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Política & Poder

Ódio e ignorância

Parece haver, sim, estratégia diversionista na profusão de frases absurdas que o presidente parece declamar sem maiores constrangimentos

Lindauro Gomes

30/07/2019 14h48

Foto: Agência Brasil

Rudolfo Lago
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Nas últimas semanas, o presidente Jair Bolsonaro vem incrementando em velocidade perigosíssima a adição de dois ingredientes explosivos ao seu discurso. Esses ingredientes são o ódio e a ignorância.

Difícil saber a essa altura se a inclusão em doses cavalares desses dois temperos na sopa que vai ficando cada vez mais indigesta é fruto de estratégia ou da personalidade de Bolsonaro que aflora e que não mais ele consegue controlar.

Parece haver, sim, estratégia diversionista na profusão de frases absurdas que o presidente parece declamar sem maiores constrangimentos. Já havia no carnaval na história do “golden shower”. Houve em outros episódios, em clara combinação com outros personagens, como no caso da indicação de seu filho, o deputado Eduardo Bolsonaro (PSL-SP) para a embaixada dos Estados Unidos. O problema é quando o absurdo diversionista ultrapassa a produção de piadinhas sem graça e de mau gosto para ingressar no terreno das duas palavras escritas no primeiro parágrafo: ódio e ignorância.


Aí, não temos mais o Bolsonaro rindo de suas próprias piadas. Temos um presidente tenso, trincado, distribuindo à população que o apoia doses cavalares de raiva e de preconceito. A frase sobre o pai do presidente da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), Felipe Santa Cruz, não teve outro propósito senão machucar, agredir, abrir feridas e trazer de volta os traumas de uma criança de pouco mais de dois anos de idade que viu seu pai desaparecer depois de ser preso pela ditadura militar. Ao dizer saber o que acontecera com Fernando Santa Cruz, o pai do presidente da OAB, Bolsonaro agiu como agente da repressão capaz de acrescentar informações a uma família que no passado foi alijada do luto. Se concretamente, como demonstrou na sequência, não tem absolutamente nada de novo a acrescentar, só o que restou foi a crueldade. O golpe baixo contra o adversário.

Foto: Marcelo Camargo/Agência Brasil

Como tática, prossegue, assim, na disputa maniqueísta com seus inimigos de esquerda, mais notadamente no PT. Um tipo de disputa que o beneficiou nas eleições do ano passado. Bolsonaro imagina encontrar terreno fértil nesse jogo sem nuances. E tem alguns antagonistas que aceitam o jogo nesses termos. Por outro lado, vai levando seu discurso ao máximo extremo. Perde a cada dia o apoio dos elementos mais moderados que se puseram ao seu lado na eleição. Nesse sentido, talvez a agressão ao presidente da OAB possa ser mesmo um ponto de inflexão, dada a reação de nomes como o governador de São Paulo, João Dória, e o jurista Miguel Reale Jr., um dos autores do pedido de impeachment da ex-presidente Dilma Rousseff.

Mas o presidente que cultiva o ódio como estratégia repassa tal comportamento àqueles que o seguem e admiram. Cabe uma reflexão sobre até que ponto tal opção não influi em certos comportamentos violentos que pareceram crescer nos últimos seis meses. O aumento expressivo do número de feminicídios. De violência contra a mulher. De intolerância religiosa que queima, por exemplo, templos umbandistas. Até mesmo de violência contra crianças. Pessoas que começam a se sentir autorizadas, pelo ambiente construído, a libertar seus demônios interiores.

O outro elemento explosivo e perigoso que se soma é a ignorância. Bolsonaro parece muitas vezes orientar suas decisões e ações a certas impressões particulares que, quando se chocam com as evidências científicas, recebem dele autorização para mandar as evidências às favas. Lembra um dos personagens apresentados no documentário “A Terra é Plana”, que promove experimentos para provar a sua tese de que o planeta não é redondo. Todos os experimentos falham, reforçando as evidências de que ele está errado, que não há nada plano na superfície terrena. Mas ele segue repetindo que a Terra não é redonda.


A briga de Bolsonaro com o diretor do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe), Ricardo Magnus Osório, é o exemplo mais veemente. Diante das evidências demonstradas pelo instituto de aumento do desmatamento na Amazônia, o presidente manda às favas as evidências.

O problema é tomar decisões de governo baseadas em achismos que desprezam as evidências. Essa parece ser uma opção rumo a perigoso obscurantismo de certa forma inédita. Há uma tendência – novamente desprovida de evidência – de que a Academia é formada unicamente por um bloco de esquerda que conspira ali para impor sua linha de pensamento. É bem diferente da linha adotada por pensadores de direita no passado. Não consta que Roberto Campos, ao discorrer sobre suas convicções de que um estatismo exagerado levaria o Brasil à bancarrota, mandasse às favas as evidências e as teorias que aprendera nos seus estudos acadêmicos. Ele, que era economista, diplomata, professor, formado em Filosofia e Teologia, pós-graduado em Economia pela Universidade de Colúmbia.

Governar desprezando as evidências é como optar por acelerar um automóvel na direção de um muro. Governar com ódio é ir acrescentando tijolos ao muro enquanto se acelera em direção a ele. Não acreditar na existência do muro não fará o muro desaparecer. E aumentar o tamanho do muro só torna ainda maior o risco grave de colisão.

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