Menu
Política & Poder

Polarização política atrapalha atenção à pandemia, dizem cientistas políticos

Especialistas consideram que a rachadura se intensificou em 2014 e influenciou as últimas eleições

Redação Jornal de Brasília

04/06/2020 11h41

Samara Schwingel e Thais Batista
Jornal de Brasília / Agência UniCEUB

O Brasil é o segundo país que mais acredita que a sociedade, como instituição, está corrompida. De acordo com os dados da Global Advisor “Populist and Nativist Sentiment in 2019”, pesquisa da Ipsos, 73% dos brasileiros concordam que é necessário um líder forte para recuperar o país. Essa polarização política mostra que a sociedade não sabe qual caminho seguir e, segundo especialistas, essa tendência pode ser perigosa para um país que atravessa uma pandemia.

 

O professor Leonardo Barreto, doutor em ciência política, afirma que a polarização é um processo comum em sistemas democráticos. Para ele, o real problema é a radicalização das ideologias. Ele explica que esse fenômeno ocorre quando as elites políticas se fragmentam. “Este é um sintoma que leva a sociedade a impasses que muitas vezes são resolvidos com o uso da força, como no golpe de 1964 – que encerrou um período de radicalização”, diz.

Já para o cientista político André de Carvalho, o Brasil não vive uma polarização ideológica e sim afetiva. “Tem a ver com a rejeição a determinados líderes e não necessariamente as posições ideológicas deles ou com o partido do qual fazem parte. As atuais lideranças do Brasil que são responsáveis por polarizar o país”, defende.

Uma pesquisa da Universidade de Vanderbilt (EUA), que estuda a opinião pública latino-americana, mostrou que em 2017, um ano antes da eleição no Brasil, o número de eleitores que rejeitavam todos os principais partidos cresceu significamente. “Existiam eleitores que rejeitavam fortemente o PT, mas também eleitores que rejeitavam fortemente o PSDB e o MDB. O sentimento não é antipetista, é anti sistema, os eleitores na verdade rejeitam todos os partidos“, complementou André.

Direita e esquerda

O processo de radicalização que reflete no atual cenário teve início em meados de 2014, quando, segundo Leonardo, o eleitor mediano se deslocou para os extremos. “Isso fez com que os partidos adotassem discursos mais radicais e assim temos a percepção de que o país está mais dividido”, diz.

Uma pesquisa da Revista Galileu sobre o comportamento dos eleitores brasileiros no Facebook mostram que no final de 2013, aqueles que concordavam mais com as políticas de direita se uniram em torno da questão da corrupção. Já os de esquerda, concentraram esforços em programas sociais e serviços públicos. Essa questões mobilizaram os partidos políticos a centralizarem suas pautas e assim, esquerda e direita ficaram cada vez mais distantes politicamente e socialmente.

O estudo aponta ainda que de 2014 a 2016 a polarização se intensificou. Usuários do facebook que antes compreendiam seis comunidades de interesse, passaram a se enquadrar em dois grupos distintos com pouca ou nenhuma concordância, os conservadores e progressistas. “A polarização do eleitorado obriga os partidos a adotarem posições mais claras. Se há uma base de eleitores que apoiam determinadas políticas públicas e rejeitam fortemente outras, significa que para que o partidos consigam sobreviver e aumentar o apoio de suas bases, eles vão precisar ser consistentes em relação aos posicionamentos que aderem”, explica André de Carvalho.

Rafael Favetti, cientista político, considera que as eleições de 2018 foram dominadas por um tipo específico de eleitor: o antipetista. Segundo ele, o movimento existe desde 1989 e a cada processo eleitoral tendia a crescer. “O PSDB era o partido que conseguia vencer a disputa contra o PT. Mas, a partir de 2014, o candidato Jair Bolsonaro canalizou todo o antipetismo e classificou todo o espectro fora da extrema direita como petista”, afirma.

“Bolsonaro aproveitou o desencanto político da população, se elegeu fazendo um discurso contra a política e contra os partidos, embora ele tivesse sido um deputado federal por muito tempo, ou seja, ele também já era um político. Ele capitalizou em cima dessa rejeição ao PT”, também concorda André de Carvalho, sobre as últimas eleições presidenciais. Para o especialista, tal fato se deu pelo longo período em que o Partido dos Trabalhadores esteve no poder e o envolvimento com esquemas de corrupção, que fizeram o eleitor associar a sigla ao sistema político.

Pandemia

Em cenário de crise, questões como essas cresceram. Após a Organização Mundial da Saúde (OMS), em 11 de março, declarar pandemia da Covid-19, países do mundo todo começaram a se mobilizar para enfrentar a doença. O Brasil entrou pra essa lista, mas a falta de articulação política entre os poderes e de concordância entre o presidente Bolsonaro e lideranças ministeriais, intensificaram não só a crise sanitária mas também fortificou a instabilidade política.

A pandemia é diretamente influenciada pelo cenário político do país, segundo Leonardo Barreto. “As autoridades públicas não conseguem ter unidade de discurso e gerenciamento e isso pode ser muito perigoso, pois as pessoas ficam sem saber em quem confiar”, diz. Ele ainda considera que a polarização muito forte tende a gerar prejuízos. “A política se torna um jogo de tudo ou nada e com isso não conseguimos avançar constitucionalmente. Politicamente não é saudável”, explica o especialista.

Leonardo adiciona que o Brasil só conseguirá superar a atual polarização quando os agentes políticos chegarem a um consenso a respeito do caminho a ser seguido. “Quando 60% ou 70% das pessoas concordarem, os partidos tendem a formular propostas que atendam a essa parcela da população”, diz. Assim, ele acredita que o eleitor mediano sairá dos extremos e o país pode superar a rachadura que cresceu nos últimos anos.

    Você também pode gostar

    Assine nossa newsletter e
    mantenha-se bem informado