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Política & Poder

STF nega maioria dos pedidos de soltura em casos similares ao de André do Rap

O ministro Marco Aurélio foi o relator dos pedidos em quase todos os casos de soltura. Ele concedeu os habeas corpus em decisões liminares

Redação Jornal de Brasília

26/10/2020 6h26

Foto: Divulgação

Ricardo Balthazar e Daniel Mariani
São Paulo, DF

Ministros do Supremo Tribunal Federal negaram a maioria dos pedidos de presos que recorreram à corte em busca de liberdade com o mesmo argumento que permitiu a soltura de André de Oliveira Macedo, o André do Rap, um dos chefes da facção criminosa PCC (Primeiro Comando da Capital).

Condenado por tráfico de drogas, André do Rap estava preso em caráter provisório desde dezembro, mas o ministro Marco Aurélio Mello considerou a prisão ilegal e mandou soltá-lo no início do mês, observando que outras instâncias da Justiça não reavaliaram a ordem de prisão no prazo exigido pela lei.

Levantamento feito pela Folha encontrou no site do tribunal 653 habeas corpus que usaram o mesmo argumento. A análise dos processos mostra que os ministros do Supremo negaram 513 pedidos, equivalentes a 79% do total. A soltura dos presos foi determinada em 133 casos, correspondentes a 20%.

Marco Aurélio foi o relator dos pedidos em quase todos os casos de soltura. Ele concedeu os habeas corpus em decisões liminares, ou seja, de caráter provisório. Todas que foram julgadas depois pela Primeira Turma do tribunal, colegiado do qual o ministro faz parte, foram derrubadas mais tarde.

Desde dezembro, quando entrou em vigor mudança introduzida no artigo 316 do Código de Processo Penal pelo pacote anticrime aprovado pelo Congresso no ano passado, a legislação passou a exigir que prisões preventivas sejam reexaminadas pela Justiça a cada 90 dias, tornando ilegais as que não forem reafirmadas dentro desse prazo.

Marco Aurélio considera a falta de revisão da ordem de prisão motivo suficiente para a soltura, mas os outros ministros do Supremo entendem que a libertação dos presos não pode ser automática nesses casos, como deixaram claro no julgamento em que a liminar que soltou André do Rap foi revogada.

O presidente do STF, ministro Luiz Fux, suspendeu a decisão de Marco Aurélio e submeteu o caso ao plenário da corte. No último dia 15, os outros oito ministros se alinharam com Fux e votaram pela revogação da ordem de soltura, apesar de fazerem ressalvas à maneira como Fux interveio no processo.

André do Rap continuou solto, porque as autoridades não o encontraram no endereço que ele informara à Justiça quando foram buscá-lo, e agora é considerado foragido. Outros 20 presos soltos por Marco Aurélio neste ano estão foragidos, segundo levantamento do jornal O Estado de S. Paulo.

O tribunal aprovou no julgamento uma tese para orientação das instâncias inferiores, estabelecendo que o descumprimento da obrigação prevista pela lei não implica revogação automática das ordens de prisão, e que os juízes responsáveis devem ser instados a reexaminar seus fundamentos nesses casos.

De acordo com o levantamento da Folha, a questão não chegou a ser analisada na maioria dos pedidos de habeas corpus que a levaram ao STF. A jurisprudência do tribunal permite que os ministros descartem os pedidos quando sua discussão nas outras instâncias ainda não estiver esgotada.

Nas raras ocasiões em que concederam habeas corpus em casos semelhantes ao de André do Rap, os colegas de Marco Aurélio o fizeram em caráter excepcional, para corrigir ilegalidades que apontaram nos processos. Nenhum apontou a falta de revisão da ordem de prisão como razão para soltura.

Edson Fachin soltou dois condenados por tráfico de drogas porque as penas impostas por suas sentenças permitem o cumprimento em regime semiaberto, tornando sem sentido a prisão preventiva em regime fechado. Rosa Weber mandou soltar outro condenado por tráfico de drogas pelo mesmo motivo.

Gilmar Mendes soltou sete presos, a maioria por entender que os fatos apontados como justificativa para a prisão preventiva eram muito antigos e não poderiam ser usados para fundamentá-las tanto tempo depois, antes que os acusados sejam julgados e tenham seus casos examinados em outros tribunais.

A legislação brasileira permite que uma pessoa seja presa preventivamente, mesmo sem condenação definitiva, quando sua liberdade representar ameaça à ordem pública, atrapalhar investigações em curso ou impedir a aplicação da lei, desde que a ordem de prisão seja fundamentada pelo juiz responsável.

Cármen Lúcia e Ricardo Lewandowski determinaram que os juízes da primeira instância reavaliassem a necessidade de prisão preventiva nos casos em que identificaram o descumprimento da obrigação legal, evitando assim mandar soltar os presos automaticamente como Marco Aurélio fez com André do Rap.

Fux e os ministros Alexandre de Moraes e Luís Roberto Barroso não concederam nenhum habeas corpus em casos similares ao do chefe do PCC, argumentando que não haviam encontrado ilegalidades que justificassem alguma medida antes do esgotamento da discussão em instâncias inferiores.

O próprio Marco Aurélio negou a maioria dos habeas corpus que recebeu, observando que as ordens de prisão tinham sido reafirmadas no prazo legal e não havia outras ilegalidades que justificassem sua intervenção. O ministro negou 139 pedidos similares ao de André do Rap, 53% do total de casos que julgou.

Em nove casos, Marco Aurélio determinou a soltura de presos que tinham sido mandados de volta à cadeia pela Primeira Turma, depois da derrubada das suas liminares. O ministro argumentou que as ordens de prisão que mantinham essas pessoas detidas continuavam à espera da revisão exigida pela legislação.

“Marco Aurélio tem aplicado a lei tal como foi escrita e aprovada pelo Congresso”, diz o professor Thiago Bottino, da Escola de Direito da Fundação Getúlio Vargas (FGV) no Rio. “Ao contrariar a opinião da maioria do colegiado, no entanto, suas decisões monocráticas tornam o sistema de justiça disfuncional”.

Em artigo publicado pelos sites Jota e Consultor Jurídico na semana passada, o ministro reafirmou seu ponto de vista sobre a exigência de reavaliação das prisões. “A garantia em análise é linear e alcança todo e qualquer custodiado, pouco importando a imputação a lhe recair sobre os ombros”, escreveu.

As informações são do jornal O Estado de S. Paulo

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