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Entre o conto e a crônica

Arquivo Geral

11/08/2013 10h33

Vale a pena falar da brasiliense Thesaurus, do editor português Victor Alegria. Esmero e carinho raro pelos livros que só mesmo uma editora pequena (mas séria e competente) conseguiria preservar. E na introdução de Não Conto, do angolano radicado em Portugal, Sérgio Almeida, nota-se uma complacência madura com o autor. A primeira impressão é a de que esse “editorial” é mais interessante do que os próprios contos do livro.

 

“A grandiloquência é matéria reservada aos maus ficcionistas, cujas existências vazias carecem de narrativas complexas. O quotidiano contém no seu íntimo todas as propriedades necessárias a uma correta exploração dos sentidos.” Daí a proximidade entre conto e  crônica. 

 

Nada que não possa piorar

Curto em extensão e baseado em acontecimentos simples e no inusitado, o conto se diferencia da crônica por ser ficcional, fugindo da “autenticidade” e com o “artificialismo”. E eis que iniciam os alvoroços de Sérgio Almeida: a primeira impressão estava certa. Com falsa modéstia em piadinhas eruditas e sem graça, típicas do estereótipo formal do português, ele cumpre à risca o tipo a ser evitado segundo o conterrâneo João Pereira Coutinho: “Só provincianos ou apedeutas se impressionam com quem escreve para impressionar”. Almeida escreve para impressionar e se revolta para impressionar. É aquela síndrome de “grande escritor humilde”, com pretensão de ironia fina e inteligente. Mas é uma ironia que enjoa, que dá tédio e canseira já no prefácio. Nada pior para começar um livro. E piora, dependendo do conto do livro. 

 

Conto ou crônica?

Em “Deus”, o autor mistura a angústia humana por respostas sobrenaturais com o som das fezes na água, no momento da evacuação. Mas em Não Conto, que dá título ao livro, explora com a personagem um perfil revelador. Eva é uma garota que busca com todas as forças ser sórdida e vulgar, desprezando as próprias qualidades. No final, porém, antes de seu suicídio, confessa num bilhete que o verdadeiro objetivo era simplesmente aproximar-se de um rapaz com estilo semelhante, e que  a rejeitara. Sérgio Almeida é Eva. Por trás da indiferença agressiva e do tom grotesco (visivelmente calculados) pode haver algo muito menos complexo do que a desilusão existencialista. Pode haver um simples e comum impulso de vida, o impulso da carência e do desejo de ser grande (um grande escritor, um intelectual respeitado). Já não sabemos, assim, se é um conto ou uma crônica. 

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