O Cine Brasília recebeu, neste sábado (13), uma estreia marcada por intensidade, ousadia e a força da representatividade. Três produções distintas, mas que conversam diretamente com temas como corpo, memória e liberdade, abriram a Mostra Competitiva Nacional do 58º Festival de Brasília do Cinema Brasileiro: o longa Morte e vida Madalena (CE), de Guto Parente, e os curtas Logos (RS), de Britney Federline, e Safo (SP), de Rosana Urbes.
Na tela, a personagem Madalena se apresenta como metáfora das contradições contemporâneas: mulher, produtora de cinema, grávida, em luto e diante de uma câmera que nunca se apaga. Para o diretor cearense Guto Parente, o longa nasce de um desejo antigo: “Depois de 20 anos fazendo cinema, senti que era hora de olhar também para o outro lado da câmera. A equipe foi convidada para funções técnicas, mas também para atuar, para aparecer no filme. É uma comédia que aposta no deboche e na ironia, sem se levar tão a sério”, contou, antes da sessão.

A produção, marcada pelo espírito inventivo do chamado Cinema B, celebra as soluções criativas possíveis mesmo com poucos recursos. “Cinema A ou B não tem nada a ver com qualidade, tem a ver com orçamento. E, nesse sentido, me sinto muito conectado a esse modo de produção que exige inventividade para contar uma história”, explicou.
Diversidade de temas nos curtas exibidos
Já em Logos, Britney Federline estreia como diretora e roteirista trazendo uma narrativa que mistura documentário e ficção. A obra nasce de sua experiência de quase morte durante a pandemia, quando passou 14 dias entubada por complicações da covid-19. “Foi a primeira vez que eu me senti amada na vida, por toda a equipe hospitalar. Isso mexeu comigo, porque nossos corpos trans muitas vezes não enxergam o amor como possibilidade. Mas no processo do filme percebi, revisitando fotos, conversas com minha mãe e a parceria com a Isabelle, que esse afeto sempre existiu”, compartilhou.

A atriz Isabelle, que divide a cena com Britney, reforçou a força transformadora desse percurso criativo: “Eu sou muito apaixonada por tudo que a Britney faz, porque ela tem uma capacidade de ver o mundo com afeto. O Logos traz isso: o afeto como algo ativo, que transforma. O cinema tem essa magia de borrar as fronteiras entre realidade e ficção e abrir futuros possíveis”, disse.
Encerrando a noite, Safo, de Rosana Urbes, trouxe a poesia para o centro do debate. A diretora encontrou nos fragmentos da poetisa grega, que resistiram por séculos como único registro feminino na literatura ocidental, a força para compor uma animação delicada e potente. “Temos um hiato de cinco milênios em que Safo e os pedaços de sua obra são o único registro da expressão literária de uma mulher. Isso já era suficiente para um filme, mas, mergulhando em sua poesia, eu me apaixonei pelo que restou. O curta acabou sendo não apenas sobre ela, mas sobre a participação feminina na literatura como um todo”, explicou.

Rosana também destacou o caráter artesanal do processo criativo: “Safo foi feito por uma equipe pequena, idealista e muito talentosa. É um trabalho intimista, no estágio menos indústria que existe dentro da animação. Cada fotograma é construído manualmente, como uma realidade que só existe na imaginação até que a gente a crie com as próprias mãos. É um processo de imersão total, em que formas e cores acabam sugerindo ideias de roteiro”.