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Entrevista com o Secretário de Cultura do DF

Arquivo Geral

14/03/2011 7h07

Anna Beatriz Lisbôa, Camilla Sanches e Guilherme Lobão
cultura@jornaldebrasilia.com.br

 

São 70 dias de trabalho apenas à frente da Secretaria de Cultura do Distrito Federal. Neste período, o secretário Hamilton Pereira, que volta à função exercida durante o governo Cristovam Buarque nos anos 90, conseguiu fazer um primeiro diagnóstico da vida cultural de Brasília e, então, estabelecer prioridades e princípios para a nova gestão do GDF pelos próximos quatro anos que, segundo ele, tem como missão reerguer a autoestima da capital federal. Em entrevista exclusiva ao Jornal de Brasília, o secretário estabelece como ação imediata a recuperação dos espaços públicos, sobretudo o patrimônio histórico tombado pela Unesco. No campo imaterial, Hamilton pretende rever a política cultural do DF, com ênfase no diálogo com a classe artística local, na descentralização do fazer cultura, sem recorrer à muleta dos megashows, megaeventos. “Nós temos que reconstruir a ideia de que o estado não é o provedor do processo cultural, mas o indutor. Isso é fundamental para nós. Não creio que o megashow, como chegou até aqui, passe por si só um passaporte para a universalidade”, pontua.

 

Hamilton Pereira esteve na redação do Jornal de Brasília. Foto: Rafaella FeliccianoO primeiro desafio do seu mandato foi o Carnaval. Qual a avaliação que o senhor faz sobre esta primeira ação do mandato?

Temos uma avaliação muito positiva. Conseguimos fazer num prazo relativamente curto. Eu sempre digo que quem faz o Carnaval é o folião, não é o governo ou as estruturas. As estruturas viabilizam a festa. Conseguimos estabelecer um processo democrático, publicamos editais, fizemos um chamamento para os artistas da cidade, um aspecto que para nós é muito caro, porque nós temos que reerguer a autoestima de Brasília e, para isso, precisamos fortalecer nossas identidades. E os portadores dessas identidades são os artistas, que vivem nessas 30 cidades que compõem o Distrito Federal. Além disso, trabalhamos com austeridade, foi um Carnaval que não teve megashows, foi um momento de afirmação do talento, da criatividade dos artistas da cidade. Outro ponto: foi um Carnaval da transparência, ou seja, nós publicamos os recursos investidos antecipadamente, isso para nós é importante porque demarca um método de condução dos negócios públicos. O resultado disso foi que a população se reconheceu e participou. As pessoas foram para o Carnaval da Ceilândia, do Gran Folia, na Baratinha. Em todos os lugares tinha muita gente, isso para mim foi surpreendente. E conseguimos o resultado mais almejado: um Carnaval de paz, sem ocorrências graves.

 

Como está a casa hoje?

Nesses 70 dias de trabalho, conduzimos uma reestruturação da secretaria, que ainda está em curso e era absolutamente necessária. A estrutura anterior não correspondia a nenhuma política pública de cultura, por uma razão muito simples: não existia política pública de cultura. A secretaria era guiada pelo calendário de eventos, então ela era reativa e não indutora. 

 

Quais as prioridades?

Propus ao governador (Agnelo Queiroz), na reunião do secretariado, a constituição de um comitê gestor para recuperação do patrimônio histórico tombado pela Unesco, porque eu entendo que esta não deve ser uma ação restrita da Secretaria de Cultura, mas uma ação do governo do DF, que é guardião desse patrimônio junto com a sociedade. Não podemos cuidar adequadamente do patrimônio da Unesco sem envolvimento da sociedade. A segunda prioridade são as conferências de cultura. A terceira conferência está em curso e nós vamos cumprir as 30 prometidas, em cada uma das cidades, e mais outras 13 por linguagem (música, artes plásticas, dança, etc). Adotamos um método que é o de fazer um movimento na direção das cidades para ouvir as expectativas. Estas expectativas, que serão apresentadas em cada uma das conferências, serão sistematizadas como um subsídio para os quatro anos de mandato e eventualmente atualizadas, se houver necessidade. Esse processo já está escolhendo delegados, fazendo debate, elegendo, em cada uma das cidades, quais são as suas prioridades e expectativas. No dia 1º de maio, no Museu Nacional, vamos levar um documento ao governador com as propostas que as conferências definiram.

 

Hamilton Pereira esteve na redação do Jornal de Brasília. Foto: Rafaella FeliccianoQual é a sua expectativa de feedback dessas conferências?

Tudo isso está atado a um processo que responde a alguns objetivos, como o de descentralizar as ações de política da Secretaria de Cultura. Queremos democratizar o acesso, ou seja, lançar editais, ir para os chamamentos, escapar da política de clientela, da indicação sem critério, ou da rejeição de inimigos. O objetivo é republicanizar o processo. Adotar critérios que sejam minimanente transparentes no setor e minimamente reconhecidos e legitimados pela sociedade.

 

O diálogo com os artistas foi um dos compromissos assumidos quando da sua posse. Isso já ocorre?

Os artistas estão presentes nas reuniões, seja nas regiões administrativas, seja nas conferências por linguagem. O gabinete é visitado diariamente e as pessoas são recebidas. Avançamos bastante em algumas áreas mais organizadas. Conversamos com o pessoal da dança, cinema, artes visuais e música.

 

Qual dessas áreas é hoje a que necessita mais atenção?

Tem uma novidade que me surpreendeu quando assumi a pasta, que é a atividade circense, que eu não imaginava que Brasília tivesse tanta qualidade. Mas queremos fazer de Brasilia também a capital da leitura, como dizia o Agnelo, em campanha. E nós vamos trabalhar isso porque nos interessa restabelecer um forte vínculo entre a Secretaria de Cultura e a de Educação, que são duas coisas inseparáveis. Eu sempre digo que a educação é o braço organizado e organizador da cultura. Como a capital do País, temos que acolher e dar lugar às culturas que aqui chegaram e se sedimentaram nas cidade. Temos aqui quase 200 embaixadas. Temos que ter um diálogo com o mundo, e essa característica da cidade precisa ser recuperada, porque Brasília nos últimos dez anos se provincializou, se fechou sobre si mesma, com a aparência de que estava acolhendo o mundo e o que ela fez foi a política de megaeventos. Para nós é fundamental vincular aquilo que se produz aqui, aquilo que se produz no País e aquilo que recebemos.

 

Há chance de retomar as Temporadas Populares?

Pretendemos recuperar os princípios do projeto, que é amparado em quatro pilares: preços populares para tornar o serviço cultural acessível; descentralização, ou seja, levar espetáculos para todas as cidades; criação de espaço para artistas locais; e algo que fazíamos, que era articulação com a produção dos artistas em realizar um evento na cidade, como na Sala Villa-Lobos, com uma ou duas sessões num ponto cultural das cidades-satélites. 

 

Há também um compromisso feito para a revitalização dos espaços culturais. Em sua posse, o senhor deu ênfase ao Cine Brasília…

Estamos trabalhando num novo projeto para o Cine Brasília. Novo do ponto de vista da política para ocupar aquele espaço tão simbólico e valioso para a cultura da cidade. Trabalhamos para fazer dele um espaço vivo. A cada fim de ano se faz uma maquiagem para receber o Festival (de Brasília do Cinema Brasileiro) e não saímos disso. Como não se tem uma política de ocupação permanente, resulta que, no fim do ano que vem, tem que se fazer as mesmas obras feitas no ano passado, ou seja, estamos jogando dinheiro fora. Outro preocupação nossa é o Polo (de Cinema e Vídeo Grande Otelo), que está em ruínas. Fui lá visitar e vamos ter que recuperar  aquilo, devolver para ele a vocação formadora, fazer dali um espaço de qualificação. Temos que trabalhar na qualificação par a aprimorar o talento criador, porque ele precisa ser trabalhado, não pode ser concebido como uma coisa estanque.

 

Hamilton Pereira esteve na redação do Jornal de Brasília. Foto: Rafaella FeliccianoExiste previsão de reforma para o Teatro Nacional?

Tem sim, mas há uma urgência maior com o Cine Brasília, porque a do Teatro é uma reforma muito maior. 

 

E quanto ao Museu de Arte de Brasília (MAB)? Ele está abandonado e o acervo, segundo a última matéria que fizemos, está mal acondicionado no Museu Nacional.

O MAB está sitiado pela especulação imobiliária. Vamos trabalhar para romper isso. Quanto ao acervo do MAB, nossa preocupação é higienizar e recuperar as obras, que em parte está bem guardado e outra parte está em processo de deterioração. Já debatemos com a Associação de Amigos do MAB, porque ele não pode ser tratado isoladamente. Ele é o extremo de uma área que vai até  Concha Acústica, parte improtante daquela área é da nossa responsabilidade. Queremos integrar aquele espaço e fazer disputa com a especulação imobliária porque aquilo é uma área pública e é direito do cidadão chegar na Orla do Lago e poder desfrutar de espaços culturais adequados com conforto, para que a gente devolva aquilo para a sociedade.

 

Nos últimos anos, Brasília se tornou destino de grandes shows internacionais e uma reclamação constante dos produtores é a falta de espaços adequados para receber estes artistas. Como a Secretaria vê essa carência e pode atuar para contorná-la?

Para mim é bastante simples. Megashow não é prioridade da Secretaria. Se os produtores de megashows privados têm dificuldades de espaços físicos, esse não é um problema que nós vamos tratar como prioridade. A iniciativa privada tem que intervir. Não queremos chamar para nós a responsabilidade da intervenção porque isso não corresponde aos fatos. Nós temos espaços culturais públicos em estado de deterioração e temos que cuidar do que já existe. Se existe um mercado de grande porte para estes eventos – e eu sei que existe –  a iniciativa privada que se apresente, porque nós temos que reconstruir a ideia de que o estado não é o provedor do processo cultural, mas o indutor.  Não creio que o megashow passe por si só um passaporte para a universalidade.

 

De acordo com a Secretaria de Obras, a ideia é que o Estádio Mané Garrincha se torne uma grande arena multiuso. Como a Secretaria pretende participar desse processo?

A Secretaria está deixando de ser uma secretaria do entretenimento. Há um debate no mundo sobre o que fazer com essas grandes estruturas que ficam depois do fim dos grandes eventos esportivos. Nós, como Secretaria de Cultura, queremos intervir no debate  não apenas sobre a utilização posterior para utilização de espetáculos de música, dança, etc. Temos que articular as atividades esportivas com as culturais, tanto no momento em que o evento vai ocorrer, como no que vai se seguir, porque não podemos perder de vista uma coisa: nossa prioridade são os cidadãos de Brasília, os que ficam, não só os visitantes, que devemos acolher bem, mas temos obrigações permanentes com quem vive aqui, para que a gente ofereça respostas que sejam duradouras.

 

Pretende fazer uma segunda edição da Virada Cultural, que aconteceu ano passado.

Não. Temos que aprender com os erros e aquele evento foi algo que não funcionou. Queremos estabelecer um calendário para Brasília. Temos uma diversidade cultural enorme nessas 30 cidades. Por isso, estamos buscando descobrir a principal atividade que identifica esta e aquela cidade para incluir no calendário, de maneira que a Secretaria possa coordenar o processo.

 

Como a Secretaria pretende trabalhar a festa dos 51 anos de Brasília, de modo que seja atrativa, mas sem a gastança desenfreada de dinheiro público?

Começo pelo fim. Não será uma gastança. Primeiro, porque não tem dinheiro. E, sobretudo, porque tem outros critérios que orientam a nossa política. Aniversário é festa e o povo brasileiro adora uma festa. Ainda bem! Vamos fazer um momento de festa, sim, e vamos com os critérios que adotamos no Carnaval: austeridade, economia, transparência e descentralização. Não queremos que o 21 de abril seja o aniversário do Plano Piloto, que não convida para a festa as pessoas que o construíram, porque estas não moram no Plano Piloto. Estamos pensando em fazer ao longo do mês festas em alguns lugares do DF, entre os dias 2 de abril e 1º de maio, com mobilizações, eventos culturais e a concentração do 21 de abril, claro.

 

Como fica a Rádio Cultura na sua gestão?

Meu pedido de equipamento para a Rádio Cultura está na central de compras. Precisamos reequipar a rádio. O espaço no Teatro (Nacional) não era o melhor, porque debaixo da pirâmide fica difícil. O espaço da 508 não é ruim, pega bem (o sinal). Fizemos uma visita, conversamos com a equipe e vimos quais são as necessidades. Fizemos a planilha. E um tempo relativamente breve teremos a rádio reequipada. O que penso sobre a Rádio Cultura? Tem que ser uma rádio que reflita a pluralidade do que aqui se produz e pluralidade do que o Brasil produz; e com um olhar naquilo se produz no mundo. O selo dela é de difusão de cultura. Então ela tem que ter esse espectro. Para isso tem que recuperar acervo e tem que, na programação, refletir essa diversidade. A Rádio Cultura não pode ser a rádio do rock. Ou a rádio do sertanejo, ou a rádio do samba. Não. Tem que ser a rádio de tudo isso.

 

Quem dirige a rádio hoje?

Temos uma gerente. Mas ainda não definimos o conjunto da equipe. Ela está em caráter provisório. Nós estamos com uma dificuldade de recomposição com o corte de 50% dos cargos comissionados, portanto, isso vai levar um certo tempo para botar nos eixos.

 

E quanto ao quadro de funcionários da Secretaria?

Temos um concurso previsto, de cem vagas, para a Secretaria de Cultura como um todo. Tenho a minuta do edital, mas descobri um problema. Não havia nenhum gestor. Precisamos olhar isso, né? A Secretaria de Cultura não é a secretaria dos artistas. É a serviço do cidadão; então precisa de gestor. Coitados dos artistas. Deixem eles fazerem música, cinema, tal, para agradar a nós. Mas o lançamento edital é a Secretaria de Governo que define. Está havendo uma reestruturação geral, então não tem data para lançar nenhum concurso público.

 

Mas iso não tem a ver com o freio de arrumação da Dilma.

Aqui se fizesse o freio de arrumação da Dilma capotava o carro (risos). Mas está previsto o concurso. Só temos que aguardar a orientação da Secretaria de Governo.

 

Como estão seus planos para conter a bola de neve que virou o repasse dos recursos do FAC aos artistas nos últimos anos?

Do ponto de vista de recurso ele é o destinatário de 10,6% da receita líquida, só que ele não foi modernizado para tratar disso. Para poder gerir com agilidade, critério e transparência necessários. Pagamos a dívida de 2009. Pagamos a dívida de 2010. Tem algumas pendências ainda. Mas há problemas de prestação de contas inadequadas, certos vícios… Mas não queremos interromper. Não podemos interromper. O FAC é o principal instrumento de fomento da secretaria. Vamos lançar o edital 2011. A nossa expectativa é que saia no primeiro semestre. Depois vamos estudar como modernizar esse processo.

 

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