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Política & Poder

Frente de centro-direita converge na economia, mas discorda em valores

Sergio Moro, Luciano Huck e João Doria têm diferenças na pauta de costumes e na abordagem sobre a segurança pública. Já a agenda econômica os aproxima

Redação Jornal de Brasília

13/11/2020 11h31

Fábio Zanini
São Paulo, SP

Criar uma “terceira via” para disputar a eleição presidencial de 2022 será como formar um quebra-cabeças com peças que não se encaixam perfeitamente.

Sergio Moro, Luciano Huck e João Doria têm diferenças na pauta de costumes e na abordagem sobre a segurança pública. Já a agenda econômica os aproxima.

Moro, ex-juiz responsável pela Lava Jato e ex-ministro da Justiça, almoçou com Huck, apresentador da Rede Globo, em Curitiba (PR), em 30 de outubro.

A conversa, revelada pelo jornal Folha de S.Paulo, deflagrou uma articulação para criar uma alternativa de centro-direita à polarização entre a direita bolsonarista e a esquerda representada pelo PT e Ciro Gomes (PDT).

A ela tenta se juntar o tucano Doria, governador de São Paulo, que não esconde suas pretensões de disputar a Presidência.

Os três protagonistas desse enredo, no entanto, nem sempre têm posições convergentes sobre temas polêmicos. O combate à criminalidade é onde as diferenças são mais claras.

Moro é defensor do endurecimento das leis penais e de dar maior poder para a atuação policial.

O pacote anticrime que ele enviou para o Congresso quando esteve ministro dificultava a progressão de pena, aumentava as definições de crime hediondo e, ponto mais polêmico, ampliava o chamado “excludente de ilicitude”, que isenta de punição policiais envolvidos em morte ou agressão de pessoas durante ações.

Vista como uma espécie de “licença para matar” inocentes na periferia, a medida acabou sendo derrubada pelo Congresso após pressão de políticos, entidades e ativistas.

Já Huck, envolvido em projetos sociais em áreas carentes, é uma das vozes que frequentemente se levantam contra a violência cometida pela polícia.

Em maio deste ano, por exemplo, ele se manifestou quando uma ação policial no Complexo do Salgueiro, em São Gonçalo (RJ), causou a morte de João Pedro Mattos, de 14 anos

“Causa indignação esse extermínio de jovens pobres e negros nas comunidades país afora. Não é só no Rio. Isso é uma doença nacional que exige responsabilidade social de todos nós em busca da cura. Uma tristeza. Causa revolta”, disse o apresentador.

Doria, neste aspecto, se aproxima mais da posição de Moro. Defendeu seu pacote anticrime e, na campanha de 2018, chegou a dizer que em seu governo a polícia paulista iria atirar para matar.

O ex-juiz e o governador também jogam juntos na defesa da maioridade penal aos 16 anos. Moro é favor de que essa redução seja restrita a crimes “gravíssimos”, enquanto o tucano a apoia sem restrições. A reportagem não localizou referência de Huck sobre o tema.

Nenhum dos três é entusiasta da ampliação das possibilidades de porte e posse de armas, embora Moro tenha adotado posição dúbia sobre o tema, uma das principais bandeiras do governo de Jair Bolsonaro na área da segurança.

O ex-ministro, quando no governo, chegou a dizer que não tinha participado da redação dos decretos sobre o tema, e que o assunto não tinha relação com sua pasta.

“Não tem a ver com a segurança pública. Foi uma decisão tomada pelo presidente em atendimento ao resultado das eleições”, afirmou, em maio de 2019. Ao mesmo tempo, jamais criticou ostensivamente essas medidas, diferentemente de Huck e Doria.

O apresentador é o mais enfático ao se posicionar contra maior acesso a armas. “Contra malucos, psicopatas e afins, pouco podemos fazer. Mas contra as armas de fogo, é só vontade política.

Desarmamento já”, escreveu, em 2011.

Em agosto deste ano, comentando a crise do Rio, reforçou esta opinião. “Cariocas e fluminenses precisam reagir, não com armas ou manipulações. Mas com honestidade, correção e amor”, afirmou.
Doria, em entrevista à revista Época em abril de 2017, também se manifestou contrariamente à ampliação do acesso às armas.

Outro tema em que há visões diferenciadas é o das drogas. Moro é contrário à descriminalização, mesmo que apenas da maconha, embora tenha dito ao apresentador Ratinho, em julho de 2019, que aceita seu uso medicinal.

Em abril de 2017, quando ainda era juiz, foi um pouco mais flexível, durante participação em conferência nos EUA. “Eu entendo que não existe uma solução muito fácil para esse modelo. Talvez seja o caso de algum experimentalismo, mas eu tenho muitas dúvidas sobre o que precisa ser feito”, declarou.

Doria, em entrevista à Época, também se disse contrário à descriminalização.

Huck tem posição mais aberta a uma mudança na legislação. Ele foi um dos produtores do documentário “Quebrando o Tabu”, dirigido por seu irmão Fernando Grostein, que defende alternativas à política de repressão às drogas.

Em entrevista à Folha de S.Paulo, em março de 2017, Huck disse que o modelo atual fracassou. “Tenho absoluta certeza de que a guerra às drogas e o que foi feito até aqui não funcionaram. As comunidades estão cada vez mais armadas. O consumo nunca diminuiu, os presídios estão superlotados. Não é um problema de polícia, mas de saúde pública”, afirmou.

Um dos temas que mais dividem conservadores e progressistas, o aborto é tratado com cautela por Moro e Doria. O ex-juiz, em sua tese de doutorado na Universidade Federal do Paraná (UFPR), de 2002, fez um elogio a Roe vs. Wade, a icônica decisão da Suprema corte americana que liberou o aborto, em 1973.

“[Roe vs. Wade] representa uma solução intermediária para a questão do aborto, satisfazendo em parte as duas correntes absolutamente opostas sobre o tema, o que não deixa de ser razoável em vista de um improvável consenso sobre ele”, escreveu.

Por causa desse trecho, o ex-juiz foi chamado de abortista por apoiadores de Bolsonaro, embora tenha feito uma análise da decisão à luz do direito constitucional, sem emitir juízo de valor sobre a prática.

A reportagem não localizou outras opiniões de Moro sobre o tema, tampouco alguma de Huck. Já Doria defende a manutenção da atual legislação, em que o aborto é permitido em caso de estupro, risco de morte para a mãe ou anencefalia.

A área de maior convergência para a tríade é a econômica, embora haja nuances. Doria é o mais ferrenho na defesa do liberalismo, tendo surgido na política com o discurso de “gestor”. Ele apoia uma agenda radical de privatizações e desregulamentação.

Moro não costuma tratar muito do tema, uma vez que sua pauta sempre foi a do combate à corrupção e ao crime organizado. Nas vezes que falou sobre economia, deixou claro seu viés liberal.

“O que nós vemos em geral é que os países que mais prosperaram foram aqueles que praticaram o livre mercado”, disse ele, em uma live da corretora Necton, em agosto deste ano.

No evento, ele defendeu reformas econômicas e a abertura da economia. Disse ainda que o modelo desenvolvimentista, que foi importante para o crescimento econômico com forte papel do Estado, está superado.

Huck também é um entusiasta de um sistema econômico mais liberal, e tem como um de seus principais conselheiros o ex-presidente do Banco Central Armínio Fraga. Mas ele também enxerga um papel preponderante do Estado na redução das desigualdades.

“O poder de mexer com força no ponteiro da desigualdade é do Estado”, disse, em agosto deste ano.

Em diversas manifestações, Huck pede reformas que combatam privilégios e o Estado corporativista, uma referência velada ao poder do funcionalismo público na máquina pública.

Em seminário da revista Exame, em setembro de 2019, o apresentador defendeu a agenda econômica do ministro Paulo Guedes. Já em artigo para a Folha de S.Paulo, em fevereiro deste ano, defendeu uma reforma tributária que institua um modelo progressivo, cobrando mais de milionários.

Articuladores desta frente de centro-direita dizem que as diferenças programáticas são contornáveis e que não há posições realmente conflitantes. Huck e Doria sempre defenderam a Lava Jato, por exemplo, e praticamente todo o pacote anticrime de Moro. Todos são entusiastas da prisão após condenação em segunda instância.

A dificuldade maior vai ser encontrar uma fórmula política que viabilize a aliança. Um empecilho é a decisão de Doria, aparentemente irredutível, de ser ele o cabeça de chapa de qualquer frente.

Mas o maior complicador é a presença de Moro na aliança, que desperta reações e até acusações de pertencer à extrema direita.

Desde que saiu do governo Bolsonaro, o ex-juiz tem buscado passar uma imagem de moderação. Na live com a corretora, ele se disse um conservador tolerante.

“Eu sou uma pessoa conservadora. Não sou dado a grandes comportamentos diferenciados. Sou uma pessoa de família. Agora, eu acho que, no âmbito dos costumes, também tolerância é importante. O espírito da democracia é o espírito da tolerância”, declarou.

Também tem procurado se diferenciar do ex-chefe ao reforçar seu compromisso com a democracia. “Não há espaço para ameaçar o país invocando falso apoio das Forças Armadas para aventuras”, escreveu, em artigo para o jornal O Globo, em julho deste ano. “Populismo de direita e populismo de esquerda são danosos”, completou.

Moro agora terá cerca de um ano e meio para convencer o meio político de que mudou e tentar viabilizar, junto com seus parceiros, um caminho do meio na eleição presidencial.

As informações são da FolhaPress

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