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Arte transformadora

Arquivo Geral

29/09/2010 7h00

 

Foto: Reprodução do quadro Mujer (1969), de Joan Miró

 

Camilla Sanches
camilla.sanches@jornaldebrasilia.com.br

O pintor espanhol Joan Miró dizia que “mais importante do que a obra de arte propriamente dita é o que ela vai gerar”. A arte desse catalão de Barcelona rendeu muitos frutos e alguns deles estarão expostos, a partir de hoje até 25 de novembro, no Museu Nacional da República, na mostra Los 24 Escalones y Joan Miró

A mostra reúne 18 obras do artista ao lado de trabalhos de cinco jovens talentos espanhóis que tiveram a oportunidade de adentrar o mundo particular de Miró (na Fundação que leva seu nome na Espanha) e compor peças especialmente para a exposição.

Pinturas, litografias, esculturas, além do filme Jeux d’Efants (um bailado do balé de Monte Carlo no qual Miró atuou como cenógrafo) e o livro Constellations compõem o acervo da mostra que está espalhada pelo Museu Nacional.

O nome da exposição, segundo o curador Jorge Díez, é uma referência a 39 Degraus, romance de John Buchan, levado ao cinema pelo cineasta Alfred Hitchcock, em 1935, e à escada da que leva ao Espai 13, uma das salas da fundação reservada para a arte emergente. “Este espaço está no caminho da coleção de obras expostas na Fundação Miró. Para chegar a esta sala você deve usar uma escada para baixo, o que aumenta a sensação de estranhamento quando você se depara com os projetos expostos”, explica Díez. 

Em 1975, o artista inaugurou a Fundação Miró, com o intuito de criar um espaço para que se  transformasse em centro dinamizador da cultura e promotor de novas tendências nas artes, como ele próprio definiu. A ideia do pintor era que o lugar permanecesse atento e aberto ao surgimento dessas propostas artísticas. Assim é até hoje, quase três décadas depois de sua morte.

Los 24 Escalones y Joan Miró – De hoje a 25 de novembro, no Museu Nacional do Conjunto Cultural da República (Esplanada dos Ministérios). Abertura, hoje, às 20h. Visitação, de terça a domingo, das 9h às 18h30. Entrada franca. Informações: 3325- 5220.

 

ENTREVISTA / JORGE DÍEZ

 

Quais as características da obra de Miró?

 A obra de Miró e a de (Pablo) Picasso marcam um ponto excepcional como referências da arte do século XX. Joan Miró teve uma carreira longa que coincidiu com vários movimentos da arte moderna, mas foi capaz de manter sua própria linha, após a formação clássica que o levou a experimentar diferentes tipos de mídias e linguagens. Esta liberdade pessoal e criativa parece ser muito significativa. É importante destacar atitude de Miró sempre aberta à experimentação, a relação diária com o meio ambiente  para incorporá-lo em suas obras, bem como a colaboração com outros artistas e criadores em qualquer campo. 

 

Como foi a seleção dos cinco artistas que mantém diálogo com a obra de Miró na exposição? O que cada um tem em comum com a obra do pintor e escultor? 

Pensei em mostrar um panorama da arte contemporânea espanhola, com uma variedade de abordagens e de mídia, que permitisse a cada um dos artistas selecionados tentar um diálogo com a obra e a prática de Miró. Para isso, nos reunimos vários dias na Fundação Joan Miró, tanto para retornar ao seu trabalho como para conhecer obras não expostas. Após esta primeira reunião, cada artista começou a trabalhar em uma intervenção especificamente concebida para o Espai 13. O processo durou vários meses e cinco projetos foram produzidos e exibidos no hall da sala, entre o outono de 2008 e o verão de 2009. Através das intervenções de vídeo, fotografia, instalação, desenho ou colagem Javier Arce, Raul Belinchón, Diana Larrea, e Juan López e Abigail  Lazkoz  transformaram o espaço de exposição e convidaram o espectador para a construção de vários passeios e leituras das obras e do legado do nosso homenageado. Agora, em Brasília, esse diálogo é enriquecido pelos cinco trabalhos apresentados em simultâneo com a intervenção específica de Juan Lopez na rampa dentro do museu e o desenho no mural Soldados, de Abigail Lazkoz que, confrontados com diversas obras de Miró, permitem contextualizar melhor o projecto, além de oferecer ao público brasileiro a oportunidade de desfrutar de uma abordagem direta sobre o mestre catalão e uma importante amostra da arte emergente espanhola.

 

Miró dizia que “Mais importante do que a obra de arte propriamente dita é o que ela vai gerar. A arte pode morrer; um quadro desaparecer. O que conta é a semente”. Qual a semente deixada pela obra de Joan Miró?

Neste sentido, é importante destacar que foi o próprio Miró quem exigiu que a Fundação, além de conservar sua obra, estivesse aberta às propostas das novas gerações e ao estudo e documentação sobre a toda a arte contemporânea. Esta é uma das sementes mais frutíferas do artista, que permitiu, desde os anos setenta, um trabalho continuado da Fundação, com jovens artistas emergentes.

 

Qual é a proposta da exposição 24 Escalones y Joan Miró? 

Juan López  tem como referência as colagens de Miró e o interesse comum pelo uso de materiais simples e que estejam ao alcance das mãos. Ele intervém utilizando técnicas como o desenho e a instalação de vídeo. Dá continuidade com este trabalho a intervenções em murais, onde modifica a visão do espaço através do desenho com fita isolante e imagens fotográficas. No Museu, o trabalho dele se articula em torno da rampa interior que comunica os dois lados da exposição e próximo ao local em que o filme do balé Jeux d’enfants, estrelado pelo Balé Russo de Montecarlo, em abril de 1932, com cenografia, vestuário e objetos desenhados por Miró. Este filme sem som remete à Guerra Civil espanhola pontuada pela série Barcelona no filme Miró 37- Aidez l’Espagne, de Pere Portabella, que antecede as seis litografias da série mencionada e que está inclusa na exposição. 

A proposta de Javier Arce faz uma reflexão sobre os usos e abusos das imagens da obra de arte com a pretenção de diluir os limites entre cultura de elite e cultura de massas e de transgredir as fronteiras estabelecidas entre a arte e a vida. Trata-se de uma instalação integrada por dois trabalhos que partem do gesto de Andy Warhol com seu Brillo Boz, na Stable Gallery, de Nova York, 1964. 

Próxima a escultórica instalação de Javier Arce está a pequena peça de Miró, Personaje (1949), um dos bronzes feitos com argila, em meados da década de 1940 e o filme Miró l’altre, de Pere Portabella, feito durante a intervenção do artista em 1969 na fachada de vidro do Colégio de Arquitetos de Barcelona. Ao fundo das intervenções de Juan López, Diana Larrea y Javier Arce, encontramos três desenhos de 1973 e as pinturas Mujer (1969), Personaje en la noche (1974), La primera chispa del día II (1966) e Letras y cifras atraídas por una chispa I (1968), junto com o Proyecto del pavimento de cerámica del Pla de l’Os, Barcelona (1976), um dos únicos trabalhos de artista para o espaço público. Tudo isso, em frente aos desenhos de Abigail Lazkoz, na parede oposta. Esta artista tem atuado em ocasiões diversas sobre as paredes das salas de exposição preenchendo-as com murais que narram cenas individuais e coletivas do ciclo da vida e da morte pessoal ou social. Raúl Belinchón concentra-se, por último, num dos temas minorianos por excelência: a terra, essa força criadora e paisagem que vincula a experiência vital ao gosto pela matéria, frente ao formalismo, com uma busca permanente do ancestral e da confluencia com os astros, a fertilidade e as culturas agrícolas. Trata-se de um projeto fotográfico sobre a terra e sua paisagem, uma viagem dentro dela na tentativa de imaginas outras realidades.

 

Por que o nome da exposição é Los 24 Escalones Y Joan Miró?

A escolha do nome foi relacionada com a estranheza de muitas pessoas diante da arte contemporânea, apesar de grande parte delas serem consumidoras da arte difundida pelos meios de comunicação e as indústrias da cultura. Neste sentido, por vontade do próprio Miró, a Fundação dedica um espaço à arte emergente, o Espai 13. Este espaço está dentro do caminho onde a coleção de obras do Miró estão expostas. Para chegar à sala, é necessário utilizar uma escada, que, de acordo com a descida, aumenta a sensação de estranheza dos visitantes quando encontram as peças ali expostas. No encontro preparatório com os artistas, vimos também a biblioteca pessoal de Joan Miró, que não é aberta ao público. Entre os livros, me chamou a atenção uma série de novelas policiaís dos anos 30 e personagens como Fantomas, tão distantes e alheios para os jovens de hoje como as propostas artísticas a que me referia. Tudo isso me levou a parafrasear o romance 39 Degraus, de Jonh Buchan, levado ao cinema pelo cineasta Alfred Hitchcock.

 

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