, com expografia de Lorena Peña e Wesley Pacheco, a mostra reúne 25 artistas negros, indígenas e dissidentes, com forte presença de nomes das regiões Norte, Nordeste, Centro-Oeste e Sul, territórios historicamente à margem do circuito hegemônico da arte.

“O processo curatorial foi uma aposta no sensível, na espiritualidade, na radicalidade poética e na indissociabilidade entre vida, arte e território”, explica Jaqueline, destacando o foco curatorial que se baseia nas práticas existenciais de seus criadores. A exposição em espiral propõe o alumbramento como método e estética, um convite à sensibilidade e à transcendência.

“Levar o Festival Latinidades ao Museu Nacional e ao Metrô da Ceilândia é um gesto de ocupação simbólica e política”, reforça a fundadora. Estar na Esplanada é, também, uma reconexão com o território ancestral: “O território do Quilombo Mesquita se estendia até essa região, antes de ser fragmentado pela construção da capital e pela especulação imobiliária”.

Projeções e arte nos céus

No dia 26 de julho, o Museu Nacional será novamente palco de um momento simbólico: as artes visuais se unem à tecnologia e à música em uma noite de projeções ao ar livre. Obras inspiradas no tema Mulheres Negras Movem o Mundo serão projetadas nos céus do Distrito Federal, reafirmando o protagonismo dessas mulheres na cultura, na política e na arte.

Um território de reencantamento

Criado em 2008, o Festival Latinidades é realizado pelo Instituto Afrolatinas, organização sem fins lucrativos voltada à promoção da equidade de gênero e raça por meio da cultura, arte e educação. Em 18 anos, tornou-se uma plataforma internacional que conecta mais de 30 países, forma públicos, impulsiona carreiras e provoca políticas públicas.

“Começamos olhando para a nossa rua”, relembra Jaqueline. “Hoje temos a nossa própria universidade livre e afrentada. Dá pra acreditar?”, referindo-se à Universidade Afrolatinas, lançada em 2023, fruto direto do legado do festival.

A gratuidade segue sendo um princípio fundamental: “Buscamos garantir acessibilidade real, geográfica, sensorial, comunicacional”, diz Jaqueline, destacando a presença do festival em diferentes territórios, como o Varjão, o Quilombo Mesquita e a Penitenciária Feminina do DF.

Mais do que um festival, o Latinidades é um projeto de futuro. “O aprendizado mais valioso é: quando caminhamos juntas, movemos mundos”, afirma sua fundadora. “O Latinidades é mais do que um festival é um território de reencantamento, utopias, imaginação radical negra e reinvenção.”

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Zezé Motta. Foto: Gabriel Soares/ Divulgação

Festival Latinidades 2025
Onde: Ceilândia, Museu Nacional da República e outros territórios do DF
Quando: Até 24 de agosto
Gratuito
Mais informações no site

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