Menu
Viva

Confira, na íntegra, a entrevista com o presidente da Funarte, Sérgio Mamberti

Arquivo Geral

24/05/2010 6h55

Desde quando você assumiu a presidência da Funarte, tem defendido com frequência sua reestruturação. O objetivo era conseguir mais verba?

 

Desde que o ministro (Gilberto) Gil assumiu o MinC (sua gestão durou de 2003 a 2008), a gente tinha uma visão muito clara da fragilidade institucional do ministério como um todo. Nosso anseio era de um ministério forte, que realmente expressasse a importância estratégica da cultura. Então, havia todo um movimento e uma visão crítica no sentido de se lutar por mais orçamento. O governo Collor praticamente acabou com todos os mecanismos da cultura. A Funarte foi praticamente desmontada. Depois, o governo FHC começa a reconstituição verdadeira. Em função da exigüidade de recurso, (o MinC) começa a ser reconstruído a partir das leis (de incentivo), como uma panacéia, uma possibilidade de você conseguir financiar a produção cultural por meio da lei. E isso tinha se produzido até muito recentemente. Em 2006, o orçamento (do MinC)  era ínfimo, por volta de 0,2% (do orçamento total da União). E o resto era lei. Havia poucas políticas públicas sendo desenvolvidas. Desde o início, fizemos a reestruturação do ministério. Nessa reestruturação, a Funarte passou realmente a abrigar todas as artes e ter responsabilidade pela construção das políticas públicas para cada uma das linguagens. A gente percebeu claramente que era importante que tivesse um equilíbrio entre o dinheiro orçamentário e os recursos distribuídos por meio da lei (Rouanet). E a gente conseguiu. O ministro (Juca Ferreira), nessa luta para que a Funarte tivesse um orçamento mais condizente e não dependesse só dos patrocínios externos, percebeu que a luta no Congresso Nacional tem que ser acirrada. Ao mesmo tempo, é urgente que se faça alterações profundas na lei (Rouanet), que vem sendo discutida desde 2003. Tanto que a gente fez o projeto que está em tramitação, o Procultura. A gente também tem outra pauta no Congresso, a PEC (Proposta de Emenda Constitucional) 150, que estabelece que 2% (do orçamento da União) sejam destinados à cultura, assim como 1,5% a nível estadual e 1% a nível municipal.


No Brasil, há alguma área artística mais carente de apoio estatal?

 

Olha, na verdade, a carência faz parte do processo. Então, teatro e dança são editais extremamente importantes, porque eles agora não só são editais no nível da formação, mas também no de circulação. Os festivais de artes cênicas também foram contemplados (pelos editais). Ou seja, a gente ampliou também o espectro de ação do ministério em termos de políticas públicas. Tudo isso criou uma grande expectativa para esse ano. Nós chegamos a um patamar a que nunca tínhamos chegado. Isso é uma conquista da garra de toda a militância na área cultural, mas também do compromisso do ministro Juca (Ferreira) e de todo esforço nosso no sentido de fazer com que o Estado cumpra seu papel e não fique dependendo pura e exclusivamente das leis de incentivo. Os editais passam a ser um elemento importante porque é uma forma de fazer isso tudo democraticamente.

Desde 2003, o MinC conseguiu desembolsar somente 68% do orçamento autorizado. No primeiro trimestre desse ano, dos R$ 2,145 bilhões previstos, houve empenho (primeiro estágio da execução orçamentária) de somente R$ 223 milhões.

 

Aí tem um problema. Em primeiro lugar, a gente teve a liberação (de verba) só lá por volta de março. E também tivemos um decreto de contingenciamento (o corte dos recursos do MinC foi de 56,2%). Então, este ano, como existe um volume grande de editais, isso (a liberação de verba) atrasa um pouquinho. O ministério é considerado um dos ministérios de mais alto grau de execução. A Funarte, no ano passado, executou os seus 100%. Há todo um esforço do ministério para fazer os empenhos, para que a gente tenha condições de executar, no momento em que a gente tem essa condição excepcional de ter um orçamento bem mais robusto. Existe um compromisso de que toda a verba disponível seja gasta, para a gente poder reivindicar mais. Foi isso o que nos permitiu chegar ao patamar dos R$ 2 bilhões este ano. Mas não podemos contrariar a lei eleitoral. Por exemplo, repasses para municípios e estados não podem ser feitos depois do dia 3 de julho. Todas essas precauções estão sendo tomadas. Não está sendo nada fácil, porque o tempo é muito curto.

Segundo dados do Siafi (sistema de acompanhamento dos gastos públicos), em 2009, os gastos do próprio MinC em programas de incentivo e fomento se concentrou no eixo Rio-São Paulo, reproduzindo, em menor escala, o que ocorre com os recursos distribuídos via Lei Rouanet.

Existe todo um esforço no sentido de criar condições para que, vamos dizer… Há uma evolução bastante considerável no acesso de outras regiões do País às verbas do ministério. Tanto, que os editais se ampliaram bastante. Existe uma preocupação no sentido de garantir um equilíbrio regional. Mas, evidentemente, São Paulo e Rio têm, tradicionalmente, um volume de produção maior, o que faz com que haja uma proporcionalidade com relação a isso. Mas todo o esforço tem sido no sentido de criar um balanceamento nisso. Para você ter uma idéia, em 2010 todos os municípios do Acre tiveram conferências municipais (de cultura), todos os de Roraima também tiveram. Há uma grande mobilização, a gente tem feito oficinas e também tem procurado deixar (as inscrições em editais) num formato menos burocrático para que as pessoas possam estar usufruindo realmente dessas verbas.

Alguns espetáculos de artistas e grupos renomados, de grande apelo de mercado, conseguiram ser beneficiados pela Lei Rouanet. Por exemplo, em 2009, o músico Caetano Veloso utilizou a lei para a produção dos shows de uma turnê. Há intenção por parte do MinC de fazer com que essa verba chegue somente a projetos que não conseguiriam se bancar sem verba pública?

Essa é a proposta da reforma da lei (Rouanet). No caso do Caetano, o pleito dele estava absolutamente enquadrado na lei como ela é hoje. Quando a gente fala em criar os fundos setoriais, é justamente para transformar isso (os benefícios fiscais) em orçamento direto (do MinC) e fazer (a distribuição) através de editais. Isso é uma forma de garantir que a produção que, normalmente, não teria condições de ser viabilizada possa concorrer sem ter que depender da captação (junto a pessoas físicas e empresas). Mesmo assim (com a reforma da lei), ainda sobraria uma verba considerável que seria usada em função do mecenato como ele é hoje. A proposta do ministério é de que a iniciativa privada também dê sua parte e ofereça uma contrapartida (social). Isso tem sido uma das questões mais polêmicas. Eu acho que não é justo que só o governo invista. A lei foi criada justamente no sentido de fazer com que os empresários também trouxessem seus aportes e pudessem investir em espetáculos sem a necessidade do benefício fiscal.


Você espera que a proposta em tramitação no Congresso (a Procultura) evite que casos como o de Caetano se repitam?

Do jeito que é não será mais, certamente. Ela (a proposta) está sendo debatida. Estamos fazendo uma nova rodada de debates. Ela vai minimizar bastante essas desigualdades. O mecenato como ele é concebido hoje tem determinadas distorções que acabam ocorrendo. Hoje, com as contrapartidas e todas as correções que vêm sendo feitas, já temos uma lei muito mais próxima à proposta de que você fala. Eu não tenho nada contra o fato de a lei Rouanet ter uma relação com o mercado, mas desde que não haja uma desproporção entre o investimento do governo e a contrapartida social.

Muitos projetos realizados com financiamento do governo não chegam ao grande público. Essa situação pode ser revertida?

Isso é um desafio mesmo. A gente tem que ter condições não só de financiar, mas fazer com que as pessoas estejam a par daquilo que a gente vem realizando. Não tem sido fácil, porque muitas vezes, por questões políticas, a gente encontra dificuldades de divulgação. A gente teria que ter verba para uma mídia paga. Os espaços que existem hoje em jornais e revistas, diante do número das produções (culturais), é muito disputado. Então, toda essa luta para que todos os projetos cheguem na ponta encontra barreiras, obstáculos.

O que o governo tem feito para superá-los?

Cada vez mais, estão sendo feitos editais de circulação. A gente faz uma ampla divulgação através de releases, de tudo. Mas nós não temos condições, por exemplo, do ponto de vista inclusive empresarial, de custear uma mídia, porque o preço da mídia é muito alto. Muitas vezes, nos editais a gente até oferece uma assessoria de imprensa. Evidentemente, o artista mais conhecido acaba ficando com uma resposta melhor. Essa questão da divulgação é um desafio que requer ainda uma pactuação com a imprensa, como havia antigamente. Nem sempre cabem todos os espetáculos no roteiro do jornal.


Como seria feita essa pactuação com a imprensa?

É que, antigamente, até os anos 80, a imprensa dava pra gente… Quem não pudesse anunciar, tinha um “tijolinho” (pequena nota de divulgação), que era barato, o preço era subsidiado. Depois, desapareceram os tijolinhos. A gente teria que fazer um acordo de como ter uma mídia que pudesse estar sendo veiculada e que criasse uma possibilidade maior de divulgação. Teria que haver uma pactuação. Nos espaços que são de divulgação dos espetáculos nos jornais, há muitas companhias que conseguem fazer sua veiculação. Mas, no caso específico dos projetos que a gente apóia, normalmente são projetos que têm menos condições de fazer isso. A mídia é bastante cara e o espaço é muito disputado, mesmo o de reportagens.

Como você avalia que a imprensa tem noticiado a atuação do governo Lula na área da cultura?
Depende. Por exemplo, lançamos (em abril) esses editais (da Funarte), que são absolutamente inéditos do ponto de vista do volume e da abrangência que eles atingem. Eu acho que isso devia ter ocupado as capas dos cadernos de cultura. Muitas vezes sinto que existe uma visão um pouco superficial. O que é valorizado são aspectos críticos, a polêmica. Você pensa na 2ª Conferência Nacional de Cultura (realizada em março), que mobilizou em torno de 200 mil pessoas. Foi um espetáculo democrático extraordinário, principalmente se você comparar com a primeira conferência, de 2005, que mobilizou bem menos gente. Então, você vê o trabalho realizado ao longo desses oito anos. A gente conseguiu realmente dialogar com todo o Brasil, criar uma dimensão participativa e ao mesmo tempo crítica do nosso próprio processo. É um aspecto do jornalismo, a polêmica é sempre um atrativo do ponto de vista de interesse de que compra o jornal. Não estou desprezando esse aspecto. Mas acho que, do ponto de vista institucional, o que foi feito e o que está sendo feito tem pouco divulgação.

Você pode citar exemplos de polêmicas alimentadas pela imprensa?

 

A própria (proposta de reforma da) lei (Rouanet). Houve, por exemplo, acusações de autoritarismo, de dirigismo. A gente tem se referido a um Estado mais presente, não no sentido de dirigir o processo cultural, mas estar mais presente no sentido de criar as condições para que a sociedade se manifeste e trabalhe.

Em outubro do ano passado, o presidente Lula fez a seguinte declaração: “Não acho que o papel da imprensa é fiscalizar. É informar”. Alguns críticos consideraram a opinião autoritária. Você concorda com o que Lula disse?

Eu gosto muito da maneira como ele (Lula) se relaciona e governa. Eu não acredito que… Pode parecer que ele esteja contra uma possibilidade de a imprensa ter uma dimensão crítica. Mas ele é um democrata autêntico em toda a sua trajetória. Ele fez um governo absolutamente de diálogo, em todos os níveis. Eu acho que é importante que ela (a imprensa) tenha esse papel crítico, desde que seja a partir de uma observação de fatos.

    Você também pode gostar

    Assine nossa newsletter e
    mantenha-se bem informado