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Política & Poder

Bolsonaro pode ser acusado de crime de responsabilidade por convocação para ato

O presidente enviou pelo menos dois vídeos convocando a população a sair às ruas, no dia 15 de março, em defesa do governo em atos contra o Congresso

Redação Jornal de Brasília

26/02/2020 15h34

Brazil’s President Jair Bolsonaro attends the handover ceremony for the new Prosecutor-General Augusto Aras (not pictued) in Brasilia, Brazil October 2, 2019. REUTERS/Adriano Machado

Ao divulgar por seu WhatsApp pessoal uma convocação para ato em apoio ao governo e contra o Congresso Nacional, o presidente Jair Bolsonaro pode ter incorrido em crime de responsabilidade, de acordo com juristas ouvidos pelo Estado de S. Paulo. A informação foi divulgada pela editora do site BR Político e colunista Vera Magalhães nesta terça, 25.

O artigo 7º da Lei 1.079/1950 – que define os crimes de responsabilidade – estabelece entre eles, “provocar a animosidade entre as classes armadas ou contra elas, ou delas contra as instituições civis”. Bolsonaro não negou o envio do vídeo e afirmou que “troca mensagens de cunho pessoal, de forma reservada”. “Qualquer ilação fora desse contexto são tentativas rasteiras de tumultuar a República”, afirmou em nota.

O presidente enviou pelo menos dois vídeos convocando a população a sair às ruas, no dia 15 de março, em defesa do governo em atos contra o Congresso. Com imagens e sobreposição de fotos suas, os vídeos têm trechos idênticos, como a frase que classifica Bolsonaro como um presidente “cristão, patriota, capaz, justo e incorruptível”. Nos vídeos, porém, não há críticas diretas ao Congresso Nacional.

O especialista em direito público Saulo Stefanone Alle, doutor em Direito Internacional pela USP, diz que é necessário analisar com calma o conteúdo efetivamente compartilhado por Bolsonaro e o contexto em que este envio se insere. “É preciso que o conteúdo compartilhado nas redes sociais contenha indiscutivelmente a incitação efetiva. A mera convocação para um ato público, sem o conteúdo efetivo de incitação contra os poderes não me parece suficiente, por si só, para uma acusação de crime de responsabilidade do presidente da República.”

O diretor da Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo (USP), Floriano de Azevedo Marques Neto, classificou como um “absurdo” o envio da convocação do ponto de vista da liturgia do cargo de Presidente da República. “Quanto ao aspecto jurídico, vejo dois problemas. O primeiro é incitar ou contribuir para prejudicar o bom funcionamento dos poderes, no caso o Congresso, o que é, por si só, grave. Mas o pior é, em parte da divulgação, a convocação dos militares para a quebra da ordem constitucional Incitar os militares contra um dos Poderes constituídos é gravíssimo. É uma hipótese expressa de crime de responsabilidade “

O diretor ainda pontuou que a desculpa dada por Bolsonaro de que as mensagens teriam sido repassadas no âmbito privado não encontram fundamento em razão do cargo ocupado. “Há um ônus e um bônus em ser Presidente da República. Um dos ônus é que você deixa de ter espaço para mensagens reservadas, porque enquanto se ocupa o cargo, não se deixa de ser presidente. O peso de uma declaração, mesmo que no âmbito privado, continua sendo de um presidente.”

Em panfleto que circula pelas redes sociais, assinado apenas por “movimentos patriotas e conservadores”, fotos do general Heleno, do vice-presidente, Hamilton Mourão, e de outros generais com cargos públicos aparecem numa convocação para o ato. No texto, se diz que “os generais aguardam as ordens do povo”. E em seguida um bordão: “Fora Maia e Alcolumbre”.

A advogada constitucionalista Vera Chemim, mestre em Direito Público pela FGV, também diz que a ação de Bolsonaro pode fundamentar um pedido de impeachment. “O vídeo presidencial, embora de caráter pessoal, pode provocar um pedido de impeachment, com base no artigo 6º da Lei 1.079/1950. O referido vídeo incita a população a “protestar contra o Congresso Nacional, cujas Casas Legislativas representam o Poder Legislativo, um dos pilares da democracia e de um Estado Republicano.”

Doutor em Direito Penal pela USP, Conrado Gontijo vê um ataque à democracia. “A manifestação de apoio do presidente Bolsonaro a um ato político contra o Congresso é um escândalo, um grave atentado à democracia. Se efetivamente ele manifestou apoio a esse tal movimento, em minha visão, praticou crime de responsabilidade e deve ser alvo de processo de impeachment.”

Maristela Basso, também da USP, diz que o presidente infringiu o decoro do cargo que ocupa. “(Bolsonaro) ultrapassou todos os limites que seu cargo exige: correção, bom senso, honradez e educação . Ademais, infringe a dignidade, a honra e o decoro que o chefe do Poder Executivo é obrigado a observar.”

O Estado mostrou que o ex-deputado Alberto Fraga confirmou que, antes do carnaval, recebeu um destes vídeos do próprio Bolsonaro, por meio do WhatsApp. A mesma peça foi enviada na segunda-feira, 24, pelo secretário da Pesca, Jorge Seif Jr, a seus contatos no Whatsapp. Seif já foi apelidado por Bolsonaro de “filho zero seis”, tamanha sua proximidade.

Bolsonaro ‘Não seria maluco’ de atacar o Congresso, afirma Ramos

O ministro da Secretaria de Governo, general Luiz Eduardo Ramos, minimizou nesta quarta-feira, 26, o envio, pelo presidente Jair Bolsonaro, de um vídeo convocando para manifestações organizadas por apoiadores do governo no dia 15 de março. A divulgação dos atos nas redes sociais tem sido marcada por críticas ao Congresso. Em conversa com o Estado, o ministro afirmou que Bolsonaro “não seria maluco” de atacar o Congresso.

De acordo com Ramos, o presidente decidiu compartilhar o vídeo com amigos após ficar sensibilizado com as imagens, que incluem cenas de quando tomou uma facada, durante a campanha eleitoral de 2018, e de seu período de internação no hospital.

“O vídeo não fala do Congresso. É um vídeo de apoio ao governo, que ele recebeu, como recebeu muitos outros, e pelo tom emotivo, apenas repassou para uma lista reservada de pessoas. Só no privado”, afirmou Ramos ao Estado. “Qual é a culpa dele nisso?”, questionou o ministro, que passou o feriado de carnaval ao lado do presidente no Guarujá, no litoral de São Paulo.

O presidente compartilhou com seus contatos do WhatsApp dois vídeos. Um deles, revelado pelo BR Político, diz: “Ele foi chamado a lutar por nós. Ele comprou a briga por nós. Ele desafiou os poderosos por nós. Ele quase morreu por nós. Ele está enfrentando a esquerda corrupta e sanguinária por nós. Ele sofre calúnias e mentiras por fazer o melhor para nós. Ele é a nossa única esperança de dias cada vez melhores. Ele precisa de nosso apoio nas ruas. Dia 15/3 vamos mostrar a força da família brasileira. Vamos mostrar que apoiamos Bolsonaro e rejeitamos os inimigos do Brasil. Somos sim capazes, e temos um presidente trabalhador, incansável, cristão, patriota, capaz, justo, incorruptível. Dia 15/03, todos nas ruas apoiando Bolsonaro”, diz o texto que aparece na tela, entremeado por imagens de Bolsonaro sendo esfaqueado, no hospital e depois em aparições públicas.

A divulgação do vídeo tem sido tratado como um endosso, por parte de Bolsonaro, às manifestações e gerou reações no mundo político e nas redes sociais na terça-feira, 25. “Estamos com uma crise institucional de consequências gravíssimas”, afirmou o ex-presidente Fernando Henrique Cardoso no Twitter.

Ramos ressaltou, porém, que Bolsonaro “não sabe” quem fez o vídeo e citou o fato de ele não ter reproduzido os vídeos em nenhuma rede social, apenas no WhatsApp pessoal. “Ele não colocou no Twitter, não colocou no Facebook, nem no Instagran. Qual é a responsabilidade dele de terem divulgado isso nas redes abertas? Nenhuma. Zero. Não é culpa dele. Foram apoiadores que divulgaram. A fala oficial dele sobre isso está em um Twitter que ele publicou há pouco”, afirmou.

Na postagem, feita na manhã desta quarta-feira, o presidente afirmou que fez “troca de mensagens de cunho pessoal, de forma reservada” e que “qualquer ilação fora desse contexto são tentativas rasteiras de tumultuar a República”.

Segundo o ministro da Secretaria de Governo, apesar dos ataques, Bolsonaro “está tranquilo porque não fez nada de errado”. “Quem não deve, não teme. O presidente está com a consciência tranquila. Ele não fez nenhuma dessas ilações que estão dizendo aí. Não disse uma palavra sobre Congresso. Ele não pode ser culpado por uma coisa que não fez”, afirmou Ramos.

 

Estadão Conteúdo

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