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Política & Poder

Tribunal especial afasta governador de SC por 180 dias para seguir com processo de impeachment

Cinco desembargadores sorteados e cinco deputados estaduais escolhidos votaram por dar continuidade ao processo de impeachment

Redação Jornal de Brasília

24/10/2020 9h01

Paula Sperb
Porto Alegre, RS

O Tribunal Especial decidiu, por 6 votos contra 4, que o governador de Santa Catarina, Carlos Moisés (PSL), deve ser afastado por até 180 dias (seis meses) de seu cargo.

Esse colegiado é composto por cinco desembargadores sorteados e cinco deputados estaduais escolhidos. A maioria votou por dar continuidade ao processo de impeachment em vez de arquivá-lo.

O afastamento, confirmado na madrugada deste sábado (24), não é o impeachment definitivo, que pode ocorrer ou não, ao final de todo o processo.

A votação da denúncia contra a vice-governadora, Daniela Reinehr (sem partido), resultou em empate. Por isso, o desembargador Ricardo Roesler, presidente do Tribunal de Justiça de Santa Catarina (TJ-SC), foi o responsável pelo desempate, votando pelo arquivamento.

Assim, Reinehr deve assumir o governo do estado durante o afastamento de Moisés. Inicialmente, a expectativa dos adversários do governador era a de que o presidente da Assembleia, Julio Garcia (PSD), assumisse o cargo com o afastamento de ambos.

Garcia foi denunciado recentemente pelo Ministério Público Federal por suposta lavagem de dinheiro quando era conselheiro do Tribunal de Contas do Estado.

Se o impeachment for concluído ainda em 2020, são convocadas novas eleições diretas. Caso o processo se arraste até 2021, há uma eleição indireta, na qual os deputados escolhem o novo governador. Denunciado, o presidente da Casa é o favorito neste caso.

A justificativa oficial para o processo contra o governador é ter igualado o salário dos procuradores do Executivo ao do Legislativo. O governador foi acusado de “trair Bolsonaro” por deputados do seu partido.

Além deste caso, a Assembleia abriu um segundo processo de impeachment para investigar a compra de respiradores durante a pandemia do novo coronavírus.

Kennedy Nunes (PSD), o relator, votou pela admissibilidade do processo. “Não me sinto na certeza de dizer se os dois acusados são culpados ou inocentes”, disse Nunes.

Ele levou um inversor elétrico e mostrou o aparelho estragado como metáfora do processo. “É preciso que este tribunal faça o que a fábrica [do aparelho] mandou fazer: abrir para saber se temos condições de trocar a peça ou todo o equipamento.”

Contra o governador, o deputado Sargento Lima (PSL) disse que sua missão na Assembleia é “ajudar Jair Bolsonaro a criar um novo Brasil”.

“Não pode ser a impopularidade de um político o motivo para removê-lo de um cargo democraticamente alcançado”, disse o desembargador Antônio Rizelo. Do mesmo modo, acrescentou, a “popularidade” de um político também não pode ocasionar sua “perpetuação no poder”.

“Decisão transitada em julgado se cumpre, se não, se quebra o sistema”, disse o desembargador Rubens Schulz, sobre o governador ter cumprido determinação da Justiça para equiparar os salários dos procuradores.

Na opinião de especialistas ouvidos pela Folha, processos deste tipo podem acabar “banalizados” se usados para tirar governadores e prefeitos fragilizados por não possuírem maioria no Legislativo e podem criar instabilidade política.

Além disso, as justificativas para o impedimento podem até ser corretas juridicamente, mas não necessariamente graves o bastante para acionar o “último recurso”.

Entre os que queriam abertura do processo estavam os deputados bolsonaristas de seu próprio partido.

“O impeachment tem sido distorcido, criando instabilidade política e tirando o peso da escolha dos eleitores”, avalia Aloísio Zimmer, advogado especialista em direito administrativo.

Na interpretação de Zimmer, o acréscimo no salário dos procuradores do Executivo para igualar aos do Legislativo, deveria ter passado por votação da Assembleia. Porém o advogado entende que deveria haver “juízo de intensidade da gravidade”.

“Ilegalidades ocorrem no cotidianos das administrações e podem se resolver a partir de uma denúncia do Ministério Público, inquéritos, pela ação do Tribunal de Contas. O impeachment seria para o mais grave. Mas, muitas vezes é a primeira medida, quando se perde apoio na casa legislativa. É mais um vício do que virtude do sistema”, diz Zimmer.

Para ele, governadores e prefeitos estão sendo julgados por crime de “governabilidade” e não de “responsabilidade”.

O prefeito de Porto Alegre, Nelson Marchezan Jr. (PSDB), enfrenta um processo de impeachment às vésperas da eleição municipal —ele não consolidou a base na Câmara Municipal.

Em Caxias do Sul, na serra gaúcha, Daniel Guerra (PRB) foi eleito em 2016 com 63% dos votos, derrotando o candidato apoiado por 21 partidos na eleição. Guerra sofreu impeachment em dezembro de 2019.

Professor de direito na Ufpel (Universidade Federal de Pelotas), Matteo Chiarelli explica que a previsão legal do impeachment no Brasil pode ser comparada a dos Estados Unidos.

Chiarelli ressalta, entretanto, que os norte-americanos nunca levaram um impeachment presidencial adiante. No Brasil, foram dois desde a Constituição de 1988: Collor e Dilma.

“De algo que deveria ser raro, acabou sendo usado mais comumente porque acaba influenciando Assembleias e Câmaras de Vereadores, que invocam o impeachment mais facilmente. Isso cria uma instabilidade porque o gestor, que deveria estar preocupado em governar, fica preocupado em se defender. Deveria ser a última medida, não deveria se banalizar o uso do impeachment para garantir que se respeite a vontade popular”, diz Chiarelli.

Sobre o motivo apresentado para afastar o governador catarinense, Chiarelli entende que a questão do salário dos procuradores deveria ter passado pela Assembleia. Porém a decisão sobre enquadrar a situação como “crime de responsabilidade” acaba sendo política e não jurídica.

Para o doutor em direito e professor da Imed Porto Alegre, Gustavo Santanna, a equiparação salarial que motivou o impeachment de Moisés não precisava passar pela Assembleia porque o governo estadual obedeceu a uma decisão judicial.

A decisão foi uma resposta ao mandado de segurança coletivo da Associação dos Procuradores do Estado.

“Não foi uma iniciativa do Executivo, mas uma decisão judicial. Um aumento se caracteriza por um projeto de lei a ser aprovado pelos deputados. Porém, o que ocorreu foi o cumprimento de uma decisão de equiparação de subsídio”, explica Santanna.

Portanto o governador agiu corretamente, na visão do professor. “Se não implementasse, a equiparação, aí, sim, estaria cometendo um crime de responsabilidade”, diz Santanna.

Ele concorda com os demais especialistas sobre o uso político do impeachment, quando um governante perde a maioria. Especialmente depois de 2016, quando a presidente Dilma Rousseff (PT) foi afastada.

Para Santanna, situações como a de Santa Catarina e Porto Alegre mostram que o fenômeno pode ocorrer com políticos de qualquer partido.

“A qual dos dois senhores servir?”, pergunta o professor da Unipampa (Universidade Federal do Pampa), Jair Pereira Coitinho.

Ele se refere ao fato de um aumento salarial exigir votação e de que a equiparação aos procuradores atendeu a uma decisão judicial. “Ele também poderia ser denunciado por não ter obedecido à decisão.”

Para Coitinho, como a avaliação final cabe aos deputados, a decisão é essencialmente política. “Acaba demonstrando mais uma represália do Legislativo ou do tribunal formado do que propriamente uma falha grave ou deliberada do gestor.”

Segundo o professor, o impeachment pode resultar em “uma forma indireta de contrariar a maioria” porque afasta quem foi eleito para cumprir um mandato.

Ainda assim, o impeachment é um mecanismo importante para conter maus gestores, que desrespeitem a lei, observa o professor da Furg (Universidade Federal de Rio Grande), Rafael Fonseca Ferreira.

“Impedir um político eleito majoritariamente é sempre um sobressalto democrático, porém, como sabemos, a Constituição e as Leis são feitas para resistir, quando necessário, inclusive, às maiorias”, diz.

“Não é bom, ou melhor, não estamos acostumados, mas faz parte do jogo democrático, a competência material é do parlamento, não do judiciário”, opina Ferreira.

ENTENDA O PROCESSO DE IMPEACHMENT EM SANTA CATARINA

Com o afastamento, quem assume o cargo? Com o afastamento do governador, quem assume é a vice-governadora Daniela Reinehr (sem partido). Se ambos fossem afastados, quem assumiria interinamente seria o presidente da Assembleia, Julio Garcia (PSD).

Por quanto tempo o afastamento pode durar? O governador é afastado por até 180 dias enquanto corre o processo. Se o impeachment for concluído ainda em 2020, são convocadas novas eleições diretas. Caso o processo se arraste até 2021, há uma eleição indireta, na qual os deputados escolhem o novo governador. O presidente da Casa é o favorito neste caso.

Qual o perfil do atual presidente da Assembleia Legislativa de Santa Catarina? Julio Garcia (PSD) é considerado uma figura de fácil diálogo e respeitado pela maioria dos colegas. Recentemente, porém, ele foi denunciado pelo Ministério Público Federal (MPF) por suposta lavagem de dinheiro quando era conselheiro do TCE (Tribunal de Contas do Estado).

O governador está sendo julgado por qual crime exatamente? A denúncia é de autoria do ex-defensor público Ralf Zimmer Junior. Para ele, Moisés cometeu crime de responsabilidade ao conceder, em 2019, reajuste salarial aos procuradores do estado por meio de decisão administrativa, sem aprovação da Assembleia.

Quais outros desgastes pesam contra ele? O governador pode ser responsabilizado pela compra de 200 respiradores com pagamento adiantado de R$ 33 milhões. “Estávamos em desespero”, chegou a justificar, por causa da pandemia de Covid-19. Moisés tem sido chamado de “traidor de Bolsonaro” por ter se afastado das pautas radicais. Com isso, perdeu apoio de cinco dos seis deputados do PSL no estado.

Qual o tamanho da base do governador na Assembleia? Seis deputados, de 40, apoiaram Moisés na votação pela continuidade do processo de impeachment. Porém o governador chegou a conseguir unanimidade quando propôs a reforma administrativa do estado, aprovada em 2019 com votos inclusive do PT.

As informações são da FolhaPress

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