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Política & Poder

Deltan fala em atos ‘intoleráveis’ narrados por Moro e não vê Bolsonaro contra a corrupção

“Os atos narrados são intoleráveis”, afirmou. “Caberá ao procurador-geral da República, ao Congresso e ao Supremo Tribunal Federal (STF) investigar…”

Redação Jornal de Brasília

28/04/2020 5h45

O coordenador da força-tarefa da Operação Lava Jato, em Curitiba, Deltan Dallagnol, afirma que os atos narrados pelo ex-ministro da Justiça e Segurança Pública Sérgio Moro, sobre tentativas de interferência do presidente, Jair Bolsonaro, na Polícia Federal, são “intoleráveis” e representam risco para “todas as investigações” no País, especialmente “contra poderosos”.

O ex-juiz da Lava Jato deixou o cargo de ministro na sexta-feira, 24, após Bolsonaro demitir o diretor-geral da PF, Maurício Valeixo, sem seu consentimento e fraudar decreto de exoneração, publicado no Diário Oficial da União, em que constou sua assinatura e o registro de demissão a pedido do delegado – atos inexistentes. Em discurso de renuncia, Moro revelou que não aceitou interferência política na PF e acusou o presidente de possíveis crimes.

“Os atos narrados são intoleráveis”, afirmou. “Caberá ao procurador-geral da República, ao Congresso e ao Supremo Tribunal Federal (STF) investigar e avaliar se houve crime, seja comum ou de responsabilidade.”

Em entrevista exclusiva ao Estadão – a primeira desde que Moro deixou o governo -, Dallagnol diz não ver em atos o compromisso declarado de Bolsonaro com o combate à corrupção e que os “interesses familiares” do presidente são “irreconciliáveis” com a agenda anticorrupção – bandeira que ajudou a eleger o atual governo.

“Não acredito que se possa falar que houvesse um compromisso com o combate à corrupção.”

À frente da Lava Jato, desde 2014, e um dos principais ativistas do combate à corrupção, Deltan cita exemplos do comportamento “dúbio” de Bolsonaro em relação ao tema: a defesa pública da decisão do Supremo, que suspendeu investigações com informações do Coaf em todo País, em 2019, beneficiando Flávio Bolsonaro, seu filho e senador investigado em suposto esquema de “rachadinha” (apropriação indébita de salários de assessores), no Rio; a sanção a alteração feita pelo Congresso nos critérios de julgamento do Conselho Administrativo de Recursos Fiscais (Carf) – órgão que julga processos fiscais da Receita -, que beneficia empresas e investigados; a sanção à lei que criou o juiz de garantias, que também interessa aos filhos; entre outras.

LEIA A ENTREVISTA:

A possibilidade de interferência do Planalto na PF é um risco para a Lava Jato?

É um risco para todas as investigações, especialmente aquelas contra poderosos. Se o dirigente da polícia conspirar para o direcionamento político ou o engavetamento de certas investigações, não haverá limites para pressões e ingerências indevidas. Além disso, o acesso a informações sigilosas pode prejudicar o resultado de medidas investigativas. Delegados que resistirem podem ser retirados dos cargos ou punidos com remoções. Inquéritos podem mudar de mãos. A polícia não tem a independência da Justiça e do Ministério Público.

A indicação de um ex-assessor direto da família para cargo de ministro da Justiça e Segurança Pública, o ministro Jorge Oliveira, preocupa?

A mensagem passada pelo ex-ministro da Justiça é de que renunciou porque não compactuaria com a manipulação de investigações em que o presidente e sua família têm interesse. A escolha dos dirigentes da polícia era só um meio para essa finalidade, a interferência. Diante de acusações tão graves, espera-se que o novo dirigente possa ser alguém reconhecido dentro da polícia por sua correção, isenção e profissionalismo. Qualquer coisa fora disso preocupa sim.

A Lava Jato já sofreu pressões e tentativas de interferência do governo, como as narradas por Sérgio Moro no ministério e na PF?

Não temos notícia de ingerência efetiva, embora aparentemente os ministros da Justiça da época tenham sido pressionados. Em 2016, por exemplo, a imprensa noticiou que o então ministro José Eduardo Martins Cardozo renunciou debaixo de fortes pressões para que interferisse na Polícia Federal, nas investigações envolvendo o ex-presidente Lula. Em seguida apareceu uma conversa telefônica interceptada pela Justiça, em que Lula cobrava um ‘papel de homem’ do novo ministro, Eugênio Aragão. Nesse caso, contudo, não houve evidências de que a pressão tivesse partido da então presidente e de que tenha se consumado qualquer interferência. Jamais admitiríamos isso naquela época, nem podemos admitir agora.

Vê crimes nas ações narradas por Moro, que justificaram sua demissão?

Os atos narrados são intoleráveis. Segundo o ex-ministro, quando percebeu que não teria como obstar a possível interferência nas investigações porque o diretor-geral da PF estava sendo trocado à sua revelia, restou-lhe levar os fatos a público e pedir demissão como único modo de proteger a polícia, as investigações e o interesse público.

Moro agiu de modo fiel ao interesse público para frear atos ilícitos. Agora caberá ao procurador-geral da República, ao Congresso e ao Supremo investigar e avaliar se houve crime, seja comum ou de responsabilidade.

As acusações de Moro justificam o impeachment de Bolsonaro?

Essa é uma avaliação política que não me cabe fazer, do mesmo modo que jamais emiti opinião pública sobre o impeachment de 2016 (da ex-presidente Dilma Rousseff).

O sr. se decepcionou com o governo Bolsonaro?

Decepção pressupõe a expectativa de um certo tipo de comportamento, o que não existia. O que já vínhamos apontando há muito tempo é que o presidente revelava um comportamento dúbio em relação ao combate à corrupção, o que vinha piorando.

O que é essa dubiedade? Não houve avanços no combate à corrupção nesse governo?

Se de um lado o presidente deu sinais positivos, nomeando Moro no Ministério da Justiça e um técnico à frente da Controladoria Geral da União (CGU), vetando algumas regras da lei de abuso de autoridade e encaminhando o projeto anticrime ao Congresso, de outro lado deu sinais negativos: tentou interferir na Polícia Federal e na Receita já no ano passado, fez mudanças ruins no Coaf (atual Unidade de Inteligência Financeira), sancionou o juiz de garantias, aprovou mudança no CARF, que prejudica o trabalho da Receita em grandes operações e limitou a Lei de Acesso à Informação. Ou seja, ele já vinha fazendo muita coisa que prejudicava o combate à corrupção.

Acreditou que com Moro e Bolsonaro ocorreriam avanços significativos?

Moro era uma garantia de que no âmbito do Ministério da Justiça haveria uma atuação firme contra a corrupção. Contudo, havia sérias dúvidas do impacto que poderia ter na pauta legislativa, pois não se sabia como seria a relação entre o presidente e o Congresso. As principais mudanças contra a corrupção dependem da aprovação de leis anticorrupção no Legislativo e, secundariamente, do Supremo. Ao Executivo, cabe dar estrutura para a Polícia Federal e assegurar que ela possa trabalhar de modo técnico, sem interferências.

A renúncia de Sérgio Moro pode representar o fim do compromisso do governo com o combate à corrupção?

Palavras precisam ser confirmadas por ações e, como disse, o comportamento da Presidência nesse tema já era ambíguo. Por isso, não acredito que se possa falar que houvesse um compromisso com o combate à corrupção. Além disso, parece haver interesses familiares que são irreconciliáveis em muitos aspectos com um combate à corrupção mais efetivo, como mostrou a defesa pelo presidente da decisão do STF, que suspendeu investigações com informações do Coaf em todo País, o que beneficiava o seu filho, mas prejudicava centenas de casos e operações contra crimes graves.

As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.

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