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Política & Poder

Se atuação do Brasil nos faz um pária internacional, que sejamos esse pária, diz chanceler

A fala foi marcada por referências e termos frequentemente usados pelo chanceler, um dos principais expoentes da chamada ala ideológica do governo

Redação Jornal de Brasília

22/10/2020 16h01

Ricardo Della Coletta
Brasília, DF

Em uma defesa da atuação do governo Jair Bolsonaro, o chanceler Ernesto Araújo disse nesta quinta-feira (22) que, se a nova política externa do Brasil “faz de nós um pária internacional, então que sejamos esse pária”.

As declarações de Ernesto, que comanda o Itamaraty desde o início do mandato de Bolsonaro, ocorreram durante a cerimônia de formatura do Instituto Rio Branco, a escola de formação de diplomatas.

A fala foi marcada por referências e termos frequentemente usados pelo chanceler, um dos principais expoentes da chamada ala ideológica do governo.

Foram queixas contra o multilateralismo e o que ele chamou de “covidismo”, além de críticas a um marxismo sem Deus e ao globalismo -slogan político usado por movimentos populistas de direita para denunciar, entre outros temas, a suposta perda de identidade nacional.

“Nos discursos de abertura da Assembleia Geral das Nações Unidas, por exemplo, os presidentes Bolsonaro e [Donald] Trump [dos EUA] foram praticamente os únicos a falar em liberdade. Naquela organização que foi fundada no princípio da liberdade, mas que a esqueceu”, disse Ernesto, em um discurso de 40 minutos.

“Sim, o Brasil hoje fala em liberdade através do mundo. Se isso faz de nós um pária internacional então que sejamos esse pária”.

A política externa conduzida por Ernesto -marcada por um alinhamento estreito com o governo Trump, a antagonização com a China e a defesa de pautas conservadoras em fóruns multilaterais- é criticada por analistas e até mesmo por embaixadores aposentados.

Um dos principais argumentos levantados por esses críticos é que posturas radicais adotadas pela diplomacia brasileira podem deixar o país em situação de isolamento.

“Talvez seja melhor ser esse pária deixado ao relento, do lado de fora, do que ser um conviva no banquete do cinismo interesseiro dos globalistas, dos corruptos e dos semi-corruptos”, acrescentou Ernesto.

“É bom ser pária. Esse pária aqui, esse Brasil; essa política do povo brasileiro, essa política externa Severina -digamos assim- tem conseguido resultados”, emendou, listando entendimentos comerciais celebrados com a União Europeia e Estados Unidos e a aproximação com países como Arábia Saudita e Emirados Árabes Unidos.

Ernesto Araújo fez referência à obra-prima do poeta e diplomata João Cabral de Melo Neto (1920-1999), escolhido pelos formandos como homenageado da turma.

Além do personagem que dá nome ao livro Morte e Vida Severina e que é lembrado como símbolo do brasileiro mais pobre e sofrido, Ernesto também fez alusão ao nome para contar sobre uma trabalhadora doméstica que sua família empregou na década 80.

Segundo ele, essa trabalhadora, chamada Severina, “odiava o comunismo” porque eles “são contra Deus”.

Se Ernesto fez elogios à obra de Melo Neto, não lhe poupou críticas por, segundo ele, ter se dirigido “para o lado errado, para o lado do marxismo e da esquerda”.

“Sua utopia, esse comunismo brasileiro de que alguns ainda estão falando até hoje, constituía em substituir esse Brasil sofrido pobre e problemático [retratado na obra de Melo Neto] por um não-Brasil. Um Brasil sem patriotismo, sujeito naquela época aos desígnios de Moscou e hoje, nesse novo conceito de comunismo brasileiro, sujeito aos desígnios sabe-se lá de quem”, afirmou o chanceler.

Esse tipo de acusação não é nova na história de Melo Neto. Em 1952, o poeta, então servindo em Londres, foi acusado de liderar uma célula comunista dentro Itamaraty. Após uma campanha na imprensa, ele foi afastado da chancelaria sem vencimentos. Só seria reintegrado em 1955, após ser absolvido pelo STF (Supremo Tribunal Federal) no ano anterior.

A formatura de alunos do Rio Branco é um evento anual que conta com a presença do presidente da República e dos principais ministros do governo.

A realização da edição deste ano em plena pandemia da Covid-19, no entanto, gerou polêmica uma vez que participaram da solenidade dentro do Palácio do Itamaraty centenas de pessoas, entre diplomatas, autoridades, familiares e homenageados. Muitos não usavam máscaras.

O Sinditamaraty (Sindicato Nacional dos Servidores do Ministério de Relações Exteriores) publicou nota em que “manifesta preocupação com a organização de um evento presencial de grande porte, uma vez que os casos e mortes por infecção da Covid-19 ainda não estão controlados no Brasil”.

Num discurso em que se queixou por ser tratado como “ideológico”, Ernesto também acusou a esquerda de reduzir tudo a “conceitos como gênero e raça” e de querer promover “a ditadura do politicamente correto e da criação de órgãos de controle da verdade”.

“Todo isentão é escravo de algum marxista defunto”, disse. “Tratar os conservadores de ideológicos é o epítome da prática marxista-leninista: chame-os do que você é, acuse-os do que você faz”.

Para o chanceler, movimentos marxistas de esquerda têm a “utopia de um Brasil sem Deus”, de um povo “arrancado aos braços da sua fé cristã”, citando como exemplo protestos sociais no Chile em que manifestantes colocaram fogo em igrejas.

Em outra denúncia do que chama de “estratégia marxista”, Ernesto disse que esse movimento toma preocupações legítimas em temas como o meio ambiente e mudanças climáticas e as transforma em ismos -no caso, ambientalismo e climatismo.

E fez alusão semelhante à Covid-19, usando o termo Covidismo.

“Tomam uma doença causada por um vírus, a Covid e tentam transformá-la num gigantesco aparato prescritivo, destinado a reformatar e controlar todas as relações sociais e econômicas do planeta, o covidismo”.

A Covid-19 soma até o momento mais de 5,2 milhões de infectados no Brasil e 155,4 mil mortos.

As informações são da Folhapress

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