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Política & Poder

Cientista política lança livro sobre participação feminina em partidos e disputas eleitorais

Fatores culturais, como o machismo, ainda são determinantes na redução da participação das mulheres nos partidos e nas disputas eleitorais

Redação Jornal de Brasília

09/03/2020 12h34

Apesar dos avanços na legislação eleitoral, a presença feminina ainda é muito tímida na vida política nacional. Fatores culturais, como o machismo, ainda são determinantes na redução da participação das mulheres nos partidos e nas disputas eleitorais. A cientista política Daniela Rabello dedicou os últimos anos da sua vida a estudar esse fenômeno após ministrar centenas de palestras com o objetivo de aumentar a presença delas nas importantes discussões travadas em todas as esferas da República. Todo esse trabalho rendeu a edição do livro “Faça Você Mesma – Guia Completo da Mulher na Política”, que ela lançará no próximo dia 24, em Brasília. Nesta entrevista ao Jornal de Brasília, ela fala um pouco sobre essa experiência. “As mulheres querem participar da política, sim”, enfatiza.

É verdade que as mulheres não querem participar da política e muito menos disputar eleições?

Há uma falsa ideia sobre isso. Querem e muito, mas muitos partidos se valem dessa lenda para alegarem o não cumprimento da cota dos 30% de candidaturas femininas. Mas, além da cota, a lei garante um percentual de formação e promoção da mulher na política, vindo do fundo partidário. São 5% do montante. Só em janeiro agora, um partido médio recebeu algo em torno de R$ 4 milhões. Ou seja, deveria estar aplicando todo mês cerca de R$ 200 mil nessa formação.

Mas os partidos não investem esses recursos previstos em lei?

O que acontece em boa parte dos casos é que os partidos deixam para utilizar essa verba em cima da hora, investindo em seminários de um, dois, três dias, a toque de caixa, o que não garante uma formação continuada das mulheres e prejudica seu acesso a esse mundo. É fundamental ter em mente que a participação da mulher na política é algo novo. Nós estivemos alijadas do processo político por séculos. Achar que da noite para o dia a mulher vá despertar a vontade de se candidatar é no mínimo desconhecer o passado e não levar em consideração o fator cultural que está por trás dessa ausência. A lei foi pensada justamente para garantir e facilitar à mulher esse caminho. É preciso que se cumpra o que está na legislação de forma sistemática e contínua.

Em relação a outras nações, a participação da mulher no processo político nacional ainda é tímida. Por que alguns outros da América Latina têm uma presença maior que no Brasil?

É verdade. Na comparação entre três países, como exemplo, temos a Argentina com quase 40% de representatividade feminina, o Chile com quase 16% e Brasil com 9%. A Argentina foi o primeiro país do mundo a criar a lei de cotas para as mulheres, em 1991. Lá, eles trabalham com sistema lista fechada para o Parlamento e, a cada três postos ocupados na lista, um tem que ser do gênero oposto. E os avanços foram sentidos. Já o Chile conta com lista aberta e cota voluntária nos partidos. Ainda assim, as agremiações chilenas definiram suas cotas entre 20% e 40%. O que garante o Chile à frente do Brasil é que os partidos de esquerda têm muitas mulheres na disputa, com garantia da cota vinda dos próprios partidos. Ou seja, uma consciência que ainda não temos por aqui.

Quais são as maiores dificuldades para que a mulher atue em partidos e participe de eleições?

A primeira dificuldade está no espírito de pertencimento. Quando falamos em cultura, falamos em algo que está enraizado. Para que a transformação aconteça, é preciso trabalhar de dentro para fora. Em outras palavras, é preciso apostar na formação das mulheres para o despertar. Somente com o conhecimento é que a transformação acontece. Então, a dificuldade da atuação das mulheres em partidos e nas eleições muito se deve à prioridade a candidaturas masculinas. De uns tempos para cá, a realidade vem se alterando de forma rápida, muito em decorrência da lei dos partidos e da lei eleitoral. Os partidos, além de terem que cumprir as cotas, precisam destinar 5% para formação das mulheres. E desde 2018, elas devem ter 30% do fundo eleitoral para sua campanha. Ou seja, a lei mudou, mas a mentalidade dos líderes dentro dos partidos, não. No entanto, seria muito mais inteligente a legenda investir na formação política da mulher. Por outro lado, temos os preconceitos sociais que devem ser vencidos a cada etapa, e isso já está contemplado na lei. Partidos e TSE podem e devem investir em campanha de incentivo à participação feminina.

Acredito piamente que 2020 é o ano da mulher na política. Precisamos nos apoiar, nos unir cada vez mais, ocupar os espaços e aos poucos vencermos os obstáculos sociais e as barreiras internas, mas estamos com a faca e o queijo na mão.

Qual é a imagem da mulher que atua na política para os homens? Existem pesquisas sobre isso?

Sim, existem diversas pesquisas sobre a imagem da mulher na política e na mídia. Posso falar do livro de Raquel Moreno, psicóloga e militante feminista, que aborda exatamente a imagem da mulher na mídia. Tivemos um caso emblemático, que foi o da presidente Dilma Rousseff. Em sua posse, foi manchete em todo o país a roupa que ela vestia, o corte de cabelo, quem tinha sido o cabeleireiro, entre outros comentários. Você já ouviu algum noticiário sobre o terno do Collor ou o penteado do Bolsonaro? Assim como ouvimos comentários do tipo: como uma mulher pode fazer isso ou aquilo? Ou “Nossa, uma mulher tem que dar o exemplo!” Ou seja, comentários e matérias que vinculam o gênero como fator definidor de uma conduta. É o preconceito velado. E vou mais além: não está apenas na cabeça dos homens, está na cabeça de muitas de nós. E a mídia pode ser nossa aliada nesse sentido. Eu presenciei dentro do Plenário do Senado Federal, por exemplo, no momento da votação da lei da minirreforma eleitoral, senadores dando as costas para as senadoras e tomando decisões sem que elas percebessem. Então, os preconceitos são infinitos. Mas acredito sempre na harmonia, no ocupar e se posicionar constantemente sobre o assunto, sempre numa ótica do bem em que o preconceito vá se diluindo e dando lugar ao coerente.

Como mudar isso?

Para mudar algo que está enraizado na sociedade, é preciso acender a luz do conhecimento, para a partir daí abrir espaço para uma tomada de decisão consciente. Poderíamos criar um paralelo com a lei que proíbe fumar em ambientes fechados. Até pouco tempo atrás não se tinha uma consciência coletiva do mal que o cigarro fazia aos fumantes e aos não fumantes. Hoje virou um consenso coletivo. Raramente você se depara com alguém tentando burlar a regra. Se acontecer, alguém vai se levantar e falar alguma coisa.

Temos duas imagens muitos fortes de mulher na política, a da ex-presidente Dilma e da ministra Damares. Você poderia traçar um paralelo entre as duas figuras?

Em primeiro lugar, ambas chegaram onde chegaram com o apoio de uma figura masculina. Ambas defendem seus pontos de vista de forma aguerrida, de lados totalmente opostos, mas têm em comum a firmeza de seus posicionamentos, e isso é uma característica feminina muito forte. O que nossa sociedade ainda não está acostumada é de perceber que essa associação do gênero às atitudes das figuras públicas só acontece com a mulher. Volto aqui, novamente, à questão do preconceito como fator que está enraizado em nossa cultura e que deve ser amplamente enfrentado por meio do conhecimento e da difusão de novas formas de visão.

Isso explica a maior quantidade de mulheres usadas como “laranjas” últimas eleições?

Há mais mulheres laranjas porque elas não estão nas prateleiras à disposição dos partidos políticos. Os partidos deixam para procurar essas mulheres aos 45 minutos do segundo tempo, às vésperas de completar a chapa da eleição. Infelizmente, há quem tope se submeter a essas coisas. Às vezes, ela nem sabe o que está fazendo ou assinando. Por isso, a cota de mulheres é extremamente positiva. Nos países que garantem percentual mínimo de vagas nas cadeiras do Parlamento, o número de participação é sempre maior. O que precisamos é combater o descaso dos partidos em relação à promoção e à formação das mulheres para a participação na política e para a disputa eleitoral.

Você acha que o Brasil está avançando em relação à consciência das mulheres sobre seus direitos e à conquista de espaço na política?

O Brasil avança consideravelmente em termos de legislação e regulamentação das leis, por meio do TSE. Mas não avança no que tange à aplicação das leis por meio dos partidos e não avança no enfrentamento do fator cultural. Repito: para modificar uma cultura, é preciso investir em conhecimento. É preciso estimular e promover campanhas que apresentem a figura feminina como um ponto de equilíbrio dentro dos espaços de tomada de decisão.

É disso que trata seu livro?

Também. O livro se chama “Faça Você Mesma – Guia Completo da Mulher na Política”. Trata-se de um guia que contém ferramentas essenciais para despertar nas mulheres o desejo de transformar a sua vida e a realidade ao seu redor. Ele tem como objetivo oferecer subsídios de formação política às mulheres que estiveram até pouco tempo alijadas desse processo no Brasil e no mundo. Nesses 20 anos de atuação na área de marketing político e eleitoral, me incomoda chegar à segunda década do século 21 vendo uma quantidade tão pequena de mulheres nos espaços políticos. Somos mais da metade da população, mas ocupamos menos de 10 por cento dos cargos eletivos. É um abismo absurdo! A meu ver, isso é resultado de uma herança cultural secular. Agora, vivemos um momento em que as mulheres começam a ter em mãos instrumentos legais para começar a mudar essa realidade, como a política de cotas que reserva a elas 30% das candidaturas, 30% do fundo eleitoral para financiar as campanhas e 5% do fundo partidário para formação. E precisamos agarrar a oportunidade. Só que, ao mesmo tempo, percebi que pouco se fala no assunto. Há um vácuo de informação no que diz respeito ao estímulo à participação feminina na política. E eu comecei então a falar sobre isso em palestras para mulheres, mostrando a importância de ela participar da vida pública para transformar a realidade dela e do país. Este livro nasceu desse trabalho. Escrevi este livro com o objetivo de incentivar a participação da mulher na política, oferecendo a ela técnicas de marketing e oratória a fim de prepará-la para uma disputa eleitoral em igualdade de condições com os homens.

Serviço:

Livro: Faça Você Mesma – Guia Completo da Mulher na Política
Lançamento: dia 24/03, às 19h
Restaurante Carpe Diem (CLS 104 – Asul)

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