Celine Song continua sua jornada de explorar o amor por lentes inesperadas em seu segundo longa, Amores Materialistas, que estreia nesta quinta-feira (31). Após conquistar o público com a melancolia de Vidas Passadas, a cineasta mergulha em um território mais afiado, perspicaz e, ao mesmo tempo, intrigante. Com Dakota Johnson no papel principal, a obra acompanha uma casamenteira profissional que, ao navegar pelos labirintos do amor e do dinheiro, reflete sobre um cenário que, embora se passe na elite de Nova York, ressoa com as complexidades dos relacionamentos no mundo moderno.
Lucy, vivida por Johnson, é uma casamenteira implacável, cuja visão pragmática do amor se reflete em uma carreira que combina perfeição e frieza. Ao contrário das comédias românticas tradicionais, onde o amor é quase uma entrega mágica, Amores Materialistas se desenrola como uma dissecção das expectativas irreais que hoje governam o namoro e os relacionamentos. O dinheiro, claro, é o fio condutor da narrativa – e não de maneira sutil. A questão que o filme coloca é clara: o amor, como qualquer outro produto na sociedade de consumo, é tratado como uma transação.

A busca pelo par ideal é abordada com uma crítica feroz às armadilhas da modernidade: o culto à perfeição estética, os padrões de altura, renda e até a obsessão por uma compatibilidade infinita. O filme, com seu realismo brutal, mergulha nas desconfortáveis verdades do mercado de namoro. O humor de Lucy ao lidar com clientes exigentes não é apenas uma defesa cínica, mas uma maneira de transformar a dor do mercado em uma habilidade profissional. O tom ácido é, no entanto, suavizado pela busca de Lucy por algo além do superficial – e é aqui que Amores Materialistas realmente brilha.
Com uma direção de arte refinada e um guarda-roupa minimalista e elegante, o filme de Song oferece uma estética luxuosa que, paradoxalmente, aponta para a superficialidade da classe alta. Porém, o filme se distanciaria do vazio das comédias românticas convencionais se não fosse pela atuação de Johnson. Sua interpretação é impressionante; ao exibir uma mulher emocionalmente bloqueada, mas ainda assim vulnerável, ela constrói uma personagem difícil de amar, mas impossível de ignorar.

A dinâmica entre Lucy e os dois homens que surgem em sua vida – o sofisticado investidor Harry (Pedro Pascal) e o ex-namorado falido, John (Chris Evans) – é o verdadeiro ponto de tensão do filme. Pascal traz a elegância esperada, mas a falta de química entre ele e Johnson faz com que o romance entre os dois seja mais uma transação do que uma história de amor convincente. Já a relação de Lucy com John, embora mais fluida, se perde em uma narrativa que, às vezes, se vê mais presa à reflexão sobre o amor do que à concretização dele.
O filme quebra as convenções de sua própria estrutura ao não entregar os clichês de um final feliz ou uma resolução efervescente. Não há a típica descoberta cinematográfica de que o amor é uma questão de destino ou magia. Em vez disso, Amores Materialistas nos leva por um caminho mais sombrio e realista, onde o romance não é mais sobre sentimentos, mas sobre escolhas, negociações e, até certo ponto, sobre ascensão social. A tragédia aqui é a de um mercado saturado de opções, mas sem espaço para um real amor incondicional.


O roteiro de Song se destaca pela sagacidade com que captura o distanciamento do mundo moderno. Cada fala de Lucy, cada interação com seus clientes, reflete o paradoxo de um amor que é, simultaneamente, uma busca por conexão emocional e uma transação financeira. As observações sobre o impacto do dinheiro nos relacionamentos – especialmente no que tange às expectativas de gênero e classe – são brilhantes, mas também desconcertantes. O filme nos força a encarar as falhas do sistema, sem nunca cair em conclusões simplistas.
Amores Materialistas, no entanto, não é apenas um estudo sobre os problemas da sociedade moderna, mas também uma meditação sobre o próprio ato de se relacionar. O personagem de Chris Evans, embora encantador, é uma reminiscência do homem comum, que, apesar de suas dificuldades financeiras, tem um apelo genuíno. Sua química com Johnson traz à tona o dilema central do filme: pode o amor existir fora dos padrões materiais impostos pela sociedade?
Se Amores Materialistas fosse uma equação, seu resultado não seria nem felicidade pura, nem tristeza absoluta. A obra de Song ressoa como um exercício de auto-reflexão para o público, onde o amor e o dinheiro se entrelaçam de maneiras complexas e nem sempre confortáveis. O filme não promete respostas fáceis. Em vez disso, ele oferece um espelho, mostrando o quão distantes estamos de uma visão romântica idealizada do amor.

Ao contrário de Sex and the City, que sempre buscou uma leveza escapista ao abordar temas como o amor e a busca por aceitação, Amores Materialistas nos desafia a considerar os custos – não apenas financeiros, mas emocionais – de viver em uma sociedade onde o romance é, cada vez mais, um contrato negociado. E, embora o filme possa não atrair todos com sua abordagem mais sombria e introspectiva, ele merece ser visto por sua honestidade brutal e pela maneira com que redefine as comédias românticas para o século XXI.
Conclusão
No fim, Amores Materialistas é uma obra que, assim como seus personagens, luta contra as expectativas impostas a ela. Seu tom realista e muitas vezes desconcertante pode não agradar a todos, mas sua mensagem – de que o amor, assim como tudo no mundo moderno, é uma negociação – não poderia ser mais pertinente.
Confira o trailer:
Ficha Técnica
Direção: Celine Song;
Roteiro: Celine Song;
Elenco: Dakota Johnson, Chris Evans, Pedro Pascal, Zoë Winters, Martin Ireland, Dasha Nekrasova, Emmy Wheeler, Louisa Jacobson, Eddie Cahill, John Magaro;
Gênero: Romance, Comédia Romantica;
Duração: 116 minutos;
Distribuição: Sony Pictures;
Classificação indicativa: 14 anos;
Assistiu ao filme em uma sessão de pré estreia paga