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Política & Poder

Ação do governo a favor de aliados e contra opositores incomoda Congresso e STF

A interferência direta de Bolsonaro, alegando risco à liberdade de expressão, causou surpresa entre integrantes do Judiciário

Redação Jornal de Brasília

03/08/2020 11h53

Foto: Agência Brasil

Renato Onofre e Julia Chab
Brasília, DF

A atuação do governo federal em favor de apoiadores do presidente Jair Bolsonaro e as ações da Polícia Federal contra parlamentares e governadores opositores ao Planalto geram incômodo no Congresso e no Judiciário.

Ministros do STF (Supremo Tribunal Federal) e auxiliares ouvidos pela reportagem afirmam reservadamente que a utilização da AGU (Advocacia-Geral da União) e do Ministério da Justiça em defesa de youtubers e blogueiros associados a Bolsonaro também tem causado estranhamento.

Uma ADI (ação direta de inconstitucionalidade) foi assinada pelo próprio presidente da República no último dia 25 questionando decisão do ministro Alexandre de Moraes (STF), que determinou ao Twitter e ao Facebook que retirassem do ar contas de influenciadores, empresários e políticos bolsonaristas.

Apesar de a decisão de Moraes ter sido controversa e motivado críticas de outros setores, a interferência direta de Bolsonaro, alegando risco à liberdade de expressão, causou surpresa entre integrantes do Judiciário.

Aliados do presidente como o ex-deputado Roberto Jefferson (PTB), o blogueiro Allan dos Santos e os empresários Luciano Hang (da Havan) e Edgard Corona (da Smart Fit), alvos de investigação no âmbito do inquérito das fake news, tiveram suas contas suspensas pela ordem do ministro do STF -que endureceu na última quinta (30) e determinou um bloqueio internacional dos perfis.

Magistrados minimizaram o impacto jurídico da ação de Bolsonaro, mas avaliaram o gesto como um uso político da AGU para agradar à base.

Na avaliação de um ministro do Supremo, o presidente sabe que muito provavelmente o recurso não terá efeito prático, mas buscou um sinal político a apoiadores.

O estranhamento nas cortes superiores ocorreu porque a AGU agiu para proteger pessoas que não compõem o governo, contrariando função intrínseca à advocacia-geral -embora não citasse nominalmente nenhum investigado.

O movimento contrariou membros do STF ouvidos pela reportagem e foi respondido, indiretamente, pelo presidente Dias Toffoli na terça-feira (28).

“É importante lembrar que, correlata da liberdade de expressão, a liberdade de informação também está plenamente protegida em nossa ordem constitucional. Por outro lado, na livre manifestação do pensamento, é vedado o anonimato, o que evidentemente exclui exatamente a possibilidade de se aceitarem perfis falsos e utilização de robôs para a transmissão de informações fraudulentas”, disse.

Procurada, a AGU afirmou que se manifesta só nos autos.

O uso da instituição e do Ministério da Justiça incomoda também o Congresso.

A ação da Seopi (Secretaria de Operações Integradas) contra 579 servidores federais e estaduais de segurança identificados como integrantes do “movimento antifascismo”, revelada pelo UOL, levou parlamentares a articularem a convocação do titular da Justiça, André Mendonça, para prestar esclarecimentos.

A convocação de Mendonça já era cobrada por deputados da oposição desde que ele entrou com um habeas corpus em favor do então ministro da Educação Abraham Weintraub, mas foi adiada após a saída dele do governo.

A ação incomodou também líderes e a cúpula política de Brasília. A bancada do PSB na Câmara apresentou na semana passada um requerimento de convocação que teve a bênção do presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ).

O pedido ganhou força após a PF deflagrar uma operação contra a deputada federal Rejane Dias (PT-PI), mulher do governador do estado, Wellington Dias (PT). As buscas no gabinete dela na Câmara reacenderam no grupo de governadores as críticas feitas ao que chamam de espetacularização das operações.

Segundo a PF, o governador não está envolvido diretamente na investigação. Em nota, Wellington Dias disse que “existe a lei de abuso de autoridade para que casos como este não aconteçam indiscriminadamente”.

Em quatro meses de pandemia, a PF já bateu às portas de quatro governadores e dezenas de secretários e políticos contrários a Bolsonaro.

Parlamentares e governadores dizem que as ações são uma instrumentalização da PF para perseguir opositores -apesar de investigações que também envolvem integrantes do Ministério Público e autorizações da Justiça.

Em um grupo de WhatsApp de líderes de Norte e Nordeste, governadores disseram existir “ameaças políticas reiteradas” e “ações espetaculares” para constranger adversários.

Não é a primeira vez que o assunto vem à pauta. Em junho, após a PF fazer busca e apreensão no governo de Helder Barbalho (MDB) no Pará, o caso foi discutido pelos mandatários estaduais.
Enquanto, na época, a estratégia foi partir para o confronto direto, agora os governadores ouvidos pela reportagem afirmaram que é momento de atuar nos bastidores junto à PGR (Procuradoria-Geral da República) e às cortes superiores. A avaliação é que o confronto aberto favorece Bolsonaro.

Os governadores criticam pareceres da CGU (Controladoria-Geral da União) que, segundo um governador do Nordeste, criminalizam situações de mercado. Para ele, há presunção de que todas as compras na pandemia foram fraudadas ou superfaturadas, quando, “em muitos casos, eram situação de oferta e demanda”.

Em junho, os nove governadores do Nordeste divulgaram uma carta conjunta em que alertam para uma “inusitada e preocupante situação” decorrente das operações da PF.

Na sexta (31), gestores discutiram em reunião as medidas. Wellington Dias afirmou que é investigado há sete anos e questionou se não há prazo para que as apurações acabem.

Flávio Dino (PC do B), governador do Maranhão, lembrou um inquérito aberto em abril para investigar suspeitas de irregularidade em um contrato para a compra de combustível destinado a abastecer um helicóptero.

“Estou só esperando acabar o inquérito absurdo que vou processar os autores por dano moral”, disse à reportagem.

Dino alega que não teve participação no contrato feito pela Secretaria de Segurança Pública e que, se tivessem enviado um ofício a ele com questionamentos, o caso poderia ter sido esclarecido sem arranhar a imagem do governador.

O pedido de abertura da apuração foi apresentado pela subprocuradora Lindôra Araújo à corte especial do Superior Tribunal de Justiça. A proximidade dela com Augusto Aras, procurador-geral da República, e o que veem como aproximação com Jair Bolsonaro incomodam os governadores.

Há reclamações ainda quanto a investigações da PF depois das acusações do ex-ministro Sergio Moro de que Bolsonaro tentava interferir na corporação.

Gestores do Sul e Sudeste também se incomodam com a ofensiva contra opositores de Bolsonaro.

Aliados de João Doria (PSDB-SP) criticaram as operações recentes contra os ex-governadores tucanos de São Paulo José Serra e Geraldo Alckmin.

Internamente, a PGR não vê uso político das instituições. Em nota, o órgão diz que “todos os pedidos de abertura de inquérito envolvendo autoridades com foro são submetidos à apreciação do Poder Judiciário”.

“A PGR não é capaz de levar adiante uma investigação sem a autorização de um ministro de tribunal superior -no caso, o Superior Tribunal de Justiça, onde são processados governadores. Cabe ao Judiciário decidir se há indícios de crime contra uma autoridade desde o início da investigação”, afirma.

As informações são da FolhaPress

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