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Política & Poder

Mandetta é “desdemitido”

Presidente é convencido por militares a manter ministro. Mas ele ainda balança no cargo

Redação Jornal de Brasília

07/04/2020 5h57

Brazil’s Minister of Health Luiz Henrique Mandetta arrives for a news conference amid the coronavirus disease (COVID-19) outbreak in Brasilia, Brazil, March 30, 2020. REUTERS/Ueslei Marcelino

Rudolfo lago e Hylda cavalcanti
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O ministro da Saúde, Luiz Henrique Mandetta, começou o dia de ontem perto da demissão, tornou-se depois um virtual demitido e terminou o dia readmitido. O que não significa que essa situação vá perdurar por muito tempo.

Em mais um capítulo da tensão que o presidente Jair Bolsonaro adiciona ao que já seria uma das maiores crises da história do país – já que é uma das maiores crises da história da humanidade -, Bolsonaro passou o dia ensaiando retirar da pasta seu ministro da Saúde. Diante das fortes reações que tal ato já provocava e provocaria, terminou o dia sem fazê-lo.

Bolsonaro foi convencido a manter Mandetta no cargo, pelo menos por enquanto, por três dos generais que hoje estão no primeiro escalão do governo e que estão entre seus principais conselheiros: o secretário de Governo, Luiz Eduardo Ramos, o chefe do Gabinete de Segurança Institucional da Presidência, Augusto Heleno, e o chefe da Casa Civil, Waler Braga Neto.

Eles aconselharam o presidente no sentido de que uma atitude extremada poderia acabar por precipitar movimentos que acabariam por enfraquecer mais o presidente.

Ações barradas

FOTO: EVARISTO SA / AFP

As informações que chegaram aos dois generais eram no sentido de que uma mudança, na prática, não teria como consequência a possibilidade de nenhuma flexibilização das regras de confinamento que os governadores impuseram para combater o novo coronavírus. Qualquer decreto que o presidente ou um novo ministro da Saúde fizessem nesse sentido seria derrubado ou no Congresso ou no Supremo Tribunal Federal. Ou por ambos. Assim, aconselharam o presidente a não fazer nada ontem.

Também pesou a possibilidade concreta de o governo ficar literalmente sem ninguém na sua equipe de Saúde. Mandetta chegou a avisar aos seus auxiliares que deveria ser demitido ontem. Quando o presidente convocou uma reunião de todos os ministros, e chamou também o deputado Osmar Terra (MDB-RS), cotado para substiuí-lo, Mandetta chegou a avisar seus auxiliares de que sairia do cargo. Como resposta, soube que todos os seus auxiliares, nessa hipótese, pretendiam fazer o mesmo.

Balão de ensaio

Na verdade, Bolsonaro mais uma vez fez uma jogada de risco num estilo que já lhe é peculiar. Lançou como balão de ensaio a possibilidade. Deixou que a imprensa chegasse mesmo a dizer que tal demissão aconteceria. Diante da reação, recuou. “Não é a primeira vez que ele faz isso. Na verdade, isso já se tornou um estilo“, observa o cientista político André Cesar. “O problema é que a repetição desse comportamento o está enfraquecendo.”

Para o analista político Leopoldo Vieira, Bolsonaro pensou com os números da última pesquisa do Instituto Datafolha.

A pesquisa mostra que 76% dos brasileiros apoiam Mandetta e apoiam o isolamento. Mas 59% são contrários à saída de Bolsonaro ou à sua renúncia.

“Ele imaginou que poderia ficar com esses 59%, consolidando o bolsonarismo raiz e tentando estancar o bolsonarismo moderado. Mas isso não deu certo.”

Para o analista Melillo Dinis, hoje a população está convencida do isolamento. E a doença ainda não atingiu seu pico mais alto, o que deve acontecer ainda em abril. “As pessoas estão com medo.”

Organizações da sociedade reagem

O problema do presidente Jair Bolsonaro é que a cada movimento de avança e recua que ele faz com relação ao combate ao novo coronavírus, a reação vai se tornando mais forte.

Ontem, a Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) e a Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB) articulavam a publicação de um texto conjunto, que deve ser publicado hoje, no qual fazem “a defesa da vida e do país”.

As duas instituições buscavam ampliar o movimento a outras organizações, como a Associação Brasileira de Imprensa (ABI). Um caminho para, segundo uma fonte ligada às associações, “emparedar” Bolsonaro. Ou evitar qualquer ação concreta por parte do presidente ou mesmo avaliar para alguma solução mais drástica.

“Bolsonaro imaginava um cenário em que a doença não crescesse tanto, e os impactos econômicos começassem a se agravar, fazendo com que as pessoas talvez começassem a escutar mais o que ele diz”, avalia o analista Melillo Diniz.

“Mas as coisas parecem ir em outra direção. A população está convencida de que deve ficar em casa. E há uma expectativa de que a curva de crescimento da doença agora se acentue – ela ainda não chegou ao seu pico. Isso, ao contrário, fará com que as pessoas fiquem com ainda mais medo da pandemia”.

Questão de dias

Nos bastidores, porém, o que se avalia é que a permanência de Mandetta no posto é uma questão de dias. Há quem imagine que ele mesmo talvez acabe não aguentando a pressão e saia.
Antes da reunião convocada no final da tarde com vários integrantes de sua equipe, o presidente chamou antes Mandetta para uma conversa a sós no seu gabinete.

Saiba Mais 

Em conversa ontem com representantes do Ministério Público, Mandetta chegou a dizer que não sabia se continuaria muito tempo no cargo. Ele não revelou publicamente, mas durante a manhã ligou para ministros mais próximos do Planalto para dizer que estava incomodado com as declarações feitas pelo presidente no último domingo.

Como forma de evitar maiores especulações, já que a demissão não saiu, a entrevista coletiva que representantes do ministério da Saúde costumam conceder todo final da tarde com a atualização dos números da covid-19 no país, que conta sempre com a participação do ministro, desta vez foi realizada sem a presença de Mandetta.

Como se não bastasse o período de turbulência no relacionamento de Mandetta com a presidência da República, o ministro criticou hoje e pediu providências policiais para um perfil fake dele que circulou nas redes sociais.

Neste espaço, ele aparenta fazer declarações em tom mais agressivo a Bolsonaro, dizendo que segue com o seu trabalho “diferente daqueles que pouco fazem e muito falam”. Em nota, o ministro da Saúde ressaltou que jamais escreveu tal mensagem.

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