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Cinema

Rodrigo Aragão, herdeiro de Mojica Marins, chega à maturidade em Tiradentes

Sua habilidade como diretor e como maquiador (ótima virtude para um cineasta dedicado ao horror) aqui se mostra inteira e dedica-se a um assunto capaz de sensibilizar a garotada

Redação Jornal de Brasília

28/01/2025 15h31

rodrigo aragão

Foto: Reprodução

INÁCIO ARAUJO
TIRADENTES, MG (FOLHAPRESS)

Os primeiros dias da Mostra foram movimentados por “Uma Montanha em Movimento”, de Caetano Gotardo, e “Prédio Vazio”, de Rodrigo Aragão. O primeiro, do mesmo autor de “O que se Move”, chama a atenção, primeiro, pelo modo de produção: filme íntimo, filmado com celular, sem fotógrafo, sem equipe. Ali se impõe, desde logo, o tema do movimento, do corpo que se transforma, que se torna sonho ou memória.

Memória amorosa, no caso: tudo começa pela fala que um homem (o próprio Gotardo), que narra o fugaz namoro que viveu com outro homem. Depois, ele pede ao outro que se deixe filmar numa pose determinada, mas nunca terá uma resposta positiva.

Essa negativa gruda nele sob a forma de uma ausência tão obsessiva quanto dolorosa. Em torno dela girará o filme, mas também em torno da ambiguidade sonho/realidade, verdade/mentira , memória/equívoco. É o vazio que, a rigor, ocupa cada um de nós: a ausência de um ser que por algum motivo rejeitou nosso desejo.

Esse rico material, em boa parte conduzida pelo ótimo texto dito pelo protagonista (que não raro lembra a beleza do texto de “Hiroshima, Meu Amor”), parece o ensaio de um futuro filme. Se não for, estamos diante de um belíssimo miúra (como se costuma chamar os filmes nada comerciais), que, em todo caso, merece um belo corte para ficar num tempo mais exato.

Quanto a “Prédio Vazio”, parece sinalizar a maturidade de Aragão, herdeiro direto de Mojica Marins. Sua habilidade como diretor e como maquiador (ótima virtude para um cineasta dedicado ao horror) aqui se mostra inteira e dedica-se a um assunto capaz de sensibilizar a garotada, público preferencial do gênero: as relações entre mãe e filha, que podem ser de proteção ou repressão, de amor ou de ódio.

Isso vem envolto na atmosfera fantástica de um prédio sinistro da praia de Guarapari, no Espírito Santo. Como nem só de terror se vive, o filme tem uma abertura bem simpática à ironia e ao humor. Sim, é bem melhor do que o terror miserável que se vê habitualmente. Não tem a força de uma personagem como Zé do Caixão, que em cada praga lançava um olhar sinistro para o mundo simbólico dominado por crendices e religiões, mas “Prédio Vazio” pode muito bem chegar a um público amplo, inclusive internacional, desde que sua distribuição seja eficiente.

No mais, é preciso notar que a Mostra de Tiradentes cresceu. Longe de ser o festival quase íntimo de alguns anos atrás, agora acumula sessões, convidados, debates, fóruns. Seu foco original, que era a série Aurora, hoje se torna quase marginal, no meio de tantos eventos.

Gotardo e Aragão se reafirmam, cada um à sua maneira, como cineastas importantes do cinema contemporâneo no Brasil.

Como não dá para estar em vários lugares ao mesmo tempo, ficamos devendo uma primeira impressão do documentário “Milton Bituca Nascimento”, de Flávia Moraes, em que a Gullane faz sua homenagem à carreira do compositor agora retirado. E também do documentário indígena “Meu Pai Kaiowá”, de vários diretores, em que se narra a busca do pai pela protagonista, em meio às sinistras vicissitudes que marcam a existência dos indígenas. Delas, no entanto, começa a emergir a significativa representação dos povos nativos por eles mesmos.

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