Com uma narrativa delicada e marcada pela ausência e pela lembrança, Nada, estreia do cineasta Adriano Guimarães, aposta numa fusão entre o cotidiano e o extraordinário. Evocando uma atmosfera de sutileza e introspecção, o filme se desdobra em camadas que remetem à fantasmagoria da memória, sem recorrer aos clichês do terror. Filme entra em cartaz hoje.
Ambientado em um cenário rural marcado por silêncios e estranhamentos, o longa acompanha Ana, artista plástica que, ao preparar uma nova exposição, é chamada de volta à fazenda onde cresceu. A doença misteriosa que acomete sua irmã, Tereza, uma condição que altera seus estados de consciência, obriga Ana a confrontar imagens do passado e enigmas ainda não resolvidos em sua própria história.
“Na vida cotidiana dos personagens, há a presença do mistério, do inexplicável. Memórias que não podem ser esquecidas emergem e são expostas”, explica o diretor. “Nada nasceu desse olhar que observa com curiosidade os personagens e os eventos que protagonizam, sem entendê-los muito bem.”
Inspirado pela obra do poeta Manoel de Barros e pelas experiências com textos de Samuel Beckett, Guimarães constrói um filme que, embora não reproduza diretamente os estilos desses autores, carrega “ecos de suas vozes”, como define o próprio diretor. A leitura de Livro sobre nada, de Manoel de Barros, foi um ponto de partida marcante: “Me impressionou a quebra na hierarquia entre as coisas, o olhar para o aparentemente desimportante, a naturalização de eventos extraordinários do cotidiano.”
A poética sugerida pelo roteiro se manifesta também na estética do filme. A fotografia de André Carvalheira aposta em enquadramentos fechados, provocando uma sensação de confinamento e introspecção. Já o desenho de som ganha papel narrativo central, evocando presenças e ausências com sutileza.
Em crítica publicada no Portal Meio Amargo, Bruno Carmelo observa: “O filme constrói a curiosa sensação de um tempo suspenso, um ritmo particular. Nada lida com o mistério sem a necessidade de soluções, apenas permitindo que o espectador se entregue a essa atmosfera hipnótica e melancólica.”
Desde sua estreia, Nada tem circulado por importantes festivais internacionais, incluindo eventos na Espanha, Rússia, Índia, Argentina, México e Colômbia. O filme foi reconhecido no 25º Festival de Cinema de Tiradentes (2022), onde venceu a categoria Work in Progress. Também foi premiado no Festival de Málaga com o WIP Iberoamericano e o Prêmio LatAm Cinema. No 57º Festival de Brasília do Cinema Brasileiro – Mostra Brasília, conquistou os troféus de Melhor Direção, Direção de Arte e Edição de Som.
Produzido com recursos do Fundo de Apoio à Cultura (FAC) do Distrito Federal, da Secretaria do Audiovisual (SAV) do Ministério da Cultura e do Fundo Setorial do Audiovisual, Nada marca a chegada de Adriano Guimarães ao cinema de ficção com um olhar sensível e uma narrativa que convida à contemplação.