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Política & Poder

Em cartas escritas na prisão, Marcelo Odebrecht relatou ameaça da Lava-Jato

As cartas foram anexadas pela defesa do ex-presidente Lula ao último dos processos a que ele responde em Curitiba

Redação Jornal de Brasília

27/07/2020 8h38

Felipe Bachtold
São Paulo-SP

Manuscritos do empreiteiro Marcelo Odebrecht feitos de dentro da cadeia, onde esteve até 2017, mostram suposta pressão da força-tarefa da Lava-Jato durante a negociação de um acordo com a empresa e relatam o inconformismo dele com os rumos da delação da construtora.

Marcelo, ex-presidente do conglomerado e principal empresário detido na Lava-Jato no Paraná, diz que os investigadores falaram na possibilidade de mais operações sobre o grupo, caso ele conseguisse habeas corpus para sair da prisão em 2016.

As cartas foram anexadas pela defesa do ex-presidente Lula ao último dos processos a que ele responde em Curitiba, que trata da compra pela empreiteira de um terreno para o instituto do petista.

A defesa do ex-presidente, em documento escrito em maio, diz que as correspondências mostram “calibragem de relatos” e falta de espontaneidade na delação.

Os manuscritos também viraram prova na Justiça de São Paulo. Devido a eles, foi determinado em março o bloqueio de R$ 143,5 milhões que o conglomerado empresarial havia pago a Marcelo na época da assinatura do acordo de colaboração com a Lava-Jato, o Departamento de Justiça dos Estados Unidos e a Suíça.

A construtora considera que houve ameaças da parte dele em frases como: “A própria empresa e os demais colaboradores (e não colaboradores) estão levando a uma situação onde acabarei ‘detonando’ a todos”.

Marcelo diz à Justiça que é perseguido pela empresa por ter exposto em sua colaboração pessoas ligadas ao pai, Emílio Odebrecht, com quem está rompido. Afirma que nessas mensagens apenas cobrava dos demais executivos que não houvesse omissões nos relatos que pudessem pôr o acordo em risco.

As cartas fazem parte de anotações que o ex-presidente da Odebrecht entregava para seus advogados no período em que ficou preso. Ele também escrevia um diário no tempo em que ficou detido.

Hoje delator, Marcelo, 51, foi condenado quatro vezes na Justiça Federal no Paraná e, em 2019, passou para o regime semiaberto devido a seu acordo de colaboração.

A defesa dele critica o uso dessas cartas na Justiça e considera que a empresa violou o sigilo da comunicação com advogados. Também pediu providências à Ordem dos Advogados do Brasil (OAB).

Ao relembrar a negociação da delação, em carta de fevereiro de 2017, Marcelo menciona ocasião em que mudou o rumo de sua negociação, inclusive com o rompimento com um advogado e com uma irmã.

“Foi quando o Mouro [Sergio Moro] ia me soltar (por volta de maio/16) e o MPF nos ameaçou dizendo que se eu fosse solto, outras operações seriam deflagradas”, escreveu ele.

Disse que tinha “certeza de que era blefe”, mas aceitou abrir mão de um “período de liberdade” desde que fosse para o regime domiciliar com a assinatura do acordo, o que acabou não acontecendo.

Procurada, a força-tarefa da Lava-Jato rechaçou ter havido qualquer pressão indevida e disse que todo contato com o empreiteiro sempre ocorreu com o acompanhamento de seus advogados.

“A eventual apresentação de esclarecimento ou informação para o investigado ou réu sobre a existência de investigações de caráter público e sobre as consequências legais de seus possíveis crimes não caracterizaria qualquer ‘ameaça’ ou pressão indevida, mas sim a exposição legítima de dados que permitam a investigados e réus tomarem decisões.”

Uma das declarações mais destacadas pela defesa de Lula trata do Setor de Operações Estruturadas, divisão da Odebrecht apelidada de “departamento de propina”, responsável por operações ilícitas dentro e fora do Brasil.

Sem dar muitos detalhes, o empreiteiro diz que a companhia precisa se manifestar sobre “absurdos que estão dizendo sobre o nosso passado”. “Onde estão nossos sócios nos projetos? E as estrangeiras? Não tínhamos um departamento de propina, nem muito menos este tipo de relação com o setor público era só nós que fazíamos…”

Em outra anotação, ele critica “HS”, sigla de Hilberto Silva, executivo que atuava nesse departamento e também delator. “Não posso aceitar que a empresa esteja respaldando tudo que ele está dizendo.”

Outro trecho em contradição com as conclusões da Lava-Jato é a respeito de seu conhecimento sobre a propina na Petrobras, foco dos procuradores de Curitiba e pilar, por exemplo, da condenação de Lula no caso do sítio de Atibaia.

Faltou, disse o filho, uma defesa mais contundente nos meses após sua prisão, em 2015. Na visão de Marcelo, não havia como ligá-lo a ilícitos na Petrobras, o que poderia preservá-lo da Justiça e salvar o grupo.

Diz, em carta de 2017: “Dói muito que eu nunca tenha sido defendido por meu próprio pai. Eu nunca deixaria uma filha ou pai ser incriminado, e trucidado na mídia por algo que não fez, sem sair publicamente em sua defesa.”

Ele pediu atenção à sua família e diz que “EO” não teria uma outra chance. “Ou então [vai] carregar um remorso ainda mais pesado pelo resto da sua vida ao destruir um filho, sua família, e o legado de gerações.”

O legado do império familiar, aliás, aparece em outros momentos de seus manuscritos. No início de 2017, diz que uma de suas metas é: “Mitigar/minimizar os danos à minha imagem e da organização preservando um pouco do legado de meu avô”, uma referência ao fundador, Norberto Odebrecht.

Além das críticas ao pai, há reclamações sobre a atuação dos advogados da companhia na negociação e sobre o modo como os executivos se comportavam na delação.

“Tentar comparar minha situação com qualquer outro colaborador é desumano. Ninguém sofreu tanto, ninguém ainda vai sofrer tanto, e ninguém tem um futuro tão comprometido quanto o meu…”, escreveu.

Também o incomodava o clima de “cada um por si” entre os candidatos a delatores. “Começou o tiroteio interno, com as pessoas buscando o bônus de colaborar e deixando o ônus da responsabilidade com outro na organização.”

Sua conclusão era drástica a esse respeito. Ao transformarem a empresa em uma organização criminosa, esses executivos “estavam com isto assinando a sentença de morte” da construtora. Hoje, o grupo está em recuperação judicial.

Dissidente do grupo

Em correspondência ainda antes de o acordo da Odebrecht ser firmado simultaneamente com autoridades do Brasil, doas Estados Unidos e da Suíça, no fim de 2016, Marcelo cogitou não aderir ao compromisso e partir para defesa individual na Justiça.

Dizia que não tinha como se comprometer a pagar como reparação quantias das quais já não dispunha e colocou condicionantes financeiras, em declarações que hoje a empresa usa para processá-lo e receber de volta o que foi pago. Um de seus pleitos era o custeio dos advogados até o final de todos os processos.

Em novembro de 2016, Marcelo escreveu que, caso o acordo não o protegesse suficientemente, “toda ação será uma guerra da vida e morte, com várias ‘baixas’, em especial, de outros integrantes da organização”. Com o acordo já consumado, no meio de 2017, ele fala em renegociar sua situação com o Ministério Público, “exponha a quem exponha”.

Hoje a empresa o acusa de blindar o patrimônio ao ceder propriedades para a mulher e para filhas. Em uma das cartas, ele fala na possibilidade de transferência de bens. A defesa de Marcelo diz que as doações feitas são regulares e à época havia inclusive conhecimento da construtora.

Marcelo afirma que chegou a sugerir em 2015, quando já estava preso, uma versão mais limitada de um acordo de colaboração corporativa, que abarcaria apenas a Braskem (braço petroquímico) e a CNO (Construtora Norberto Odebrecht).

Também dizia que não havia coordenação entre os executivos na negociação e que eles não eram orientados a preservar a empresa. “Como aliais [sic] havia sido feito em todas as delações de empresas da lava-jato até o momento (vide AG e CC) [Andrade Gutierrez e Camargo Corrêa].”

Na mais longa das cartas, com 16 páginas escritas à mão em fevereiro de 2017, o empresário elenca prioridades para o período pós-delação, como cuidar da família. Ele deixou o regime fechado em dezembro daquele ano.

Outra prioridade seria demonstrar que não participou de crimes: “[Vou] Cuidar da minha defesa, nos diversos processos, assegurando minha inocência onde for o caso, convergência com meus relatos e um resultado intangível que melhore a minha imagem e da organização, sem me indispor com a força tarefa.”

As informações são da Folhapress

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