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Política & Poder

Juiz manda governo informar em site do Ministério da Saúde se ‘feijões mágicos’ de pastor Valdemiro curam a covid-19

Por orientação do MPF, a pasta chefiada por Pazuello chegou a divulgar que é falso que o plantio das sementes comercializadas por Valdemiro

Redação Jornal de Brasília

29/10/2020 11h02

Foto: Marcos Corrêa/PR

O juiz Tiago Bitencourt de David, da 5ª Vara Cível Federal de São Paulo, determinou que o governo Bolsonaro informe no site do Ministério da Saúde, em 15 dias, se há ou não eficácia comprovada das sementes de feijão no combate à Covid-19, divulgadas pelo pastor evangélico Valdemiro Santiago e a Igreja Mundial do Poder de Deus.

Antes da ordem judicial e por orientação do Ministério Público Federal, a pasta chefiada por Eduardo Pazuello chegou a divulgar que é falso que o plantio das sementes comercializadas por Valdemiro – em valores predeterminados de R$ 100 a R$ 1.000 – combatiam a doença causada pelo novo coronavírus. No entanto, a indicação foi retirada do ar sob a alegação de que ‘a iniciativa induziu, equivocadamente, ao questionamento da fé e crença de uma parcela da população’.

A retirada levou a Procuradoria a acionar o Judiciário, sendo que o despacho de David, dado no último dia 27, determina ainda que, em até 30 dias, o Ministério da Saúde apresente a identidade completa de quem determinou a supressão da informação antes veiculada no site da pasta.

Na ação civil pública apresentada à 5ª Vara Cível Federal de São Paulo, o MPF apontou que a conduta do Ministério da Saúde, de retirar a informação do site, ‘viola a moralidade administrativa e o dever de informação adequada’. Na mesma petição, a Procuradoria defende que o pastor Valdemiro e a Igreja Mundial do Poder de Deus sejam condenados a pagar indenização de R$ 300 mil por prática abusiva da liberdade religiosa, ao colocar em riscos a saúde pública e induzir fiéis a comprarem um produto sem eficácia comprovada.

Instada, a União afirmou que ‘tem adotado as medidas necessárias para neutralizar as informações equivocadas que colocam em risco a saúde pública e que causam prejuízos sociais, incluindo em seu site a informação de que inexistem estudos científicos sobre alimentos que garantam a cura ou o tratamento da Covid-19’.

Ao analisar o caso, Tiago Bitencourt apontou que ‘aparentemente, houve uma vinculação entre a promoção de crença religiosa, a entrega de artefato (sementes de feijão/feijões), a cura da COVID/19 e a solicitação de dinheiro, pagamento em pecúnia chamada de “propósito’ por Valdemiro.

O magistrado ponderou ainda que ‘é preciso considerar que a liberdade de crença não pode ser indevidamente restringida pelo Estado e nem este pode ser cooptado por entidade religiosa’. “A Constituição Federal estabelece que o Estado é laico, não combatendo a profissão de fé e nem incorporando-a no próprio governo, de modo que os fiéis não têm mais ou menos direitos que os ateus”, escreveu.

Nessa linha, o juiz sinalizou que ao Estado cumpre o dever de informar os seus cidadãos sobre os meios de prevenção, promoção e recuperação da saúde, e que o Ministério da Saúde deve apresentar aos brasileiros como tem agido e quais são as opções de prevenção e recuperação que já se mostram corroboradas cientificamente e as que não.

“Informar não é obstruir uma profissão de fé e nem impedir que as pessoas façam as escolhas que reputarem pertinentes. Apresentar os dados mostra-se, pelo contrário, em dar condições de que se escolha de modo informado e consciente, permitindo um incremento da capacidade de eleição entre as opções de como conduzir-se”, explicou o magistrado.

David sinalizou que o caso dos feijões tornou-se tão expressivo que não há mais como deixar de abordá-lo, tanto que o próprio Ministério da Saúde já tinha se manifestado a respeito. Segundo ele, ignorar a questão deixou de ser uma opção diante da envergadura do fato.

Na avaliação do magistrado, no entanto, o Estado afirmar que uma informação é fake news ‘revela-se incompatível com a seriedade, a clareza e a neutralidade que devem nortear a comunicação pública’.

“Ao mesmo tempo que cabe ao Estado o dever de informar, não lhe diz respeito a emissão de juízo de valor sobre a profissão de fé. Ao Ministério da Saúde cumpre apontar o que funciona e o que não funciona contra a COVID/19. Ao fazê-lo desse modo, não melindra injustamente qualquer credo, apenas cumprindo mandamento constitucional que determina a proteção, a promoção e a recuperação da saúde”, ponderou.

Segundo o juiz, não pode e não deve a União ‘deixar de apontar a (in)existência de propriedade curativa em razão de suposta interferência indevida na liberdade religiosa’. No entanto, para David, a indicação deve ser feita de forma ‘cuidadosa e respeitosa, neutra, limitando-se a informar que (não) há eficácia comprovada do artefato no que tange à Covid-19’.

“Isso permite uma harmonização entre o direito à informação e o direito à expressão de crença religiosa, sem restringir-se cada um dos direitos fundamentais mais do que o estritamente necessário. Note-se, ainda, que a veiculação da informação não pode ser pontual, isolada, mas contínua, exposta no site do Ministério da Saúde até o final da pandemia”, registrou.

Quanto à retirada do conteúdo antes disponibilizado no site do Ministério da Saúde, David ponderou que é pertinente a apresentação, pela União, de quem determinou a supressão da informação antes veiculada. “Não se está aqui pré-julgando o responsável pela decisão de suprimir a informação veiculada no site do Ministério da Saúde, mas é direito da sociedade saber quem ordenou tal providência”.

Além disso, o magistrado determinou ainda que o Google preserve a íntegra de três vídeos veiculados por Valdomiro no YouTube, divulgando a venda dos ‘feijões mágicos’, que foram indisponibilizados pela plataforma após ação da da Procuradoria. A empresa ainda terá de prestar informação, em 30 dias úteis, sobre os dados cadastrais – nome, qualificação, e-mail, endereço – e endereço IP do responsável pela postagem das gravações.

COM A PALAVRA, PASTOR VALDEMIRO E A IGREJA MUNDIAL DO PODER DE DEUS

A reportagem busca contato com o pastor Valdemiro a a Igreja Mundial do Poder de Deus. O espaço está aberto para manifestações ([email protected]).

Quando o Ministério Público Federal encaminhou notícia-crime ao Ministério Público de São Paulo pedindo investigação por suposto crime de estelionato cometido pelo pastor Valdemiro Santiago de Oliveira, a Igreja Mundial do Poder de Deus divulgou a seguinte nota:

“Em atenção à sociedade, em virtude de notícias veiculadas nesta quinta-feira (07) de maio de 2020, sobre a “venda” de semente com promessa de cura, a Igreja Mundial do Poder de Deus, vem esclarecer que:

  1. Diferentemente do divulgado pela impressa, a campanha do mês de maio “sê tu uma benção” representado pela semente do feijão, não se refere a venda de uma “promessa de cura”, mas sim o início de um propósito com Deus, representado por um símbolo bíblico (a semente) que tem como princípio o início de uma colheita conforme a vontade de Deus (Lucas 8:11-15 e 2 Corintios 9);
  2. Em relação a promessa de cura vinculada diretamente a semente, tem-se que foi amplamente esclarecido em todos os vídeos que toda cura vem de Deus e que a semente é uma figura de linguagem, amplamente mencionada nos textos bíblicos, para materializar o propósito com Deus (Genesis 26);
  3. O valor da suposta venda divulgado, resta rechaçada veemente, haja vista ser a oferta espontânea, a qual é dada de acordo com a condição e manifestação de vontade de cada fiel, não tendo nenhuma correlação com o comércio de qualquer produto e/ou serviço.
  4. Esclarecemos, ainda, que nossa instituição, ao longo de todos esses anos tem o único e exclusivo propósito de propagação da fé Cristã, onde todas as nossas atitudes se baseiam nos princípios bíblicos, na ética e na legalidade.”

Estadão Conteúdo

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