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Política & Poder

“Bolsonaro atenta contra a democracia”

Ao JBr, líder da oposição Alessandro Molon defende impeachment e critica posição de Lula que condena união ampla de todos os que não apoiam o governo

Rudolfo Lago

25/06/2020 6h58

“Impeachment é proteção à democracia”

O líder da oposição na Câmara, Alessandro Molon (PSB-RJ), reconhece que a promoção de um processo de impeachment do presidente Jair Bolsonaro em meio à pandemia do novo coronavírus está longe de ser a situação ideal. Mas, para ele, se é ruim para o país viver agora esse processo, é muito pior continuar sem ele. Para Molon, Bolsonaro, com sua postura de negação da pandemia, tem sido “o maior aliado” do novo coronavírus no seu esforço de contaminação das pessoas.

Se é também ruim para o país eventualmente se ver às voltas com o terceiro processo de impeachment de um presidente desde a redemocratização há pouco mais de 30 anos, pior é, para Molon, as instituições não reagirem ao que ele considera um risco real para a democracia nas atitudes do presidente e de seus apoiadores mais extremistas.

Molon está convencido da necessidade do impeachment. Só considera as chances hoje remotas porque não é esse o convencimento da maioria do Congresso Nacional. É o que ele diz nesta entrevista exclusiva ao Jornal de Brasília.

O PSB entrou com pedido de impeachment do presidente Bolsonaro. Nós vivemos uma situação complicada no país com a pandemia do novo coronavírus, que acarreta também uma crise econômica. Uma situação que se agrava com episódios como a prisão de Fabrício Queiroz, o inquérito sobre fake news. Como o senhor avalia todo esse cenário e por que o PSB considera que a solução seria o impeachment?

A nosso ver, não seria o ideal pedir o impeachment de um presidente da República no meio de uma pandemia tão grave. Nós, do PSB, fizemos o máximo para esperar este momento passar para, em seguida, pedir o afastamento do presidente pelos crimes de responsabilidade que cometeu. No entanto, no decorrer da crise da pandemia, foi ficando claro para nós que o maior aliado do coronavírus é o próprio presidente da República. Um presidente que sabotou todo o distanciamento social.

Vejamos o que aconteceu em Brasília: quantas vezes ele estimulou aglomerações, deu mau exemplo, sempre saindo sem máscara. Enfim, se comportando muito mal. Tentando prescrever remédios sem comprovação científica de eficácia. Por tudo isso, nós entendemos que afastá-lo, ainda que isso fosse demandar de nossa parte tempo e energia para esse fim, seria o melhor para salvarmos vidas de brasileiros. E, por essa razão, pedimos o impeachment.

Nós continuamos com essa opinião. A gestão de Bolsonaro vem fazendo um enorme mal para o Brasil. O Brasil já é o segundo país do mundo em número de mortes, crescendo rapidamente. E o presidente continua sem qualquer plano para o enfrentamento do coronavírus. O governo federal não sabe o que fazer. Sabotou também os estados e municípios. Fez uma disputa com os governadores e prefeitos. Tentou colocar sobre eles a responsabilidade sobre os mortos. Não deu a eles o dinheiro necessário para que fossem criados leitos para o enfrentamento. Ou seja: uma gestão, um comportamento, que não poderia ser pior. O pior possível. Então, no nosso entendimento, sim:

Bolsonaro precisa ser afastado para o bem do Brasil. Para que o Brasil reencontre o seu rumo. Para que reorganize a economia. E para que, sobretudo, salve vidas de brasileiros. E para que coloque essas vidas em primeiro lugar, o que é o contrário do que o governo tem feito.

O senhor avalia que existem as condições políticas para isso? O presidente, de acordo com as pesquisas, tem em torno de 30% da população. Tem uma militância muito aguerrida. Um processo de impeachment não pode agravar a situação, desaguar em um clima de convulsão social?

Eu acredito que do ponto de vista da sociedade, sim. Porque ainda que ele tenha em torno de 20 e poucos por cento de apoio até o momento – já não são mais 30%, isso vem caindo. Mas ainda que seja um percentual de apoio importante como você corretamente diz, no meu entendimento isso não impede que o processo de impeachment avance. Não haveria qualquer convulsão social. Nos últimos anos, por diversas vezes, já se deu a entender que haveria reação da população a isso ou aquilo, e não houve. Eu acho que a população entenderia que essa é uma medida necessária.

Agora, eu acho difícil que o impeachment avance neste momento por causa do Congresso. Alguns partidos do centro vêm aderindo ao governo, ocupando cargos em ministérios importantes, e isso realmente dificulta que o processo de impeachment ande. Por essa razão, eu acho que hoje em dia a solução mais provável para esse nó em que o Brasil se encontra é o Tribunal Superior Eleitoral, cujos inquéritos pouco a pouco avançam no sentido de produzir provas e descobrir as provas verdadeiras de que houve financiamento ilícito de uma rede de desinformação na campanha eleitoral de 2018 que produziu esse resultado.

Há um debate hoje que envolve aqueles que fazem oposição ao governo quanto à amplitude desse movimento. O ex-presidente Lula recentemente fez comentários a esse respeito, dizendo que não aceita se unir a determinadas pessoas que no passado contribuíram para esse estado de coisas, contribuíram para que o presidente Bolsonaro fosse eleito. Na sua avaliação, faz sentido uma escolha seletiva neste momento de quem deve ou não participar de um movimento contra o presidente?

Acho que essa visão é um equívoco. Essa é uma visão, a meu ver, deslocada no tempo. Feita em um momento errado. Acho que esse tipo de consideração se faz quando vai fazer aliança eleitoral, para disputar eleição. E não é este o momento. O momento agora é de juntar todas as pessoas que sejam contra Bolsonaro. É dessa união que o Brasil precisa. Não importa o nome do movimento. Quem o puxa. E muito menos o passado das pessoas. O que importa é unir quem está contra o presidente Bolsonaro, quem está a favor de tirá-lo do governo porque ele está destruindo o Brasil. Com a gravidade do momento em que estamos, eu acho que não há outra conversa.

Há também uma discussão a respeito dos riscos que pode estar correndo a democracia brasileira, diante dos movimentos extremistas que ocorrem, como o Acampamento 300 que estava instalado em Brasília até há poucos dias e todos esses embates com outros poderes, especialmente com o Poder Judiciário. Qual a sua avaliação? O senhor acha que a democracia brasileira corre riscos?

Acho que sim. Acho que a democracia brasileira está correndo riscos. O presidente da República já deixou claro que, se puder, fecha os outros poderes, tanto o Congresso quando o Supremo Tribunal Federal. Ele não esconde a sua sanha autoritária de ninguém. Portanto, eu acho que é grande o risco que a democracia corre. E esse é um dos crimes de responsabilidade pelo qual ele deve ser afastado. Eu acho que é gravíssimo o momento. E, por essa razão, eu espero, sim, que tanto o inquérito no Supremo Tribunal Federal que apura o financiamento e o apoio aos atos antidemocráticos quanto o próprio Congresso Nacional cumpram o seu dever de cobrar responsabilidade do presidente e afastá-lo.

A democracia não pode ser tolerante com quem não a tolera. A democracia não pode ser omissa com relação a quem quer destruí-la. E eu acho que é isso o que está acontecendo no Brasil: uma certa conivência, uma certa omissão, e não acho isso bom. Acho que é um risco muito grande que se corre. Eu acho que é preciso que as instituições reajam. O Supremo saiu na frente. O Judiciário saiu na frente. E eu acho que é preciso que reajamos todos para salvar o futuro da democracia.

Nós estamos próximos de uma eleição que vai acontecer nesta situação especialíssima que estamos vivendo com a necessidade de isolamento. Certamente será uma campanha com características diferentes, provavelmente bem mais virtual do que todas as outras anteriores foram. E é neste momento que se investiga a existência de um esquema de disseminação de fake news que, de certa forma, orienta certas coisas no debate político. Qual é o risco que estamos correndo e de que forma deveria ser balizado para as eleições que vamos ter?

As fake news são um problema grave para as democracias do mundo todo. Os últimos acontecimentos eleitorais ou políticos mostram isso. Tanto a eleição de Donald Trump nos Estados Unidos como a eleição aqui de Bolsonaro ou a decisão da Inglaterra de deixar a Comunidade Europeia, o Brexit, tudo isso foi motivado, foi mobilizado, por campanhas de desinformação, de notícias falsas. Isso é um fenômeno mundial e é grave. Porque aprenderam a usar os algoritmos das redes sociais para estimular o ódio e a divisão dos povos, das sociedades, dos países, para enfraquecê-los. Essa é uma das maiores ameaças à democracia moderna. É muito sério mesmo. No entanto, o risco é tentar legislar sobre isso com pressa, e junto com a água suja jogar fora o bebê, como se diz no ditado. Ou seja, fazer uma lei que, com o objetivo nobre de combater fake news, cerceie a liberdade de expressão, a privacidade, conquistas importantes da internet.

Eu olho com certa preocupação essa pressa de se fazer uma lei já para as próximas eleições. O mundo inteiro não sabe como legislar sobre isso. O único país até agora que fez uma primeira tentativa foi a França. Os outros países desenvolvidos todos não têm leis sobre fake news. Porque é difícil, não é fácil legislar sobre isso. Então, eu olho para isso com atenção, porque acho que é um tema importante, mas ao mesmo tempo com preocupação.

Com relação ao inquérito que corre no Supremo, e que pode se desdobrar para o julgamento que também ocorre na Justiça Eleitoral, como o senhor avalia a suposta participação direta do governo federal, do Palácio do Planalto, nesse esquema que está sendo investigado?

Na minha avaliação, eu não tenho qualquer dúvida de que o Palácio do Planalto está diretamente envolvido nessa operação. A reação do próprio presidente da República à prisão de blogueiros envolvidos nisso foi a maior prova do envolvimento do Planalto. Porque não foi preso nenhum integrante do governo. E, diante disso, o que o presidente disse é que era intolerável o que estavam fazendo. Essa declaração do presidente é, por si só, uma confissão de que isso está diretamente ligado ao seu governo.

Na semana passada, houve a prisão de Fabrício Queiroz, ex-assessor do senador Flávio Bolsonaro quando ele era deputado estadual no Rio de Janeiro, suposto organizador de um esquema de rachadinha no gabinete de Flávio na Assembleia Legislativa do Rio. De que forma o senhor acha que isso pode acabar atingindo o próprio presidente?

A meu ver tudo isso atinge diretamente o presidente. Até porque tudo parece indicar que esse esquema começou com o próprio Bolsonaro. O Queiroz não era um homem de Flávio Bolsonaro. Era um homem de Jair Bolsonaro. Um amigo, um colega. Alguém que Bolsonaro colocou no gabinete de Flávio para operar esse esquema. Esse esquema tanto envolve o Bolsonaro que o primeiro depósito que foi identificado de Queiroz era para Michele Bolsonaro, para a primeira-dama. Por que Queiroz estaria depositando dinheiro para a primeira-dama? Bolsonaro disse que era o pagamento de um empréstimo. Que empréstimo foi esse que o dinheiro não foi de um lado para o outro, só voltou do outro lado para um? Isso tem toda a pinta de que era um esquema de Bolsonaro que, depois de inventar essa forma de enriquecer ilicitamente, reproduziu isso no gabinete dos filhos, que também enriqueceram.

Na política, se você vê um político enriquecendo, você pode ter certeza que essa riqueza, da política não vem. Ou é dinheiro de outra fonte ou é corrupção.

O vencimento que um parlamentar tem, embora seja de fato muito maior que a média salarial do país, é insuficiente para alguém se tornar rico e adquirir vários imóveis. Isso, certamente, merece uma explicação que não a do salário em si.

Há uma outra questão recorrente à investigação sobre Fabrício Queiroz que é o suposto envolvimento com milícias. Fabrício Queiroz tinha ligações com o Capitão Adriano Nóbrega, que era membro de milícia no Rio de Janeiro. O senhor acha possível afirmar que a família Bolsonaro tem envolvimento com as milícias?

Todas as investigações apontam que há, sim, uma relação próxima dos integrantes da família com membros de milícias. Então, isso pode, sim, sugerir o envolvimento da família Bolsonaro a crimes ligados às milícias. Isso também tem que ser investigado.

A preocupação e o silêncio total de Bolsonaro quando Queiroz foi preso chama a atenção. Um presidente que era tão falante parou de falar. Por que será? Por que parou de parar na porta do Alvorada para fazer aquelas declarações sempre agressivas e incompatíveis com o decoro que se espera de um presidente da República? Porque ele ficou assombrado com o que Queiroz pode contar. E Queiroz sabe muito. Pode ser que Queiroz, com a prisão de sua mulher, de sua filha, acabe contando o que sabe. E se ele contar o que sabe, o que tem por vir aí não é coisa simples nem leve, não. É coisa grave e pesada.

Caso aconteça, iríamos para o terceiro processo de impeachment de um presidente nesses pouco mais de 30 anos da redemocratização. Isso, de certa forma, também não é ruim?

O ideal seria que os presidentes pudessem completar os seus mandatos. Mas o Congresso e o Judiciário não podem permanecer inertes com o presidente afrontando a Constituição dessa forma.

Se existe um presidente afrontando a Constituição, se existe um caso em que o presidente deve ser afastado é quando ele atenta contra a própria democracia. Eu não tenho a menor dúvida que é caso de impeachment.

Quanto à escolha que foi feita, eu acho que o povo errou de boa fé. Acreditou que ele representava uma mudança na política que nos desse esperança de superar a corrupção, a insegurança. Mas nós estamos vendo que esse era um discurso vazio. Era uma mentira, fake news, que foi vendida, espalhada, como se ele representasse isso. A mim, ele não enganou. Mas a muita gente que não o conhecia, ele enganou, e as pessoas não têm culpa. Foram enganadas, foram induzidas ao erro.

Agora, o mundo político também devia se perguntar por que o povo estava tão desiludido. Eu acho que também houve erros graves de outros governos anteriores que acabaram gerando essa decepção e permitindo que uma figura inexpressiva e lateral como Jair Bolsonaro ganhasse viabilidade eleitoral. Uma coisa assombrosa, mas que efetivamente ocorreu.

Nesse caso, o impeachment seria uma proteção à democracia?

Não tenho dúvida disso. A essa altura, diante de vários atos e declarações, diante do risco que há, o impeachment seria sem dúvida uma proteção necessária à democracia e à Constituição.


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