“Os tempos são estranhos”…
Ao JBr, Marco Aurélio Mello afirma que possibilidade de candidatura avulsa é inconstitucional
Diz o artigo 14 da Constituição Federal, no seu parágrafo 3º, inciso IV, que só podem ser eleitos aqueles que têm filiação partidária.
A despeito, porém, da clara indicação constitucional, a possibilidade de serem admitidas candidaturas avulsas – ou seja, de pessoas que não são filiadas a um partido político – está sendo discutida no Supremo Tribunal Federal (STF) e foi motivo de uma audiência púbica pedida pelo ministro Luiz Roberto Barroso, relator do tema.
Para o ministro Marco Aurélio Mello, em declaração exclusiva ao Jornal de Brasília, se o Supremo vier a decidir qualquer coisa diferente da inconstitucionalidade da candidatura avulsa, isso será consequência de o país viver “tempos estranhos”, onde “tudo é possível”.
A declaração do magistrado ao JBr aconteceu durante a cerimônia de outorga de Medalha do Mérito da Procuradoria Geral do Distrito Federal, no Palácio do Buriti. Marco Aurélio Mello foi um dos agraciados com a honraria.
“É cláusula constitucional de elegibilidade a filiação partidária, mas os tempos são estranhos e tudo é possível”, avaliou o ministro.
Audiência
O STF realizou, ontem, por convocação do ministro Luís Roberto Barroso, audiência pública para tratar do tema. Barroso é relator de um recurso extraordinário que contesta decisão da Justiça Eleitoral do Rio que suspendeu registros de candidatura a prefeito e a vice de duas pessoas por entender, assim como Marco Aurélio, que a filiação partidária é uma condição de elegibilidade.
O ministro Barroso disse que liberará a matéria para ser apreciada pelo plenário do STF no primeiro semestre do próximo ano. O caso tem repercussão geral reconhecida.
O ministro Marco Aurélio disse que a candidatura sem filiação partidária é inconstitucional com base no artigo 14, da Constituição Federal, que estabelece no parágrafo 3º, inciso V, que a filiação partidária é condição para ser eleito.
Barroso explicou que realização de audiência pública foi uma possibilidade para que o tema fosse amplamente discutido. Participaram da audiência representantes de partidos, da Câmara dos Deputados e do Senado Federal, representante da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) e deputados.
Situação de descrença com partidos políticos
A discussão sobre a possibilidade de candidaturas avulsas acontece em um momento em que há na sociedade um sentimento de descrença com os partidos e outros instrumentos da democracia representativa tradicional.
O Brasil tem hoje 32 partidos oficializados e mais de 70 aguardando oficialização por parte da Justiça Eleitoral. Entre os que aguardam essa oficialização, está mesmo o novo partido criado pelo presidente Jair Bolsonaro, o Aliança pelo Brasil.
Para financiar as eleições, tais partidos recebem recursos do Fundo Eleitoral e do Fundo Partidário, recursos que chegarão à ordem de R$ 3,8 bilhões nas eleições do ano que vem.
É nesse sentido que a discussão sobre a possibilidade de eleição de pessoas não filiadas a partido surge. Alguns países, como os Estados Unidos, admitem essa possibilidade, embora nenhuma candidatura avulsa tenha tido qualquer chance de eleição por lá.
Tal possibilidade poderia ajudar a atrair alguns nomes lembradosna corrida presidencial que, porém, muitas vezes não se mostram animados a se submeter às ordens partidárias. Caso do apresentador de TV Luciano Huck e do ex-ministro do Supremo Tribunal Federal Joaquim Barbosa.
Em tese, porém, diante do que dispõe o artigo 14 da Constituição, a possibilidade de eleição de alguém que não seja filiado a partido político só seria possível se houve uma alteração no texto, por meio de emenda constitucional. Mas, para Marco Aurélio, “tudo é possível”.