Querô, de Carlos Cortez, levantou a platéia do Cine Brasília nesta noite de quinta-feira. O filme, segundo paulista na competição oficial do festival de cinema, conta a história de Querô, um garoto abandonado que tenta afirmar sua identidade no meio da miséria e do crime, vivido pelo ótimo estreante Maxwel Nascimento, de 16 anos.
O cinema, de 606 lugares, estava superlotado e com muita gente sentada nos corredores. A maioria se levantou para aplaudir o filme e assobiar por dez minutos, que mostra uma visão amarga da realidade dos jovens pobres no Brasil.
Uma realidade, aliás, que não é nova, uma vez que o enredo adapta o romance Querô – Uma Reportagem Maldita, escrito pelo paulista Plínio Marcos (1935-1999) na década de 70.
A boa acolhida mudou a expectativa inicial, que dava como possíveis favoritos a premiações os dois filmes que serão exibidos neste fim de semana. O Baixio das Bestas, de Cláudio Assis – premiado em Brasília, em 2002, com Amarelo Manga – e o aguardado Batismo de Sangue, do mineiro Helvécio Ratton, com Caio Blat e Daniel Oliveira no papel de frades dominicanos que apoiaram a luta armada nos anos 70.
Surpreendendo com sua qualidade, inclusive técnica, e sua contundência, Querô credenciou-se já como possível premiado aqui.
Querô, que na verdade se chama Jerônimo da Piedade, é órfão, filho de uma prostituta (Maria Luísa Mendonça) que se matou tomando querosene – o que vale o apelido ao filho. Ele é criado pela dona do prostíbulo (Ângela Leal), mas logo foge, por causa de maus-tratos. A partir daí, erra nas ruas, vai parar na Febem e luta desesperadamente contra a violência que teima em dominar o seu destino.
Com um ritmo frenético que o aproxima, temática e formalmente, de filmes como Cidade de Deus, de Fernando Meirelles, e mesmo Pixote – A Lei do Mais Fraco, de Hector Babenco, Querô transmite um naturalismo que remete a um documentário, mesmo não sendo, e revela um compromisso social que foi confirmado pelo diretor.
Ao apresentar seu trabalho, na noite de quinta-feira, Cortez declarou qual é sua ambição com ele: "Espero que o nosso filme lance um pouco mais de humanidade sobre a imagem da grande quantidade de meninos e meninas abandonados deste País".
Documentarista premiado por filmes como Seu Nenê de Vila Matilde e Geraldo Filme, Carlos Cortez pretendia fazer um documentário sobre Plínio Marcos. Este não o autorizou, mas em compensação deu-lhe carta branca para adaptar Querô, que se tornou também seu filme de estréia na ficção. O diretor chamou então os roteiristas Bráulio Mantovani, de Cidade de Deus, e Luiz Bolognesi, de Bicho de Sete Cabeças.
À medida que desenvolveu a produção, Cortez foi deixando cada vez mais o roteiro de lado e confiando mais nas improvisações que surgiam no set de filmagens com seu elenco – formado por 40 adolescentes selecionados em escolas, casas, cortiços e ruas de Santos, São Vicente, Guarujá e Cubatão (SP) e que foram treinados em oficinas de interpretação.
Além do elenco afinado, em que se destacam também os atores Aílton Graça (Contra Todos) e Milhem Cortaz (Carandiru), outro fator que sustenta o ritmo de Querô é a montagem ágil de Paulo Sacramento, que foi também o diretor do premiado documentário O Prisioneiro da Grade de Ferro. Na trilha sonora, está André Abujamra.