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Saúde

Cresce número de fraudes em casos de doação de esperma

Há poucos remédios jurídicos para os pais que receberam o sêmen errado

Lindauro Gomes

21/06/2019 9h07

Dezessete anos atrás, quando estava na casa dos 30 anos, Cindy e sua companheira decidiram que queriam ter filhos. O casal passou horas analisando o perfil de doadores de esperma, finalmente optando por um homem com excelente ficha médica e poucos problemas de saúde no histórico familiar. Conheciam o doador apenas pelo seu número de identificação.

Cindy deu à luz um menino saudável e, posteriormente, usou o mesmo doador para gerar outro menino. Quando eram mais velhos, os irmãos encontraram alguns de seus meios-irmãos ao pesquisar o número do doador do esperma em um banco de dados na internet. Os pais dos meios-irmãos acabaram pedindo que todos realizassem testes de DNA.

O resultado revelou que os meninos de Cindy não tinham parentesco com as outras crianças. O banco de esperma tinha vendido a ela sêmen de um doador diferente daquele que ela selecionou tão cuidadosamente. Posteriormente, ela descobriu que seu histórico familiar era problemático: uma avó morrera de câncer no cérebro e um avô teve mal de Alzheimer.

Ninguém acompanha o número de pessoas que descobrem nos Estados Unidos que o esperma comprado não é do doador de sua escolha. Mas, na era dos testes de DNA ao alcance do consumidor, um número cada vez maior de pais e seus filhos concebidos com a ajuda de doadores está descobrindo que o banco de esperma ou clínica de fertilidade forneceu o sêmen errado, frequentemente décadas após o ocorrido.

“São histórias de cortar o coração, e muito desafiadoras do ponto de vista da lei”, disse Dov Fox, especialista em bioética da Universidade de San Diego, na Califórnia. “Os bancos de esperma são sujeitos a rigorosas regulamentações, e esse tipo de confusão não é totalmente inimaginável quando ficamos sabendo do número de bancos de esperma que usam métodos antiquados para a identificação, como papel e caneta.”

Melissa, uma mãe solteira de Massachusetts, descobriu ter recebido o esperma errado da clínica de fertilidade quando a filha de 21 fez um teste de DNA. “Não é o mesmo que um estupro”, disse Melissa. “Foi um procedimento médico. Mas é algo no meu corpo colocado contra a minha vontade, e sinto-me fisicamente violada.”

Há poucos remédios jurídicos para os pais que receberam o sêmen errado. Alguns podem dizer que receber o esperma errado seria um caso de fraude, mas faz tempo que os tribunais consideram que não há prejuízo se a criança nasce saudável. “Um tribunal pode dizer, você não recebeu do doador desejado, mas como saber se o resultado foi pior? Como afirmar que um doador é melhor do que outro?” disse Sonia Suter, professora de direito da Universidade George Washington, em Washington, especializada em bioética.

Ainda que a United States Food and Drug Administration (agência de vigilância sanitária dos EUA) regulamente tecidos reprodutivos como o esperma e os óvulos para evitar a transmissão de doenças, o processo de seleção de doadores não é regulamentado. Reformas jurídicas devem estar a caminho, suscitadas em parte por um caso profundamente perturbador. Nos anos 1970 e 1980, um médico especialista em fertilidade de Indiana usou o próprio esperma para engravidar pelo menos 46 mulheres.

Hoje, sessenta pessoas acreditam que esse médico é seu pai biológico, e várias delas pressionaram para que “fraude de fertilidade” fosse considerada um crime grave no estado. A lei, assinada em maio, torna Indiana um dos poucos estados que regulamentam a concepção e os doadores.

Mas Fox, professor de direito, acredita que as proteções devem ir mais longe. Ele propôs um novo conceito, “procriação frustrada”, segundo o qual os tribunais reconheceriam o prejuízo quando as escolhas reprodutivas são prejudicadas pela negligência ou incompetência de terceiros.

Em um teste inicial desse conceito, a suprema corte de Singapura julgou em 2017 um caso envolvendo esperma trocado acidentalmente por uma clínica de fertilidade, o que resultou em um filho mestiço para um casal. O tribunal descreveu um novo tipo de prejuízo – perda de “afinidade genética” – e concedeu ao casal 30% do custo de se criar a criança, ou cerca de US$ 233 mil.

Fox acredita que esse tipo de medida jurídica pode ajudar a combater as ações e a inação das clínicas – seu fracasso ao testar as condições hereditárias dos doadores e a falha na identificação das amostras de sêmen. “Há toda uma constelação de práticas desleixadas que resultaram em pais com filhos que têm metade do seu DNA vindo de pessoas cujas características nada têm a ver com aquelas anunciadas”, disse Fox.

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