A Mostra Competitiva Nacional do 58º Festival de Brasília do Cinema Brasileiro chegou ao fim na noite desta sexta (19), no Cine Brasília, com três obras que reforçaram a potência e a diversidade do cinema feito no país. O público acompanhou a estreia do longa Futuro Futuro, de Davi Pretto, e dos curtas Fogo Abismo, de Roni Sousa, e Replika, dirigido em parceria por Piratá Waurá e Heloisa Passos.
O gaúcho Davi Pretto encerrou a mostra com uma ficção científica que foge dos moldes hollywoodianos. Em Futuro Futuro, um homem sem memória vive em um mundo próximo, marcado por uma doença cognitiva que impede as pessoas de criarem imagens mentais. “Não é uma profecia, mas uma especulação. Interessa-me a ideia do futuro como sombra, algo que assombra mais do que antecipa. Esse assombro atravessa todo o filme”, explicou o diretor. Para ele, a proposta é inverter a lógica do gênero: “Se Foucault dizia que a filosofia é uma espécie de ficção científica, aqui buscamos o inverso — uma ficção científica que funciona como filosofia”.
Representando o Distrito Federal, Roni Sousa apresentou Fogo Abismo, curta que resgata lembranças da infância a partir de arquivos pessoais e fotografias antigas. “Lidar com a infância é sempre complexo, exige tempo e responsabilidade. O processo foi cuidadoso, feito com muita atenção às temáticas que queríamos discutir”, contou. Ao revisitar imagens familiares, o diretor encontrou uma dimensão coletiva. “Essas fotos não contam apenas a minha história, mas também a da minha comunidade. O íntimo se transforma em algo que atravessa a todos”, refletiu.

Encerrando a noite, Replika trouxe ao festival a força da ancestralidade indígena. O curta nasceu da colaboração entre o cineasta indígena Piratá Waurá, do povo Waujá, e a diretora Heloisa Passos, a partir da Gruta Sagrada Kamukwaka — parcialmente destruída, mas preservada através da arte e da réplica dos desenhos que nela existiam. “Para nós, a própria réplica já é uma tecnologia. É uma forma de dar continuidade à ancestralidade, para que esse conhecimento siga vivo”, afirmou Piratá. Heloisa destacou a potência da imagem como ferramenta de transformação. “O cinema permite que pessoas que nunca tiveram acesso à aldeia possam vivenciar essa cultura. Não se trata de destruir para construir, mas de refletir para construir”, disse.
Para a dupla, exibir o filme no Cine Brasília, no último dia da mostra, foi uma experiência simbólica. “É emocionante estar aqui. Esse cinema é histórico, um templo sagrado para quem ama cinema. Trazer o Xingu e a ancestralidade para essa tela é um presente”, celebrou Heloisa.

Com olhares distintos — do futuro distópico às memórias da infância, passando pela resistência indígena — a noite de encerramento destacou o caráter múltiplo e político do Festival de Brasília. O evento se despede neste sábado (20), às 17h, com a cerimônia de premiação seguida da exibição de A natureza das coisas invisíveis, de Rafaela Camelo.