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Política & Poder

Agora é Mandetta quem força

Se nas últimas semanas, foi o presidente quem pareceu criar situações para forçar o ministro a pedir demissão, desde domingo é Mandetta que força a barra

Rudolfo Lago

14/04/2020 7h33

Além de sofrer com os efeitos da pandemia que se multiplica e com a necessidade de confinamento, os brasileiros ainda precisam conviver com as consequências da nada divertida queda de braço entre o presidente Jair Bolsonaro e o ministro da Saúde, Luiz Henrique Mandetta. Se nas últimas semanas, foi o presidente quem pareceu criar situações para forçar o ministro a pedir demissão, desde domingo é o ministro quem parece ter estabelecido as condições para forçar o presidente a demiti-lo.

“Estranhamente, embora até pareça que hoje Mandetta esteja mais próximo de sair, o ambiente, porém, parece agora mais tranquilo do que estava no início da semana passada”, observa o cientista político André Cesar. “Isso talvez ocorra porque a cada momento essa situação se esgarça mais e ninguém mais aguente isso”.

Vacina

De acordo com interlocutores próximos ao ministro, Mandetta resolveu conceder a entrevista ao programa Fantástico, da TV Globo, no domingo, como uma espécie de vacina para o que ele acredita que deverá acontecer nos próximos dias, especialmente nesta e na próxima semana.
Esses serão os picos da doença. E, justamente neste momento, a população relaxou os cuidados que vinha tomando. As ruas ficaram mais cheias. Ou seja: as pessoas estão contribuindo para que a pandemia, no seu momento de pico, se multiplique ainda mais.

E Bolsonaro, neste momento, se comporta no sentido oposto ao da recomendação. Durante a Páscoa, saiu às ruas. Foi a lojas. Cumprimentou pessoas. Chegou a passar a mão no nariz antes de apertar a mão de um apoiador. Para Mandetta, ainda que o presidente não o demita, ele sabota as recomendações do Ministério da Saúde com sua atitude.

Ganha rostos

Se Mandetta simplesmente ficasse calado neste momento, ele avalia que cairia no seu colo, como ministro da Saúde, a responsabilidade pelo aumento da contaminação. “Se por um lado, as pessoas foram mais às ruas, por outro lado elas estão começando a conhecer pessoalmente pessoas doentes, contaminadas. A doença perde a característica de ser apenas um número e ganha rostos”, avalia André Cesar.

Assim, Mandetta foi à TV para deixar claro que uma eventual elevação do pico da pandemia porque os cuidados que deveriam ser tomados não aconteceram não seria uma responsabilidade sua. Pelo contrário, não teria sido por falta de aviso dele que aconteceu. Se o presidente sabota o seu esforço, que fique claro que é dele a responsabilidade.

Pelo seu lado, Bolsonaro também vai se aproximando mais de profissionais de saúde que, por convicção ou conveniência, se aproximam mais da sua linha de pensamento, como o deputado Osmar Terra (MDB-RS).

Militares diminuem o apoio

O apoio que o ministro da Saúde, Luiz Henrique Mandetta, tinha no núcleo militar do Palácio do Planalto para continuar no cargo perdeu força na noite de domingo (13).

O tom adotado na entrevista concedida à Rede Globo foi avaliado pela cúpula fardada como uma provocação desnecessária, que atrapalha o esforço de se evitar uma troca no comando do Ministério da Saúde em meio à pandemia do coronavírus.

Na entrevista, Mandetta disse que o brasileiro não sabe se escuta ele ou o presidente Jair Bolsonaro sobre como se comportar durante a crise de saúde e alertou que os meses de maio e junho serão os mais duros.

Ele também criticou aglomerações em padarias, coisa que o próprio Bolsonaro provocou nos últimos dias.

Para militares do governo, Mandetta fez um confronto público com Bolsonaro, não obedecendo à hierarquia do cargo, e reascendeu um conflito que havia diminuído de temperatura no final da última semana.

Na segunda-feira passada, o presidente, que já avaliava demitir o ministro após o pico da pandemia, considerou antecipar a decisão. Ele foi, no entanto, convencido pelo núcleo militar a aguardar até junho, para não piorar a crise de saúde.

Saiba Mais

Em um debate promovido ontem pelo UOL, Osmar Terra apresentou linha de pensamento oposta à de Mandetta. Ele concorda com o ministro que o pico da covid-19 será nos próximos dias. Mas diverge quanto à sua duração.

Para Terra, após duas semanas de crescimento, a doença regridirá. Para o ministro, ela subirá ainda por maio e mesmo junho, e se os cuidados não forem tomados, teremos uma explosão como aconteceu em outros países que relaxaram o confinamento, como a Suécia e os Estados Unidos.

Terra considera que as duas semanas produzirão o chamado “efeito manada”. Ou seja, levarão à contaminação de boa parte da população que, imunizada com os anticorpos, produzirão a regressão. Foi baseado nessa impressão de Terra que Bolsonaro, no domingo, chegou a dizer, ao contrário de todas as evidências numéricas neste momento, que a pandemia estava começando a cair.

“O problema para Mandetta é que tudo isso tem o seu timing”, observa André Cesar. “Se hoje ele tem a maioria, se demorar demais, pode acabar desgastado”.

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