Gustavo Mariani
Especial para o Jornal de Brasília
Na próxima quinta, dia 23 de agosto, o autor completaria cem anos de idade
Se ainda habitasse este planeta, Nelson Rodrigues seria, hoje, um pernambucano centenário – nasceu em 23 de agosto de 1912, em Recife. Estaria comemorando um século de convivências com rótulos de tarado, reacionário infiel e volúvel, só para citar poucos pejorativos, e colecionando elogios de gênio, para mais.
Na verdade, de tudo o que lhe imputaram, rigorosamente, ele só foi volúvel, pois apaixonava-se a cada piscar de olhos para uma fêmea. Teve várias paixões, mas só um amor de verdade, Elza, a primeira mulher, embora errasse nas contas quando disse ter tido três, entre tantas puladas de cerca. Lorota!
Nelson Rodrigues, um dos maiores teatrólogos brasileiros, convivia no Rio de Janeiro com tudo o que de ruim a pobreza e a baixaria do nível social dos moradores oferecia. Não foi à toa que, aos nove anos de idade, quando ele fez uma redação para ser lida em sala de aula, o tema foi um par de chifres que vira um dos maridos das vizinhanças usar. Um escândalo!
Polêmica
Rodrigues foi um intelectual que jamais se escondeu sob mantos ideológicos. Acusado de reacionário, dizia-se defensor da liberdade. Por ter horror ao comunismo, defendeu, abertamente, a Revolução de 31 Março de 1964, só perdendo a fé nos propósitos dos generais-presidentes quando Garrastazu Médici garantiu-lhe não haver tortura no Brasil – o que ele viu escancarado na pele do filho Nelsinho, que ligou-se ao MR-8 e passou sete anos na cadeia.
O apoio de Nelson Rodrigues aos militares serviu para ele salvar muitos intelectuais dos porões da ditadura, como Augusto Boal, Hélio Pelegrino, Zuenir Ventura, entre outros. Só não teve forças para desviar Nelsinho da luta armada. Chegou a negociar, com o general Médici um visto de saída do País para o rapaz, antes de ser preso, mas este, aos 24 anos, preferia ser guerrilheiro urbano.
Nelson era um sujeito desorganizado finaceiramente. Nunca teve independência financeira. Certa vez, vendeu, para o cinema, os direitos de Toda Nudez Será Castigada por apenas 500 dólares, enquanto a renda de bilheteria atingiu US$ 7,2 milhões. Indicada para representar o Brasil no Festival Internacional de Berlim, antes de sair do Brasil, a película foi retirada de cartaz e proibida pela Polícia Federal.
Obras
Admirado pelos patrões pelo que produzia e os fazia lucrar muito com suas crônicas, colunas ( como A Vida Como Ela É), folhetins (assinados Suzana Flag), novelas televisivas e livros, este pernambucano arretado parecia ter nascido para ser a própria polêmica.
Chegou a ter uma cabra pastando, em um quadro (A Cabra Vadia) de um programa de TV, para entrevistar personagens importantes de vários setores da vida nacional. Pior: classificou, de burro, o videoteipe, recurso mais moderno da então TV brasileira, durante discussões em uma mesa redonda das noites de domingo, por discordar de uma marcação do juiz, em um jogo do seu Fluminense. Seria capaz de preferir o inglês “centenial” ao correspondente português “centenário”, pois, em um estádio com tal nome (no Uruguai), o Brasil fora eliminado da Copa do Mundo 1930, e, para ele, a seleção era a pátria em chuteiras.
Temática variada
Nelson Rodrigues teve, sempre, no jornalismo esportivo um porto seguro. Foi um dos seus grandes ganha-pão, por toda a vida. No entanto, em O Globo, certa vez, encheu o saco das quatro linhas, e decidiu escrever sobre óperas. O editor riu em sua cara. Onde já se viu um repórter esportivo se meter a tanto? Pois ele foi lá e mostrou o seu veneno. Conhecia o terreno.
Um pouco antes, quando o pai lhe permitira ser cronista cultural, em seu jornal (Crítica), teve de rebaixá-lo a repórter policial, por escrever verdades sobre o inabalável mito Ruy Barbosa, de quem a “inteligentzia” brasileira não ousava criticar.
Pela coragem de estampar incestos, adultérios, suicídios, abortos e “etceteras” que a sociedade praticava, mas não assumia, Rodrigues tornou-se maldito, elemento nocivo ao bem-estar comum da família brasileira. Em defesa desta, principalmente de uma de suas principais instituições, o casamento, o governo chegou a passar por cima da Constituição, para proibi-lo, o que não era novidade. Às vezes, exagerava. Implicância! Tanto que até a Igreja o apoiava, mesmo com suas críticas aos “padres de passeatas”, como classificava os sacerdotes de esquerda. O certo, porém, foi que, com ou sem apoio, Nelson teve a peça – Álbum de Família – passando quase 20 anos interditada.
Legado
Durante sua rica carreira, trabalhou em diversas redações: Crítica, O Globo, Diário da Noite, O Jornal, Última Hora, Correio da Manhã, Jornal dos Sports, Manchete Esportiva, O Cruzeiro, TV Rio e TV Globo.
Mestre em pregar peças aos velhos, novos e ex-amigos, com a mesma categoria que escandalizava seus leitores e espectadores, ele saiu de cena do jeito que a sua vida pedia: com uma peça pregada pelo destino. No início da manhã de 21 de dezembro de 1980, tornou-se uma pessoa espiritual.
Ao final da rodada do futebol daquele domingo, acertou os 13 pontos da Loteria Esportiva, grande sonho dos brasileiros da época Não deu pra ele escrever a coluna sobre o “Sortudo do Além”, digamos. Seguramente, seria munição para um texto bem “nelsonrodriguesano”. Evidentemente, com ele no papel principal.
Emissoras homenageiam
O programa Sala de Notícias, exibido pelo canal Futura (NET 32, SKY 8 e Via Embratel 24), presta homenagem a Nelson Rodrigues e aborda a genialidade do escritor em suas crônicas futebolísticas. Amanhã, às 14h30, a emissora exibirá O Futebol Imortal de Nelson Rodrigues.
O programa, que ganha reprise na quinta-feira, às 23h30, mostra o motivo de as crônicas futebolísticas de Nelson Rodrigues serem consideradas as melhores já produzidas no gênero no País.
Até o dia 11 de setembro, sempre à 0h15, o Canal Brasil (NET 66) exibe uma mostra em homenagem ao centenário de nascimento de Nelson Rodrigues. Apresentada pela atriz Leona Cavalli, a Mostra Centenário Nelson Rodrigues vai exibir dez filmes, entre versões contemporâneas e clássicas, baseados na obra do célebre dramaturgo.
A programação especial exibe amanhã com o Engraçadinha Depois dos Trinta (1966), dirigido por J. B. Tanko. O filme marca a estreia no cinema de Fernando Torres. Na terça, é a vez de Engraçadinha (1981), longa-metragem do cineasta Haroldo Marinho Barbosa protagonizado por Lucélia Santos.